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2 A INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO ORDENAMENTO

2.8 CONCLUSÕES

Os debates acerca da necessidade de tornarem-se inadmissíveis os meios de prova, cujo ato de obtenção, formação ou utilização processual implicariam valoração negativa pelo direito material, deram origem à concepção de prova ilícita enquanto conceito teórico a que corresponde, atualmente, uma prova inadmissível no direito brasileiro.

E, apesar de os fundamentos eminentemente teóricos sustentados a partir do eixo doutrinário alemão terem conduzido à compreensão de que tais provas deveriam ser inadmitidas por contrariarem a unidade do ordenamento jurídico, ou, nos mesmos moldes, por estarem em desacordo com preceitos constitucionais, existem bons argumentos que indicam ser em razão de a exclusão de provas ser

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Perceba-se o quão influente esse fator pode ser diante de casos em que a proteção conferida pelo direito material seja insuficiente para proteger um direito fundamental, como no caso americano, diante da vulnerabilidade da Quarta Emenda, diante da atuação das autoridades policiais.

adequada e necessária à finalidade de conferir-se maior proteção aos bens jurídicos (normativamente tutelados) que uma vedação às provas ilícitas figura-se aceitável.

A consecução do propósito protetivo da regra constitucional de exclusão de provas é bem explicado pelo efeito profilático, similar ao deterrent effect que serve de subsídio teórico à exclusionary rule, esta criada e desenvolvida pela jurisprudência da Suprema Corte norte-americana e caracterizada pelas noções de educação e prevenção.

Compreende-se, portanto, que o Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, foi concebido como uma forma de coibir a antijurídica obtenção, formação ou utilização de provas através de um mecanismo de desestimulo determinado pela consequência jurídica de ineficácia da prova ilícita, tudo com vistas a fortalecer a proteção conferida aos bens jurídicos pelo direito material.

Todavia, ao escopo de proteção de bens jurídicos, não corresponde necessariamente que a lesão de bens jurídicos através da obtenção, formação ou utilização de um meio de prova signifique, por si só, suposto fático suficiente para caracterizar a ilicitude probatória, seja porque o próprio contexto de regulação jurídica pode cominar exceções que relativizam a proteção normativa conferida a determinados bens jurídicos – exemplificado através das ressalvas expressas nos incisos XI e XII do Artigo 5º da Constituição Federal – seja porque a incidência de preceitos permissivos de ordem geral, tal qual o estado de necessidade e a legítima defesa, podem incidir de forma a determinar a juridicidade da conduta.

No entanto, uma vez preenchido o suporte fático da norma, deve-se considerar que a opção do constituinte por determinar a inadmissibilidade das provas ilícitas por meio de uma verdadeira regra – estrutura da norma – implica reconhecer a prevalência, prima facie, da proteção por ela conferida aos bens jurídicos frente à busca da verdade – o que pode ser prejudicial à justiça da decisão – e ao direito das partes de utilizar todos os meios de prova disponíveis para comprovar suas alegações.

Isso não quer dizer, contudo, que exceções não possam ser estabelecidas ao aplicar-se a regra, desde que atendido o ônus de fundamentação necessário à indicação das razões por que sua aplicação não deve ser feita em um determinado caso.

Partindo de pressupostos compatíveis com a noção de superabilidade de uma regra, a teoria da ponderação de interesses propõe a realização de uma segunda

ponderação, no caso concreto, para determinar os casos em que excepcionar a aplicação do Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal representa-se benéfico.

Entretanto, é importante ter em consideração que o dimensionamento dos interesses a ser ponderados não prescinde de quatro fatores essenciais: (1) a importância do bem jurídico que determina o interesse em proteger os valores em jogo no caso concreto; (2) a importância do bem jurídico que determina o interesse em proteger um bem jurídico através da regra de exclusão; (3) o caráter prospectivo da proteção conferida pelo efeito profilático; e (4) o caráter complementar da proteção conferida pela garantia.

3 OS PRECEDENTES DA U.S. SUPREME COURT E OS CARACTERES GERAIS DE APLICAÇÃO DA EXCLUSIONARY RULE DA BILL OF RIGHTS

Uma vez tendo sido relacionado o “programa de acção”214

da regra constitucional de exclusão de provas ao fundamento da exclusionary rule da Bill Of Rights, consagrado pela U.S. Supreme Court, na década de 70 do século XX, o deterrent effect, torna-se necessário avançar esta análise sobre os seus elementos essenciais de aplicação, em busca de uma verdadeira densificação dogmática do instituto para o direito brasileiro.

