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4 ELEMENTOS PARA DENSIFICAÇÃO DOGMÁTICA DA REGRA

4.5 AS LIMITAÇÕES FUNCIONAIS DA REGRA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSÃO

4.5.4 A superabilidade da regra diante de situações de limitação funcional

A garantia constitucional restringe-se a impedir que comportamentos que violem prescrições jurídicas sejam adotados com propósitos específicos, seja em razão da necessidade de comprovarem-se fatos alegados em juízo, seja em razão da necessidade de adquirirem-se conhecimentos que, posteriormente, possam ser úteis à comprovação de uma alegação em eventual processo judicial.

Não há razão em pensar-se que o efeito profilático tenha capacidade protetiva diante de condutas que sequer são adotadas tendo por escopo a obtenção de meios de comprovação e, muito menos, quando o agente tem razoáveis motivos para crer que seu comportamento de forma alguma implicará violação de direito, ressalvando- se os casos de erro de avaliação evitável e de conduta inidônea ou negligente em contextos de divisão de tarefas e atribuições relacionadas à atividade probatória.

Tomando-se como premissa tais assertivas e diante do suporte fático do Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição federal, mostra-se inevitável questionar se essas limitações do mecanismo preventivo da regra de exclusão podem ser consideradas razões suficientes para induzir a flexibilização da aplicação do instituto em casos como esses.

É premissa consolidada ao início deste trabalho que o direito brasileiro conta com uma verdadeira regra que impõe ao magistrado inadmitir (e a excluir) os meios de comprovação cujos atos de obtenção, formação ou utilização repercutam em avaliação negativa pelo direito material.

Assim sendo, em princípio, não é possível conjurarem-se exceções à regra partindo-se de uma nova ponderação das razões que foram tomadas em consideração pelo legislador constituinte ao elaborar a regra do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal.

Tal afirmação, é bem verdade, implica reconhecer-se que as regras são dotadas de uma verdadeira “eficácia de trincheira”, mas que, ainda assim, podem ser superadas, desde que com fundamento em razões que revelem que sua aplicação mostra-se incompatível com a própria finalidade da regra, não tomadas em consideração pelo legislador ao momento de sua formulação.

E tomando em consideração o fato de que o mecanismo através do qual a regra constitucional de exclusão de provas exerce sua proteção apresenta limitações funcionais diante de certas situações que, conforme seu suporte fático, implicariam a

sua aplicação, não parece que o constituinte tenha as considerado ao elucubrar os elementos textuais do Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal.

Presume-se que as limitações funcionais foram simplesmente desconsideradas pelo constituinte, não tendo integrado o conjunto de razões ponderadas quando da adoção e elaboração da regra constitucional de exclusão de provas.

A conclusão é tirada de um breve exame das vantagens e desvantagens da aplicação da medida de exclusão para esses casos em que são evidentes as limitações funcionais da garantia.

A adoção de uma regra de exclusão em determinado ordenamento jurídico implica, no mínimo, ponderar-se, de um lado, o interesse em exercer a proteção de bens jurídicos através do instituto e, de outro lado, as repercussões negativas frente à busca da verdade e ao direito à prova.

Ou seja, de um lado, existem vantagens proporcionadas pela aplicação do instituto, ligadas à proteção por ele conferida; de outro, custosas desvantagens que comprometem a própria justiça da decisão que será proferida.

Nesses termos, concebe-se que a opção pela positivação de uma regra de inadmissibilidade é aceitável somente quando a proteção que é conferida pela regra de exclusão prevaleça sobre as razões opostas.

E essas razões opostas – desvantagens – são observáveis diante da aplicação da regra de exclusão nesses casos de limitação funcional, mas a vantagem – a própria proteção – não o é.

Diante da finalidade e do funcionamento do mecanismo protetivo da regra, não é possível identificar-se qualquer vantagem, ou melhor, qualquer razão que justifique a aplicação da regra de exclusão em casos nos quais o efeito profilático é simplesmente desconsiderado pelo agente que pratica a conduta, o que se dá tanto quando ele confia que sua conduta qualifica-se como juridicamente aceitável, como quando ele a pratica sem qualquer propósito de tornar disponível um elemento de comprovação, mas sim com outros objetivos.

Para os casos em que o agente busca obter provas e tem ciência da antijuridicidade da sua conduta, a aplicação da medida está afinada com a função desempenhada pelo efeito profilático, que investe a regra de exclusão de capacidade protetiva, porquanto “transmite a mensagem”: não é aceitável a deliberada adoção de condutas antijurídicas com o objetivo de obter, formar ou

utilizar meios de comprovação (viés educativo), sendo que sua adoção não repercutirá no aproveitamento de seu resultado probatório, o qual tornar-se-á ineficaz para comprovar alegações feitas em juízo.

O mesmo não pode ser dito para os casos em que a mensagem não alcança o destinatário, ou melhor, quando a existência de uma regra de exclusão de prova é fato conhecido pelo agente, mas que tido como irrelevante, porquanto o agente (1) possui motivos razoáveis para acreditar na juridicidade da conduta por ele empreendida; ou (2) sequer planeja obter meios de comprovação através das condutas adotadas.

A capacidade de coibir da regra de exclusão é simplesmente neutra em tais situações e, diante disso, (1) não é permitido dizer que a criação de uma exceção para essas hipótese implicaria em redução de sua capacidade protetiva; e (2) não há qualquer vantagem, mas somente desvantagens em aplicar-se o instituto para esses casos.

Ou melhor, para as situações apontadas, o prato da balança onde deveriam estar contidas as razões para a aplicação do instituto – vantagens – encontra-se simplesmente vazio, traduzindo-se a aplicação do instituto em verdadeira medida carente de qualquer razão de ser e diante da qual resultam somente desvantagens, tudo a desaconselhar sua adoção.

Desse modo, se é possível falar-se em superabilidade de uma regra diante de razões que revelam que sua aplicação representa um prejuízo maior do que um benefício (more harm than good), nos casos nos quais se vislumbra uma limitação funcional da regra constitucional de exclusão de provas, sua aplicação repercute em nenhum benefício, somente em prejuízo (verdadeiro no good, just harm).

Nesses termos, a necessidade de serem criadas exceções para os casos em que é nula a capacidade protetiva do instituto ante suas limitações funcionais sequer pode ser considerada fruto de uma ponderação através da qual se conclui pela prevalência de determinadas razões em face de razões opostas (ou de uma análise de custo-benefício, como feito pela U.S. Supreme Court nos casos Leon e Herring), mas, mais que isso, resulta da evidência de que não existem razões para aplicar-se o instituto em tais casos, somente razões opostas.

Diante disso, é de concluir-se que a aplicação da medida nesses casos de limitação funcional em nada contribui para a finalidade da regra constitucional de exclusão de provas, razão por que deve ser excepcionada sua aplicação.

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