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Estrutura da tese

1 OS CARMELITAS CALÇADOS E O TERRITÓRIO: DAS ORIGENS À REDE RELIGIOSA-CONVENTUAL NO BRASIL

1.1 A Ordem do Carmo na Idade Média e na Idade Moderna

A instituição religiosa de frades católicos, denominada “Ordem dos Irmãos da Bem- Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo”, teve origem na Idade Média Oriental, na área geográfica do Monte Carmelo, na Cidade de Haifa, que está situada no atual Estado de Israel, na Palestina (figura 1).

Figura 1: O Monte Carmelo, na região destacada, no mapa atual da Palestina, junto à Cidade de Haifa.

Fonte: Site Google Mapas, disponível em: <https://www.google.com.br/maps>, acesso em: 18 jan. 2014; mapa modificado pela autora.

Entre os séculos XI e XII, aquela região foi tomada por europeus1 para atuar nas

cruzadas medievais e conquistar a Terra Santa2. Eles tentavam viver seguindo o exemplo de

Jesus Cristo ou de profetas bíblicos que residiram naquele local, ou seja, viviam com base em um modelo de santidade. Assim como explica Esteve & Guarch (1950, p. 144):

1 Eram pessoas que vieram de vários locais da Europa para as cruzadas, entretanto, em alguns livros, menciona-se

que esses povos eram, em grande maioria, latinos. Na época, existia o Reino Latino de Jerusalém criado pelos cruzados cristãos.

2 A Terra Santa, segundo a Bíblia, foi prometida ao povo Judeu no Antigo Testamento. Situa-se entre o mar

Mediterrâneo e o Rio Jordão, compreendendo, atualmente, Israel, Cisjordânia e partes da Jordânia. É um local de valor histórico-religioso para diversas vertentes como os cristãos, judeus e muçulmanos. Para os cristãos medievais, aquele local era sagrado pelo fato de ter vivido e peregrinado Jesus Cristo e outros profetas bíblicos.

A organização da Ordem coincide com as Cruzadas pela reconquista dos santos lugares, ocupados pelos muçulmanos desde o início do século VII. [...] Conquistada Jerusalém pelo exército cristão (1099), começaram a fluir à Palestina muitos peregrinos, os quais, atraídos pela santidade do [Monte] Carmelo, juntaram-se aos poucos anacoretas [eremitas] que o habitavam, colocando, deste modo, as bases da organização da Ordem.

Sendo assim, havia um grupo de eremitas que habitava a região no século XII, “mais ou menos na época da terceira Cruzada, 1189-1192”3, e tinha como inspiração os profetas que

viveram naquele local, chamado de Elias4, além do discípulo e sucessor dele, Eliseu5. Esses,

em vida, oraram e meditaram em grutas em torno do Monte Carmelo.

No século XII, para se juntar aos eremitas do Monte Carmelo, vieram alguns europeus leigos participantes das Cruzadas, que construíram uma capela dedicada a Nossa Senhora no local em meio ao Monte Carmelo chamado Fonte de Elias. Depois disso, um religioso chamado Aymerico de Malefaida6 e o sobrinho dele chamado Bertoldo7 organizaram

os eremitas e os leigos em uma comunidade por volta de 11568. Assim, colocaram muros no

local, onde era a Fonte de Elias e a capela, e fizeram um convento onde todos viviam em celas separadas como religiosos.

Após essa organização conventual, houve eleição para Prior-Geral9 do grupo do

Monte Carmelo, sendo designado um religioso chamado Brocardo (c. 1150 - c. 1220) para tal função. Esse, por sua vez, pediu ao Patriarca de Jerusalém10, Alberto11 (1149-1214), que

escrevesse o “modo de vida”12 dos religiosos do Monte Carmelo. Por volta de 1209, aquele

3 Boaga (1989, p. 21).

4 O profeta Elias viveu entre 486 a 458 a.C. (RODRIGUES, 2005, p. 93). 5 O profeta Eliseu viveu entre 486 a 413 a.C. (RODRIGUES, 2005, p. 93).

6 Sabe-se somente que nasceu na França, na região de Salagnac, e veio para o Oriente por causa das Cruzadas.

Viveu em Jerusalém entre 1153-1159.

7 Nasceu na França, na região de Salagnac, e veio para o Oriente por causa das Cruzadas (provavelmente, na

segunda cruzada de 1147-1149). Morreu no Monte Carmelo por volta de 1185-1195.

8 Esteve & Guarch (1950, p. 145-147).

9 A patente de Prior-Geral quer dizer que é um religioso superior que lidera os religiosos de um Convento do

Carmo.

