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2 A INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS NO ORDENAMENTO

3.6 A FRUITS OF THE POISONOUS TREE DOCTRINE E SUAS LIMITAÇÕES

3.6.4 Os casos Wong Sun, Ceccolini e Elstad e a purged taint exception

Uma correta compreensão dos traços definidores da purged taint exception exige a análise dos casos Wong Sun versus United States,330 United States versus Ceccolini331 e Oregon versus Elstad.332

No caso Wong Sun, discutiu-se acerca da aplicabilidade da exclusionary rule para excluírem-se provas materiais e declarações obtidas em consequência de uma série de invasões a domicílio e prisões realizadas por agentes federais sem estarem acobertados por qualquer permissivo.333

Em razão de toda a investigação ter sido desenrolada através de condutas antijurídicas, toda a prova restaria, a princípio, contaminada, inclusive o depoimento dos acusados prestado na delegacia e reduzido a termo pelos agentes que realizaram sua oitiva.

A contaminação foi tida como evidente em relação a apreensões realizadas e declarações dos acusados, mas o caso contava com uma pequena peculiaridade que foi vital para a criação da purged taint exception, a de que um dos acusados, Wong Sun, não forneceu suas declarações tão somente por ocasião de sua prisão –

330

Wong Sun v. United States, 371 U.S. 471 (1963). 331

United States v. Ceccolini, 435 U.S. 268 (1978). 332

Oregon v. Elstad, 470 U.S. 298 (1985). 333

Wong Sun v. United States, 371 U.S. 471 (1963). Um indivíduo investigado por trafico de drogas foi preso e informou a polícia que havia comprado a droga na lavanderia de um indivíduo de alcunha “Blackie Toy”. Agentes federais foram até a lavanderia, um deles bateu na porta e foi atendido por Toy, para quem se identificou como agente federal. Toy correu para os fundos do estabelecimento, em direção aos aposentos onde residia com sua família, ele foi preso no local, e uma busca nos aposentos onde ocorrida a prisão não revelou qualquer existência de narcóticos. Afirmaram para Toy que um indivíduo havia o identificado como a pessoa que havia lhe vendido heroína, ao que Toy reagiu respondendo que não vendia narcóticos, mas conhecia uma pessoa que os vendia, indicando o local onde vivia um sujeito de alcunha “Jhonny Yee”. Os policiais então foram até a casa de Yee e invadiram seu quarto, ocasião em que ele lhes apresentou uma pequena quantidade de heroína, a qual afirmou ter comprado de Toy e de um outro chinês, qual conhecia apenas como “Sea Dog”, a quem Toy identificou como sendo Wong Sun. Os policiais então foram até a casa de Wong Sun e lá realizaram sua prisão e uma busca no local, não tendo encontrado qualquer narcótico. Toy prestou declarações para a autoridade policial enquanto estava preso, mas Wong Sun foi liberado e voltou à delegacia voluntariamente, dias mais tarde, ocasião em que prestou suas declarações. As provas referidas pela acusação eram a heroína apreendida com Yee; as alegações de Toy na noite de sua prisão; e as declarações reduzidas a termo. A Suprema Corte entendeu que as declarações de Toy estavam eivadas de vício, porquanto fruto da invasão à sua residência, o mesmo com relação à heroína encontrada com Yee. Wong Sun não teve a mesma sorte, primeiro porque ele não tinha standing for motion to supress em relação às provas decorrentes da invasão às residências de Toy e de Yee. Em relação às suas próprias declarações, a corte entendeu que não eram fruto da conduta ilegal da polícia, porquanto Wong Sun havia sido solto e, após, retornou voluntariamente para prestar suas alegações.

ilegalmente realizada – mas porque, mesmo após ter sido libertado, sob fiança, retornou voluntariamente à delegacia para ratificá-las e complementá-las, o que, segundo ao entendimento da Suprema Corte, acabaria por atenuar o nexo causal entre os atos antijurídicos relacionados à invasão de domicílio e a segunda confissão, reduzida a termo, tornando esta admissível.

Pode-se depreender essa conclusão do seguinte excerto da prevailing opinion do caso, redigida pelo Justice Willian J. Brennan:

Em razão de a confissão não assinada de Wong Sun não ser fruto de sua prisão, foi, portanto, devidamente admitida em julgamento. Considerando que Wong Sun foi solto sob fiança depois de regularmente indiciado, e que retornou por vontade própria vários dias depois para fazer sua declaração, entendemos que a conexão entre a prisão e a declaração ‘tornou-se tão atenuada quanto o necessário para dissipar a mácula’.334

A purged taint exception foi reiterada em United States v. Ceccolini, caso em que a Suprema Corte a aplicou em relação às declarações de uma testemunha que só foi descoberta em razão de investigações que, da maneira como conduzidas, violaram os direitos conteúdo da Quarta Emenda.335

