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4 ELEMENTOS PARA DENSIFICAÇÃO DOGMÁTICA DA REGRA

4.5 AS LIMITAÇÕES FUNCIONAIS DA REGRA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSÃO

4.5.2 Os erros de avaliação e a putativa juridicidade da conduta

Conforme analisado, a verificação de uma limitação funcional da regra constitucional de exclusão de provas com relação às condutas antijurídicas adotadas sem o escopo de obter ou formar provas pode ser confirmada sem maiores dificuldades.

Questão um tanto mais complexa diz respeito à confirmação de limitações funcionais atinente às hipóteses em que um indivíduo age com vistas a obter, formar ou utilizar uma prova ilícita, supondo que a conduta empreendida está dotada de juridicidade.

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Nesse esquema, caracteriza-se a putativa juridicidade da conduta em situações nas quais (1) o indivíduo tem plena ciência de que seu comportamento culminará na violação de um bem protegido pelo ordenamento jurídico, mas incorre em erro de avaliação das circunstâncias que envolvem a conduta empreendida, acreditando que está dotada de juridicidade, seja por incidência de um preceito normativo seja por incidência de um preceito permissivo; e em que (2) o agente incorre em erro de avaliação das circunstâncias que envolvem a conduta empreendida, concluindo que seu agir não culminará necessariamente em qualquer violação de bens jurídicos.

Ou seja, parece que nesses casos o agente está de boa-fé, acreditando estar juridicamente autorizado a obter, formar ou utilizar uma prova, porque presume que sua conduta repercute em um custo juridicamente aceitável (erro de avaliação quanto às circunstâncias configuradoras de um preceito normativo ou permissivo), ou que custo nenhum decorreria da conduta (erro de avaliação quanto às circunstâncias propriamente caracterizadoras da antijuridicidade).

Em razão disso, para esses casos, a capacidade de coibir-se a adoção de condutas antijurídicas, caractere essencial do funcionamento da regra constitucional de exclusão de provas, pode, em princípio, ser considerada nula, já que a regra em nada coíbe a adoção de uma conduta quando aquele que a pratica supõe sua juridicidade.

Entretanto, as discussões travadas no âmago do caso Herring induzem a uma conclusão interessante, a de que não se pode falar, necessariamente, em uma limitação funcional da regra constitucional de exclusão de provas nos casos em que o erro decorre de um comportamento negligente.393

Mais precisamente, parece apropriado dizer que o efeito profilático pode investir a regra constitucional de exclusão de provas da capacidade de coibir não só as condutas antijurídicas deliberadamente adotadas com a finalidade de obter, formar ou utilizar provas – ou aquelas que criam um risco injustificado – mas também da capacidade de coibir condutas negligentes que podem conduzir a erros de avaliação das circunstâncias.

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A prevailing opinion do caso Herring tomou em consideração que a proteção conferida nesses casos seria insuficiente diante dos custos de aplicação da exclusionary rule, mas a dissenting opinion foi firme em sustentar os benefícios da aplicação do instituto em casos de comportamento negligente.

Se é benéfica a existência de um efeito educativo a sugerir que condutas antijurídicas não devem ser deliberadamente adotadas para obterem-se elementos de comprovação, é igualmente vantajoso conceber que o mecanismo protetivo da regra de exclusão sugere um dever de cuidado durante a avaliação das circunstâncias diante das quais a conduta será adotada.

Assim, a regra exigiria cautela dos indivíduos empenhados em obter, formar ou utilizar meios de comprovação, sob pena de ineficácia da prova resultado de seu esforço.

Nesses termos, não seria estranho falar-se em erros de avaliação inevitáveis, existentes apesar de adotados de todos os cuidados razoavelmente exigíveis para avaliarem-se as circunstâncias e sua qualificação jurídica; assim como situações em que o equívoco de avaliação poderia ter sido evitado caso o agente não tivesse sido negligente durante a apuração das circunstâncias ou com relação à sua qualificação. Essa última situação, configuradora do erro de avaliação evitável, poderia ser averiguada em todo caso em que a análise das circunstâncias demonstrar que seria razoável (1) que o agente obtivesse uma conclusão diversa da juridicidade da conduta – ao qualificar as circunstâncias conhecidas, ou (2) concluir que os dados disponíveis não eram seguros ou suficientes para certificar o agente da conclusão de que a conduta é dotada de juridicidade, a exigir sua abstenção de praticá-la ou a adoção de cuidados complementares.

Nesses termos, assimilando-se a concepção de que o Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, protege também contra a negligente avaliação das circunstâncias (inspirada na dissenting opinion da J. Ginsburg no caso Herring) seria de concluir-se que a limitação funcional da regra de exclusão estaria caracterizada nos casos de erro de avaliação inevitável, mas não diante do erro de avaliação evitável, em relação ao qual não deve excepcionar-se a aplicação da regra.

4.5.3 (Segue) As limitações funcionais em contextos de divisão de tarefas e atribuições relacionadas à atividade probatória

As discussões surgidas no âmago da U. S. Supreme Court acerca da good faith exception não servem tão somente para relacionarem-se as limitações funcionais da regra constitucional de exclusão de provas com o erro de avaliação inevitável em casos de putativa juridicidade da conduta.

Servem também para demonstrar que a análise de limitação funcional não deve restringir-se ao erro de avaliação do indivíduo que executa a conduta, podendo também considerar-se o comportamento de todos aqueles que, ao mesmo tempo em que praticaram atos determinantes para ocorrência do erro de avaliação por parte do executor, compartilhavam de atribuições relacionadas à atividade probatória desempenhada.

Essa análise mais complexa tem lugar diante de um contexto de divisão de tarefas e atribuições relacionadas à atividade probatória, como quando a polícia investiga um fato e, por determinação legal, requer a um órgão judicial a autorização para realizar uma determinada diligência, executando-a somente após a expedição de um mandado.

Há aí um indivíduo (ou grupo) que fornece informações com vistas à obtenção da autorização; indivíduos (órgão policial e/ou juiz) que avaliam se essas informações são seguras e suficientes para dar lugar à diligência; e um indivíduo que, autorizado, executa a conduta.

Nesses casos, a regra constitucional de exclusão de provas revela-se capaz de coibir o desleixo e a malícia de todos aqueles que exercem atribuições correlatas à atividade probatória e cujas condutas podem ser determinantes para o erro de avaliação do executor, impondo-lhes deveres de idoneidade394 e cautela.

Dito de outra maneira, deve-se considerar que, embora um determinado erro de avaliação mostre-se inevitável para o longa manus – acusando uma disfunção da garantia – o efeito profilático não encontra limites na sua conduta, tendo plena capacidade para coibir práticas dolosas ou culposas de todos aqueles que, dentro de uma cadeia de procedimentos, empenham esforços para viabilizar a obtenção, formação ou utilização de uma prova e cujas condutas podem ser determinantes para induzir o executor em erro.

Assim sendo, se em algum ponto da cadeia um indivíduo que compartilha do desígnio de “fazer” prova pratica intencionalmente, ou de forma negligente, uma conduta que é determinante para induzir em erro quanto à juridicidade da conduta aquele que obtém, forma ou utiliza uma prova, esta deve ser considerada inadmissível, já que não há qualquer limitação funcional da regra.

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A exigência de idoneidade deve ser relacionada àquela ressalva expressa no caso Leon, no sentido de que a exclusionary rule deveria ser aplicada, de qualquer maneira, quando o agente que requer a expedição de um mandado deliberadamente apresenta determinados fatos como sendo verdadeiros, mesmo sabendo serem falsos.

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