10 Patriarca de Jerusalém é um título conferido pela Igreja Católica Ocidental a um Cardeal ou um Bispo europeu

que governava como Arcebispo no Oriente (principalmente, na ilha de Chipre e na Palestina) e que, ainda assim, estava submetido, diretamente, ao Papa. Ainda hoje existe o Patriarcado Latino em Jerusalém.

11 15º Patriarca Cruzado de Jerusalém – período de seu patriarcado de 1204-1214.

12 “Era mais, simplesmente, uma formula vitae [forma de vida]: quer dizer, uma regra de ligação de vida, adequada

aos grupos de laicos fervorosos, mas sem os louros das clássicas Regulae [Regras]. Esta formula vitae é dirigida a um certo B. – que a tradição posterior tardia indicará como Brocardus, mas sem poder aduzir documentos históricos válidos – e aos ‘outros ermitães que vivem junto à Fonte’”. (SECONDIN, 1982, p. 5).

Patriarca redigiu e enviou ao Sumo Pontífice o documento que logo se tornou a principal norma dos carmelitas, chamada de Regra Albertina, que foi aceita pelo Papa Honório III13 em 1226 e

depois confirmada pelo Papa Gregório IX14 em 1229, sendo modificada pelo Papa Inocêncio

IV15 em 124716. Basicamente, a Regra Albertina trabalha os três pilares da vida monástica: voto

de obediência, castidade e pobreza.

A partir da metade do século XIII, os carmelitas transferiram-se para a Europa, por causa dos muçulmanos que estavam reconquistando parte da Terra Santa tomada pelos cruzados europeus. De acordo com Velasco Bayón (2001, p. 25): “As primeiras fundações [dos carmelitas] realizaram-se no deserto de Frontaine, em Chipre, lugar que não se pode identificar; em Messina (Sicília); Aylesford e Hulne, na Inglaterra; e Aygalades, perto de Marselha, na Provença (França)”. (Figura 2).

Figura 2: Simulação do percurso dos carmelitas da Palestina para a Europa no século XIII (em vermelho) no mapa atual da Europa.

Fonte: Site Platano Editora, disponível em: <http://www.platanoeditora.pt/files/698/7417.png>, acesso em: 23 out. 2014; mapa modificado pela autora.

13 177º Papa - período de seu pontificado de 1216 a 1227. 14 178º Papa - período de seu pontificado de 1227 a 1241. 15 180º Papa - período de seu pontificado de 1243 a 1254.

16 O Sumo Pontífice teve ajuda de alguns religiosos dominicanos, uma vez que estes haviam há pouco tempo

organizado a regra da Ordem mendicante deles na Europa. O “modo de vida” carmelita feito por Alberto no Oriente tinha recomendações que não se adequavam à forma de vida monacal na Europa. Sendo assim, o Papa, com a ajuda dos dominicanos, adaptou a Regra à vida Ocidental. Ver a Regra Primitiva Albertina (modificada com acréscimos pelo Papa Inocêncio IV) na sessão Anexo A desta tese, que foi retirada do “Compêndio das Crônicas da Ordem de Nossa Senhora do Carmo”. (ORDEM DOS CARMELITAS, 1572).

Na Europa Medieval, no século XIII, os carmelitas tiveram algumas dificuldades: por serem pouco conhecidos no Ocidente; por construírem os conventos deles na Europa em locais afastados das cidades, pois ainda tinham uma vida isolada, isto é, eremítica; por não conseguirem se sustentar, devido ao maior custo de vida na Europa em relação ao Oriente.

Diante disso, o Superior-Geral da Ordem na Inglaterra, Simão Stock (1195-1265), solicitou algumas concessões ao Papa. Em 1245, o Papa Inocêncio IV expediu algumas cartas, que autorizaram os carmelitas a pedirem esmolas, tornando-os mendicantes, assim como outras ordens religiosas europeias que viviam sob esse regime, a exemplo dos franciscanos e dominicanos, criadas, respectivamente, em 1209 e 1226. Ao obterem essa condição, a Ordem do Carmo foi autorizada a pedir esmolas aos fiéis onde fosse mais conveniente e acessível para tirar o sustento dela. Após aquela autorização papal, eles puderam construir conventos nas principais cidades europeias.

Apesar da divulgação e expansão da Ordem do Carmo na Europa durante o século XIII, alguns fatos ocorreram no âmbito social europeu e na Igreja no século XIV, que enfraqueceram o ideal de vida monástica em geral. Apontamos pelo menos dois problemas interligados: a baixa densidade demográfica e o enfraquecimento da Igreja.