Na prevailing opinion do caso Ceccolini, escrita pelo Justice William H. Rehnquist, a Suprema Corte sustenta a possibilidade de verificar-se a dissipação da mácula mediante uma ponderação que considere o livre arbítrio da testemunha em determinar como prestará suas declarações e o nível de interferência que a mácula e as informações através dela obtidas podem ter sobre suas declarações. Assim,

334

Wong Sun v. United States, 371 U.S. 471 (1963), p. 491. 335

Cfr. United States v. Ceccolini, 435 U.S. 268 (1978). No caso, um policial aproveitava sua hora de folga para conversar com uma amiga, em uma floricultura onde esta trabalhava. Em dado momento da conversa o policial avistou um envelope suspeito e, sem que sua amiga soubesse, realizou uma verificação do seu conteúdo, encontrando dinheiro e apetrechos de jogos de azar ilegal (bilhetes de uma loteria clandestina). Após tal fato, o policial perguntou à sua amiga a quem pertencia o envelope, ao que ela respondeu que o envelope era de seu chefe Ceccolini. O assunto não foi mais objeto de conversa entre os dois, mas o policial repassou a informação para investigadores da polícia local, quais comunicaram agentes do Federal Bureau of Investigation – FBI, quais, quatro meses depois, realizaram a oitiva da atendente da floricultura, questionando-a acerca da relação de seu patrão com atividades ilegais relacionadas ao jogo, tendo recebido informações que serviriam para embasar a acusação contra Ceccolini. A funcionária, ainda, testemunhou em juízo contra o patrão, confirmando sua ligação com a atividade ilegal. A questão foi levada até a Suprema Corte para saber se o testemunho dela deveria ser excluído do conjunto probatória em decorrência de ser fruto da conduta ilegal do policial que revolveu o conteúdo do envelope, lá encontrando os objetos que originaram todas as investigações posteriormente realizadas.

caso o nível de interferência seja irrisório, as condutas objeto do deterrent effect revelariam não haver um grande benefício na aplicação da regra. 336

Nota-se que, para fundamentar a aplicação da exceção, J. Rehnquist retira o foco da relação entre a antijuridicidade da conduta que conduziu às informações as quais levaram à “descoberta da testemunha” (descoberta da fonte da prova), pautando a discussão pela necessidade de determinar se o livre arbítrio – disposição das informações que possui e a razão pela qual as presta – da testemunha foi consideravelmente afetada em razão daquela conduta. Sendo insignificante o impacto, a conclusão seria a de que os custos de calar uma testemunha para sempre com a aplicação da exclusionary rule não seriam aceitáveis, o que se revelava no caso concreto em razão do tempo transcorrido entre a violação da Quarta Emenda e a inquirição da testemunha.337

O precedente Oregon v. Elstad338 é, da mesma forma, exemplo de reafirmação da purged taint exception pela Suprema Corte. No caso, o acusado teria sido preso e, antes que lhe fossem administrados os Miranda Warnings, confirmou ter participado de um crime de furto. Após terem sido administrados os Miranda Warnings, entretanto, ele fez uma nova confissão, detalhada, a qual foi reduzida a termo.

A Suprema Corte decidiu no sentido de que a confissão verbalmente realizada, anterior aos Miranda Warnings, deveria ser excluída, mas que a segunda confissão, reduzida a termo, deveria manter-se no conjunto probatório em razão de ser, antes de qualquer outra coisa, fruto do livre arbítrio do réu, da sua vontade de

336

Cfr. United States v. Ceccolini, 435 U.S. 268 (1978), p. 269-280.

337 Cfr. United States v. Ceccolini, 435 U.S. 268 (1978), p. 280–285; 285-290. O caso ainda contou com a concurring opinion do Justice Burguer, quem defendeu que as testemunhas oculares de um fato, “per se” independentemente de sua relação com a conduta ilícita da polícia não deveria ser objeto de exclusão em todo e qualquer caso. No outro extremo, a dissenting opinion do Justice Marshall foi no sentido de que, para fins de aplicação da exclusionary rule não há qualquer sentido em diferenciar entre a prova testemunhal e aquelas provas que consistem em “objetos inanimados” para fins de verificar a dissipação da mácula. Para J. Marshall, até mesmo a análise de custo- benefício procedida na prevailing opinion apresenta diferenças entre a prova testemunhal e os demais meios disponíveis. A dissipação da mácula dependeria antes, na visão do J. Marshall, do comparecimento espontâneo da testemunha no processo, independentemente da atuação da polícia, conforme compreendido no precedente Wong Sun, sendo inaplicável ao caso em virtude de ter-se reconhecido que entre a ilicitude da investigação e a prova testemunhal há uma verdadeira estrada “direta e ininterrupta” - straight and uninterrupted. Ou seja, se a livre vontade da testemunha não foi vital para seu comparecimento no processo, não há sentido falar em dissipação da mácula, porque a prova somente chegou até o processo em decorrência da conduta que ofendeu a Quarta Emenda.