Em que pese uma conjugação de razões de ordem geral seja determinante para que essa exclusionary rule tenha sua aplicação quase que absolutamente restringida ao âmbito do direito processual penal, muitas são as questões de ordem geral (e, portanto, interessantes ao âmbito do processo civil) que servem para problematizar a aplicação do Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, sugerindo mudanças quanto ao seu arquétipo de compreensão.

Como será visto nos tópicos que seguem, muitas são as construções teóricas através das quais o direito norte-americano buscou aprimorar a exclusionary rule, conformando-a aos preceitos consagrados em seu ordenamento jurídico, mas também muitas foram as construções teóricas adotadas com vistas a acalmar as “vozes dos que reivindicavam a redução do âmbito de vigência e da consistência das exclusionary rules,”215

muito em razão de pressões da sociedade em ver respostas mais eficazes à repressão da criminalidade.

O instituto foi criado, teve suas bases estatuídas e foi desenvolvido pela Suprema Corte, mas muitos dos delineamentos e exceções à sua aplicação resultam não só de “exigências de justiça”, e sim do impacto que tem sobre a opinião pública o preço que se paga pela existência da exclusionary rule, ou seja, o alto “custo” decorrente da provável injustiça da decisão e, em especial, a impunidade dos criminosos.

E nem o fato de alguns desses critérios de aplicação do instituto serem, em certa medida, fruto das pressões políticas exercidas pela sociedade, não exclui a

214 A expressão “programa de acção” é empregada por Costa Andrade para designar o aspecto preventivo das exclusionary rules norte-americanas e das Beweisverbote alemãs. (COSTA ANDRADE, Manoel da. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra, 1992. p. 135).

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COSTA ANDRADE, Manoel da. Sobre as proibições de prova em processo penal. Coimbra: Coimbra, 1992. p. 134.

possibilidade de que os argumentos a eles subjacentes revelem excelentes razões para que a aplicação da regra constitucional de exclusão de provas seja, com base neles, aperfeiçoada, tanto para relativizar como para enrijecer sua aplicação.

Assim, da análise dos caracteres gerais de aplicação da exclusionary rule espera-se induzir uma série de questionamentos cujas respostas podem conduzir à sofisticação dos parâmetros de aplicação da regra constitucional de exclusão de provas do Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, tornando sua aplicação mais coerente, ou refinada, com relação a seus propósitos.

A análise será feita com vistas a verificarem-se compatibilidades e incompatibilidades entre a regra de exclusão brasileira e a americana, buscando, sobretudo, subsídios teóricos que permitam proporem-se discussões relevantes com relação à aplicação do instituto e à necessidade de excepcionar-se sua aplicação diante de determinadas circunstâncias, ou ainda, de promovê-la diante de outras hipóteses.

Dessa forma, este trabalho seguirá um viés eminentemente descritivo acerca da exclusionary rule, buscando-se, antes do que fazer um trabalho crítico e de comparação, analisar alguns precedentes que permitam estabelecerem-se as premissas gerais que hão de possibilitar a realização de tais tarefas em um momento próximo.

Ainda, é indispensável salientar-se que apenas os caracteres de aplicação relevantes para o estudo da aplicação do instituto no âmbito do processo civil é que serão objeto de análise.216

Nesses termos e em síntese, serão objeto de consideração a íntima relação do instituto com os direitos assegurados pela Quarta, Quinta e Sexta Emendas da Bill Of Rights, as bases teóricas para compreensão da fruits of the poisonous tree doctrine (que já foi acolhida pelo direito brasileiro) e de sua mitigação, além dos interessantes delineamentos realizados pela Suprema Corte, que não aplica a exclusionary rule: em relação a procedimentos de natureza cível; quando a ofensa aos bens jurídicos tutelados pelas normas constitucionais é praticada por particulares; quando quem requer a supressão das provas não é titular do direito

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Em que pese exista uma tendência de aplicar o instituto exclusivamente no âmbito do processo penal, a maioria dos caracteres essenciais de aplicação da exclusionary rule é pensada desde a sua finalidade e fundamento ou, ao menos, sobre razões estranhas às peculiaridades ínsitas ao processo civil e ao processo penal, motivos pelos quais as construções teóricas podem ser consideradas como verdadeiras categorias de uma teoria geral da exclusionary rule, muito além da contraposição enunciada.

ofendido; e quando os agentes estatais a praticaram encontravam-se investidos de boa-fé.

3.1 A VIOLAÇÃO DA BILL OF RIGHTS COMO PRESSUPOSTO PARA A

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