No primeiro caso, estavam alguns problemas gerais, que assolaram a população europeia, trazidos pelos flagelos da peste, fome e guerra, que provocaram uma mortandade em massa. Com a peste bubônica, no âmbito religioso: “em muitas cidades, os padres temerosos retiravam-se, deixando o exercício de suas funções para os religiosos mais corajosos. Em muitos locais, nem dois de entre vinte conseguiram sobreviver”17. Além dessa epidemia, no

século XIV, houve uma escassez agrícola nos anos de 1315 e 1317, que, também, contribuiu para uma crise demográfica na Europa18. Nesse mesmo período, houve algumas guerras

internas, que colaboraram para aquele cenário.

No segundo caso, a Igreja passou pelo Grande Cisma do Ocidente que ocorreu entre 1378-1417. Tratou-se de uma divergência religiosa que se iniciou no alto clero da Igreja, mas que afetou todos os âmbitos daquela instituição. Em 1309, a Corte Papal foi transferida de Roma para Avinhão na França. Por volta de 1378, foi instaurada uma briga interna, onde, por um lado, havia pessoas desejosas de que o Papado voltasse para Roma e outras contrárias que queriam a manutenção do Papado em Avinhão. Então, a Igreja foi dividida em dois Papados, com um

17 Nicholas (1999, p. 442).

Papa em Roma e o outro Papa em Avinhão19. Posteriormente, houve um terceiro Papa em Pisa

na Itália. Em 1417, finalmente, foi decidido pela Igreja que permaneceria somente o Papado em Roma.

No século XV, as queixas sobre o desregramento na vida religiosa eram constantes, entre elas: dizia-se que os frades andavam fora dos conventos, quebrando o voto de obediência; os religiosos adquiriam bens por meios não autorizados pela Igreja e para fins particulares, quebrando o voto de pobreza; além de quebrar o voto de castidade, pois havia casos em que os religiosos se envolviam com mulheres e tinham filhos ilegítimos, algumas vezes, assumindo- os publicamente.

Nesse contexto, em 1432, a exigência da condição de mendicância dos carmelitas foi amenizada, isto é, modificada pelo Papa Eugênio IV20, que autorizou a Ordem do Carmo a

ser detentora de bens de raiz21. Essa mudança foi ampliada por Pio II22 em 1459 e por Xisto

IV23 em 1476. No geral, houve uma redução da abstinência de comida e a permissão para

permanecer fora das igrejas com a autorização dos superiores, mas, principalmente, houve a possibilidade de os carmelitas negociarem bens materiais (terras, escravos, casas, entre outros) mediante, por exemplo, troca e venda. Essas decisões não são encontradas, diretamente, na Regra Albertina, mas sim nas Constituições dos carmelitas, que são uma ampliação da Regra com a incorporação de outras normas24.

19 O Papa que exerceu seu cargo fora de Roma era considerado pela Igreja como intruso, sendo denominado de

“Antipapa”, isto é, aquele que reclama o título de Papa em lugar daquele que está, oficialmente, exercendo o cargo. Muitas vezes, o “Antipapa” foi apoiado por diversos religiosos influentes da própria Igreja ou da elite local, como no caso do Papa de Avinhão que foi apoiado pelo Rei da França.

20 207º Papa - período de seu pontificado de 1431 a 1447.

21 Detentora de bens de raiz: ordem religiosa que foi autorizada pela Igreja a adquirir bens como propriedades,

além de ter propriedades para seu sustento, bem como obter renda através de esmolas. Entretanto, nessas ordens religiosas, a condição do voto de pobreza permanece porque os religiosos devem ceder todos os bens adquiridos para a Religião, ou seja, para a ordem religiosa, consequentemente, para a Igreja. Vale salientar que essas aquisições de bens pelas ordens religiosas eram permitidas pela Igreja muito mais mediante doação ou troca do que pela compra, uma vez que, atestando ter dinheiro, os religiosos quebravam o voto de pobreza.

22 210º Papa - período de seu pontificado de 1458 a 1464. 23 212º Papa - período de seu pontificado de 1471 a 1484.