338

confessar-se, e não propriamente fruto do erro dos policiais em administrar tardiamente os Miranda Warnings. 339

Assim, em que pese a confissão escrita ter se dado após a prisão de Esltad, não estaria contaminada pela violação à Quinta Emenda, uma vez que o nexo causal entre a referida violação e a confissão escrita estaria atenuando o suficiente para não recomendar a aplicação da medida de exclusão.

3.7 CONCLUSÕES

A gênese da exclusionary rule está intimamente ligada à concepção de tratar- se de um meio para tornarem-se efetivas as garantias asseguradas pela Federal Constitution, em especial aquelas conteúdo da Quarta, Quinta e Sexta Emendas. A regra norte-americana, portanto, tende a proteger posições jurídicas específicas e não a generalidade dos bens jurídicos normativamente tutelados – em desconformidade do que sugere o suporte fático da regra constitucional de exclusão de provas brasileira.

De outro lado, enquanto garantia fundamental que se propõe a resguardar determinados direitos dotados de fundamentalidade e em razão do predomínio da state action doctrine, somente a conduta antijurídica praticada por agentes estatais figura como suposto fático suficiente para dar ensejo à aplicação da exclusionary rule, sendo eles considerados os únicos destinatários do deterrent effect - o Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal brasileira, por sua vez, nada indica acerca de uma seletividade dos destinatários do efeito profilático.

Afora essas restrições, também é identificável uma tendência de restringir-se a aplicação do instituto aos processos de natureza criminal, afastando-o do processo civil com base em argumentos retirados de análises de custo-benefício sobre sua aplicação, mas que não possuem uma raiz comum, sendo antes disso escorados em análises casuísticas cujo resultado parece ser influenciado, ainda que indiretamente, por uma conjugação de fatores.

339

Através de distintas dissenting opinions, os Justices Brennan e Stevens ofereceram argumentos no sentido de que não poderia concluir-se, ante as circunstâncias do caso concreto, que a vontade do acusado, durante a segunda confissão não estava maculada pela coercitividade do primeiro interrogatório, realizado sem a administração dos Miranda Warnings. Ou seja, não discordam da possibilidade de purgar a mancha, mas entendem que no caso tal não haveria ocorrido. Cfr. Oregon v. Elstad, 470 U.S. 298 (1985), p. 318–364; 364–372.

O primeiro desses fatores é que os direitos objeto de proteção da exclusionary rule correspondem a prescrições da Bill Of Rights voltadas essencialmente (embora não unicamente) para a atividade de persecução criminal empreendida pelo Estado; o segundo fator é que, em decorrência da State Action Doctrine, apenas agentes estatais são considerados destinatários do deterrent effect; e, por fim, o terceiro fator determinante é que a Suprema Corte também estipula os destinatários do deterrent effect com base em uma análise de custo benefício, da qual conclui-se que são destinatários somente os agentes estatais cuja classe mostra-se inclinada à prática de violações contra os direitos protegidos pela exclusionary rule: a polícia.

Também são análises de custo-benefício que fundamentam a restrição da legitimidade para requerer-se a aplicação da exclusionary rule e aproveitarem-se seus efeitos; e a sua inaplicabilidade em casos nos quais o agente que pratica a conduta considera-se de boa-fé, porquanto supõe não estar violando qualquer direito.

Além dessas peculiaridades que limitam a aplicação do instituto, soma-se a concepção de que também as provas derivadas indiretamente dos conhecimentos adquiridos através de condutas antijurídicas são passíveis de exclusão, porque é necessário barrar qualquer possibilidade de serem aproveitados os resultados probatórios dessas práticas, sob pena de enfraquecer a capacidade de coibir ínsita ao instituto, salvo algumas exceções.

Esses caracteres que restringem e aprimoram aplicação da exclusionary rule são totalmente estranhos ao suporte fático que determina a aplicação do Artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, e seus fundamentos, servem aos propósitos deste estudo, sobretudo, para intensificar a problematização acerca dos critérios de aplicação do instituto para além da proposta da teoria da ponderação de interesses.

Dito de outra forma, os elementos de aplicação da exclusionary rule fornecem argumentos que tornam ao menos discutível a necessidade de proceder-se, ou não, a um aprimoramento da regra constitucional de exclusão de provas, permitindo, assim, torná-la mais afinada a seus propósitos e coerente com seu funcionamento.

É com base nesses problemas, mas sem ficar restritos aos argumentos da Suprema Corte, que buscar-se-á, no próximo capítulo, verificar a necessidade e viabilidade de promover-se uma verdadeira densificação dogmática do instituto, abastecendo-o de outros critérios de aplicação.

4 ELEMENTOS PARA DENSIFICAÇÃO DOGMÁTICA DA REGRA

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