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Estrutura da tese

QUADRO 23 TERRAS DOS CARMELITAS EM SERGIPE D’EL REI NO SÉCULO

1.3 A Vigararia e a Província Carmelitana da Bahia e Pernambuco (1685 1800)

1.3.2 A Reforma Turonense e a disputa pelo Convento de Olinda

Após a Reforma Teresiana na Espanha no século XVI, que ocasionou a divisão entre carmelitas descalços e calçados, no início do século XVII, os carmelitas calçados passaram por algumas reformas internas, entre elas, a Reforma Turonense ou Turônica, proveniente da Província de Tourane, na França. Essa reforma tinha uma característica de estrita observância, isto é, com a aplicação de regras mais rígidas para a vida monástica142.

Como a Reforma Turonense teve êxito na França, os Priores Gerais da Ordem do Carmo quiseram expandi-la para outras Províncias do Carmo e decidiram pelo território do Brasil. Em 1677, foi definido que aquela Reforma seria aplicada no convento da Vila de Goiana da Capitania de Itamaracá143. Depois, ampliou-se para mais dois conventos na Diocese de

142 Wermers (1963, p. 221) explicou: “Os seus grandes promotores foram Fr. Filipe Thibault e Fr. João de São

Sansão [...]. A finalidade era: voltar a uma vida, verdadeiramente, comum, segundo o genuíno espírito carmelitano, vida de oração e de contemplação. Mas sem separação do resto da Ordem. Sob a eficaz proteção dos Gerais da Ordem, o movimento difundiu-se, rapidamente, entre o Carmo francês [...]”.

143 Segundo Serra (1916c, p. 27-28): “[...] pelo virtuoso Frei João de S. José, em 1677, pediram e obtiveram do

Vigário Provincial Frei Francisco Vidal a competente licença para adaptarem e estabelecerem no Convento de Goiana a Reforma Carmelitana [...]”. Segundo o mesmo autor, em 1679 e 1680: “Esta Reforma Carmelitana de Goiana, em 1º de julho de 1679, foi, plenamente, autorizada pelo Definitório da Vigararia presidido pelo novo Vigário Provincial Frei Manuel de Assumpção e reunido no Convento da Bahia; no mês de junho de 1680, foi confirmada pelo Capitulo-Geral celebrado em Roma, a 1º do referido mês e ano; em 7 de dezembro do mesmo ano de 1680, foi-lhe concedida a necessária licença para abrir noviciado no próprio Convento de Goiana [...].

Pernambuco: o de Paraíba (em 1684) e o de Recife (em 1686)144. Porém, os carmelitas turônicos

só foram reconhecidos, legalmente, pela Coroa Portuguesa em 1699145.

Em 1685, o Padre-Geral da Ordem do Carmo em Roma solicitou que os carmelitas da Vigararia da Bahia e Pernambuco cedessem o Convento de Olinda para ser noviciado (colégio) da Reforma Turonense, o que não ocorreu, por falta de permissão do Vigário Provincial, residente no Convento de Salvador. O Convento de Olinda, além da proximidade com os três conventos reformados, desde a fundação dele, foi um local de estudos da Ordem do Carmo no Brasil, onde se preparavam os religiosos para a vida monástica (noviciado) e intelectual (aulas de teologia e filosofia). A designação do Geral da Ordem, para que o Convento de Olinda fosse reformado pelos turônicos, foi motivo de muitas discórdias entre os carmelitas do Convento-Sede da Bahia e os turônicos de Pernambuco no final do século XVII e primeira metade do século XVIII.

A partir de 1685, os três conventos reformados (Goiana, Recife e Paraíba) ficaram submetidos à Vigararia da Bahia e Pernambuco. Apesar dessa dependência, os três reformados turônicos se mobilizaram para se separar, definitivamente, da referida Vigararia. Com base em Pereira da Costa (1976, p. 38), visualizamos uma carta dos carmelitas reformados de Pernambuco, declarando o apoio das autoridades locais, talvez como forma de conseguirem os meios necessários, através da Coroa, para que os ajudassem na separação da Vigararia da Bahia e Pernambuco, exigência que não havia sido cumprida pelo Vigário-Geral em Salvador146.

144 Segundo Serra (1916c, p .28): “[...] em 22 de outubro de 1684, o referido comissário [do Convento de Goiana]

foi autorizado pelo Vigário Provincial Frei João Paes para tomar conta do Convento da Paraíba, devendo, nele, introduzir a reforma principiada no Convento de Goiana, pelo que, em 6 de novembro do mesmo ano, tomou posse do dito Convento da Paraíba, e, em 22 de dezembro de 1686, o provincial da Província de Portugal, Frei Francisco da Natividade, ordenou que também o Hospício de Recife de Pernambuco fosse entregue ao pré-indicado comissário, o qual tomando posse deste hospício, conseguiu que a sua reforma possuísse os três conventos ou casas que precisava para ela mesma poder eleger o seu comissário e Priores locais, embora com dependência do Vigário Provincial residente na Bahia [...]”.

145 Pereira da Costa (1976, p. 38): “[...] segundo uma carta do secretário de Estado Roque Monteiro Paim, dirigida

ao seu fundador em Pernambuco, o padre Fr. João de S. José, em 1699, - Sua Majestade consentira e aprovara a referida reforma”.