24 Em relação às Constituições do Carmo da Antiga Observância Regular, pelo que se sabe, publicaram-se por

volta de onze versões até o momento. Todas as Constituições foram decididas em reuniões de Capítulos-Gerais, aprovadas e organizadas por Priores-Gerais da Ordem com a permissão dos Papas da época e, até mesmo, com as recomendações de Decretos e Bulas desses Papas anexados aos textos das Constituições. Segundo Esteve & Guarch (1950, p. 23), os nomes dos Priores Gerais e as datas de organização das Constituições carmelitanas são: a) João de Alerio, 1324; b) Pedro Raymundo de Grassa, 1357; c) João Ballester, 1369; d) Beato João Soreth, 1466; e) Nicolau Audet, 1524; f) João Batista Caffardo, 1586; g) Gregório Canalis, 1626; h) Pio M. Mayer, 1904. De acordo com Velasco Bayón (2001, p. 28), os carmelitas tiveram duas Constituições iniciais no século XIII: “além da Regra, as Constituições de 1281 e 1294, que dependem em grande parte das dos dominicanos”. Também houve uma última versão das Constituições dos carmelitas em 1930 pelo Prior-Geral Elias Magennis, que é seguida, até os dias atuais, pelos carmelitas calçados. Para este trabalho, utilizamos as Constituições do século XVII,

Em 1476, o Papa Xisto IV concedeu aos carmelitas a faculdade de ter uma Ordem Terceira, isto é, uma irmandade de leigos25, onde entraria qualquer pessoa devota, dos dois

sexos, viúvas ou virgens, que quisessem usar o hábito da Ordem do Carmo e seguir o voto de castidade.Mesmo que ambos os sexos pudessem entrar para a Ordem Terceira, nos séculos XV e XVI, a maioria de leigos terceiros era de mulheres virgens ou viúvas, as quais viviam em beatérios26.

O título de Ordem Terceira era de destaque para a época, uma vez que, na hierarquia das irmandades laicas, as Ordens Terceiras, juntamente com as Santas Casas de Misericórdia, as mais importantes, e a patente de Ordem Terceira só era concedida a ordens mendicantes. No final do século XVI, outras ordens religiosas, como, por exemplo, a dos franciscanos, que tinham a permissão de formar uma Ordem Terceira, constestaram o funcionamento daquela instituição laica no Carmo, reclamando ao Papa que os carmelitas não eram mais mendicantes legítimos e, por isso, não mereciam que a irmandade de leigos deles funcionasse com aquele título. Diante da polêmica, o Papa Clemente VIII27 legitimou e concedeu em 1604 a autorização

do funcionamento pleno da Ordem Terceira do Carmo. E essas mudanças foram, posteriormente, confirmadas por Urbano VIII.

Em relação à crise da Igreja, no início da Idade Moderna, ela estava desgastada como instituição, interna e externamente, e os rumores eram de mudanças e contestação do sistema dela. No século XVI, o maior desses movimentos de mudança, que surgiu dentro da Igreja e depois se expandiu fora dela, foi a chamada Reforma Protestante. Esta, por sua vez, provocou mudanças internas na Igreja Católica, através do movimento de Contrarreforma com a produção e aplicação das Leis Tridentinas, que foram formuladas e aprovadas durante o Concílio de Trento, que ocorreu entre 1545-1563, cujo principal objetivo foi criar estratégias que controlassem o avanço da Reforma Protestante. As Leis Tridentinas foram aplicadas por muitos anos, do século XVI até o início do século XX. Esse movimento da Igreja estimulou nos religiosos, entre várias ações, uma observância maior nos votos de castidade, obediência e

produzidas em Capítulo-Geral em Roma, no Convento-Sede-Geral de Santa Maria em Traspontina, em 1625, organizadas pelo Frei Gregório Canalis e publicadas em 12 de julho de 1626. Essas Constituições foram as que vigoraram por mais tempo na Ordem do Carmo, de 1626 a 1903, por isso a sua importância, já que estavam em circulação durante todo o período colonial no Brasil. Então, deduzimos que os carmelitas calçados que atuaram nessa região seguiram aquelas normas.

25 Desde esse período, era comum que as ordens religiosas mendicantes contassem, nos interiores de suas igrejas,

com irmandades ou confrarias de pessoas comuns ou seculares, que se congregavam em favor de uma devoção e de ajuda mútua espiritual e social.

26 Recolhimento de beatas, comandado por uma madre superiora. 27 231º Papa - período de seu pontificado de 1592 a 1605.

pobreza, além da vontade de diminuir o avanço dos protestantes, ou de outros indivíduos considerados hereges pela Igreja, através de missões na Europa e em outros continentes, como nas Américas.

Nesse cenário, houve uma mudança de organização política na Europa, ocasionando a junção entre Governo Absolutista e Igreja Católica. Com isso, a partir do século XVI, o sistema de Padroado Régio funcionou em alguns países, cujos governantes (reis) tinham autorização da Igreja para controlar, de forma deliberativa, o sistema de interesses comuns em âmbito político, econômico e religioso no reino e nas colônias. Isso ocorreu, principalmente, nos reinos católicos, por exemplo, em Espanha e Portugal, ocasionando uma sólida aliança da Coroa com o poder de Roma, assim, houve uma submissão da autoridade papal ao rei. Também, tal aliança proporcionou uma intromissão dos governos cristãos na vida monástica, ou seja, as ordens religiosas passaram a seguir recomendações dos governantes de cada reino.

Dentro da Ordem do Carmo, os escândalos da Igreja Católica refletiram-se nas tentativas de reformas constitucionais carmelitanas que ocorreram em vários locais da Europa, como na França, na Espanha e na Itália, a partir do final do século XV e no início do século XVI. Essas reformas se focaram na chamada estrita observância, isto é, na volta ao modo de vida mais contemplativo, disciplinado e simples dos primeiros eremitas do Monte Carmelo. Além disso, tais reformas absorveram as Leis Tridentinas ao longo do século XVI.

Em meio a essas reformas, surgiu uma iniciativa que se destacou dentro da Ordem do Carmo, chamada de Reforma Teresiana, que, a princípio, destinava-se a organizar o ramo feminino da Ordem, uma vez que não eram, oficialmente, freiras regulares, mas sim beatas. Sendo assim, Teresa D’Ávila (1515-1582) concretizou a ideia de reforma do Carmo na Espanha28. Em boa parte do território espanhol, Teresa conseguiu fundar não somente

conventos femininos, mas conventos masculinos reformados com a ajuda do frei carmelita João da Cruz29. A religiosa obteve ajuda de diversas pessoas da elite espanhola, pois, além da família

abastada dela, Teresa teve o incentivo de párocos e de frades de várias ordens religiosas (dos jesuítas principalmente), dos nobres da sociedade espanhola, assim como tinha o apoio do Rei Felipe II30. A Reforma Teresiana seguiu, severamente, as recomendações da Contrarreforma da

Igreja.

28 Teresa de Cepeda e Ahumada ou, popularmente, chamada de Santa Teresa de Jesus. 29 João de Yepes (1542-1591).

30 Felipe II (1527-1598), também conhecido como Felipe I de Portugal a partir da União Ibérica em 1580. Foi um

dos reis mais católicos e influentes da época, que manteve muitos territórios cristãos através da política absolutista e das ideias Contrarreformistas, com a justificativa de conter a expansão do protestantismo ou de outros grupos contrários à Igreja.

Em 1580, os reformados teresianos conseguiram o breve Pia consideratione do Papa Gregório XIII31, que foi uma concessão papal na qual se permitiu a continuação da

Reforma Teresiana em novos conventos. Somente dez anos após a morte de Teresa D’Ávila, em 1592, houve a separação definitiva daqueles religiosos, e, em 1593, ocorreu uma reunião capitular em Cremona, na Itália, para confirmar, oficialmente, a separação na Ordem e definir normas dos carmelitas, recentemente, reformados que eram chamados de descalços32.

De um lado, ficaram os carmelitas calçados ou da Antiga Observância Regular (simbolizados pelo uso de sapatos), que permaneceram fiéis às antigas Constituições. Do outro lado, surgiram os carmelitas descalços (simbolizados pelo uso de sandálias), seguidores de Santa Teresa D’Ávila, que reformaram e mudaram as Constituições, tornando-as mais restritas e austeras, mas continuaram seguindo a Regra Albertina da Ordem do Carmo33. Dessa forma,

ambas adquiriram as particularidades delas. Um exemplo disso é a restrição mais severa da reclusão conventual dos descalços, já que não deveriam sair dos conventos em nenhuma circunstância, em oposição à permissão de atuação comunitária dos calçados. Ambas as vertentes tiveram ramos masculino (Ordem Primeira) e feminino (Ordem Segunda), mas só os calçados tiveram permissão da Ordem Terceira, isto é, de administrar uma irmandade constituída por leigos masculinos e femininos.

A partir do século XVI, em meio às mudanças na Ordem, os carmelitas calçados expandiram-se por quase toda a Europa Ocidental e pelos continentes em processo de conquista - América, África e Ásia -, em número crescente de religiosos e conventos.

A datar de 1580, os carmelitas calçados enviaram do Convento de Lisboa, Sede da Província do Carmo de Portugal, um grupo de religiosos para atuar como missionários da Coroa Portuguesa no território do Brasil. Nesse local, os calçados fundaram os conventos deles e expandiram-se nas principais povoações, vilas e cidades durante todo o período colonial.

31 226º Papa - período de seu pontificado de 1572 a 1585.

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