146 Pereira da Costa (1976, p. 38): “Ainda acerca da Reforma [turônica] Carmelitana, baixou uma Carta Régia em

6 de outubro de 1695, dirigida ao governador de Pernambuco Caetano de Melo de Castro, nestes termos: ‘Mandando representar ao Geral dos religiosos do Carmo. Como seria conveniente que os padres reformados dessa capitania continuassem a observância de seus estatutos, e se conservassem separados da jurisdição do Vigário Provincial da Província do Brasil, mandou para este efeito passar todas as ordens que lhe pareceram necessárias, e me pediu quisesse amparar os ditos padres reformados, recomendando a todos os governadores e bispos do Estado do Brasil, para que lhes dessem toda a ajuda e favor, especialmente, para que alguns dos ditos religiosos, de que tinha notícia, que se achavam fora dos conventos na reforma, se recolham a eles. E porque esta petição do Geral é muito conforme com o desejo que tenho de aumentar a dita reforma vos encomendo, que assim o procureis fazer da vossa parte em tudo o que pertence a vossa jurisdição’”.

Nesse contexto, estava adisputa pelo Convento de Olinda, que entrou no século XVIII, pois, em 20 de março de 1709, houve uma carta dos turônicos de Pernambuco à Coroa:

[..] recorrem agora os Recoletos147 [carmelitas turônicos] a Sua Majestade, para que

se sirva mandar lhe dar a execução aquele 2º decreto do Geral [da Ordem do Carmo], para que se lhes entregue o Convento de Olinda, interpondo para esse efeito a sua Real proteção, ao que se opõem os observantes [carmelitas calçados], e o mesmo Provincial com as razões deduzidas nas petições juntas. [...] Como fossem sendo religiosos que se pudessem ocupar, considerando que os decretos do Padre-Geral Carmelitano foram passados a instância do Reverendo Bispo de Pernambuco e Câmara de Olinda daquele tempo, e que o Rei Dom Pedro [...] patrocinou suas súplicas por ser convenientíssimo ao serviço de Deus e bem dos povos, reformar-se as Religiões, e que o dito Padre- Geral determinou, que aos reformados se fossem entregando os mosteiros da Província do Brasil [...] foi execução dos ditos decretos, em se contratarem os reformados com o Convento da Goiana para noviciado, por não terem sujeitos para mais conventos naquele tempo, o que tendo-os agora, se lhes deve dar o de Olinda [...].148

Em 1720, os conventos reformados turônicos passaram a fazer parte da nova Província do Carmo da Bahia e Pernambuco. Entretanto, a partir da primeira Reunião-Geral da Província realizada em 1722, verificamos que os religiosos reformados não compareceram nem a esse evento e nem a outra Reunião Provincial celebrada no Convento do Carmo de Salvador ao longo da primeira metade do século XVIII149. As decisões tomadas nesse século pela

Província da Bahia e Pernambuco passaram a não mais incluir os três conventos turonenses, isso porque estes se negavam a participar daquelas decisões, assim como não permitiam que os carmelitas do grupo da Bahia e Pernambuco se envolvessem nas decisões internas deles. Na reunião intermediária da Província da Bahia e Pernambuco, que ocorreu no Convento de Salvador em 17 de abril de 1723, foi mencionada a não participação dos frades reformados: “[...] o R. Pe. Fr. Jerônimo da Cruz [...] sub-rogado em lugar do Pe. Definidor da Reforma de Pernambuco que se escusou de vir aos Definitórios [...]”150.

Em 1724, os conventos reformados pediram à Sagrada Congregação151 em Roma

para se desvincularem da Província, agregando o Convento de Olinda à Reforma Turônica, mas ambos os pedidos foram negados152. O único pedido dos carmelitas turônicos atendido ocorreu

em 1725, quando receberam do Geral do Carmo em Roma, Gaspar Pisolanti, a concessão de se

147 Segundo “Diccionario [...]” (1798, Tomo II, p. 297), o verbete “Recoleto” refere-se a: “religioso reformado,

que vive em recoleta [casa religiosa reformada ou reforma de vida] da sua ordem”.

148 AHU-PE, Papéis Avulsos, cx. 23, doc. 2103. 149 “Livro Primeiro de Actas [...]” (1720-1780). 150 “Livro Primeiro de Actas [...]” (1720-1780, p. 36).

151 Sagrada Congregação é um Tribunal Superior de Roma formado por representantes com autoridade máxima na

Igreja.

tornarem uma Vigararia, mas ainda dependente da Província da Bahia e Pernambuco, só que com certa autonomia administrativa153. Em 1729, a discórdia permaneceu, porque encontramos

um requerimento dos carmelitas turônicos de Pernambuco, no qual pediram à Coroa que: “se ordene ao Provincial do Carmo da Observância da Bahia, não interfira no dito Carmo da Reforma, o que tem induzido seus religiosos a largarem os conventos, e impeça seus intentos contra eles na Cúria Romana”154. Em 1732, o Papa Clemente XII155 aprovou a criação da

Vigararia dos reformados de Pernambuco, mas negou a separação definitiva da Província da Bahia e Pernambuco156.

As desavenças permaneceram por muitos anos, até que, em 1748, os reformados turônicos de Pernambuco receberam a permissão do Geral da Ordem e, posteriormente, do Papa e da Coroa para se tornarem uma Província Carmelitana Pernambucana. Como vimos, desde a intenção da criação deles em 1677, os turônicos passaram a viver separados da Vigararia e depois Província da Bahia e Pernambuco. Inclusive, ao longo do século XVIII, os carmelitas calçados desse grupo, no “Livro Primeiro de Actas [...]” (1720-1780), em alguns momentos, chamaram a Província somente de “Carmelitana da Bahia”, suprimindo o nome Pernambuco.

Os turônicos, finalmente, conseguiram se desvincular do grupo da Bahia e Pernambuco, mas não conseguiram o Convento de Olinda. Diante do exposto, queremos deixar claro todas as justificativas pelas quais este trabalho não privilegia os três conventos reformados turônicos. Além do mais, esses religiosos já foram estudados por outros pesquisadores.

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