• Nenhum resultado encontrado

A origem e natureza do vínculo infantil

No documento Vinculação e adopção (páginas 116-119)

de 22 de Agosto, na sequência da enorme visibilidade pública que a adopção tem

I. Teoria da Vinculação

2. A origem e natureza do vínculo infantil

Até 1958, altura em que foram conhecidas as pesquisas de Harlow e os trabalhos de Bowlby, coexistiam várias teorias sobre a origem e natureza do vínculo infantil, sendo a mais importante a Teoria do Impulso Secundário. Esta teoria esteve na base da maioria dos escritos psicanalíticos desde Freud e tem sido um pressuposto comum na Teoria da Aprendizagem. A Teoria do Impulso Secundário postulava que a ligação da criança à mãe seria o resultado de a mãe satisfazer as necessidades fisiológicas do bebé, nomeadamente alimento e conforto, e de o bebé aprender que é a mãe que o satisfaz. São ilustrativos desta teoria os escritos de Dollard e Miller (1950) que consideravam que a experiência da alimentação seria a oportunidade para a criança aprender a gostar de estar com outras pessoas, ou seja, constituiria a base da socialização, ou os de Freud (1926, 1940) que atribuíam o facto de o bebé requerer a presença da mãe, por ele já saber por experiência, que ela satisfaz todas as suas necessidades e ainda porque o amor tinha a sua origem no vínculo à necessidade satisfeita de alimento (Bowlby, 1969/1982).

Esta teoria começou a ser questionada com as investigações de Lorenz (1935) sobre o “imprinting”, que só muito mais tarde, por volta dos anos 60, foram amplamente conhecidas, causando um enorme impacto no pensamento psicológico. O que ele provou foi que o comportamento de vinculação se podia desenvolver nos animais (patos e gansos) sem eles receberem alimento ou qualquer outra recompensa. Aqueles animais, poucas horas após o nascimento, tendem a seguir qualquer objecto

que vejam em movimento, seja ele a ave-mãe, um ser humano ou um objecto inanimado; após ter seguido um objecto, passa a preferi-lo em relação aos outros e após algum tempo não seguirão mais nenhum; ao processo de aprendizagem das características do objecto seguido denomina-se “imprinting”. As investigações de Lorenz foram repetidas e outros estudos foram feitos, nomeadamente com mamíferos não-humanos (porquinhos-da-índia, cães, ovelhas e macacos rhesus (Cairns, 1966; Shipley, 1963; Scott, 1963; Harlow & Zimmermann, 1959). Harlow e Zimmermann (1959), nos seus estudos com macacos rhesus e com modelos de arame e pano, concluíram que o conforto do contacto é a variável mais importante no desenvolvimento da receptividade afectiva à mãe (modelo) e que a alimentação parece ter um papel secundário, sendo estes aspectos reforçados com a idade, o que contradiz a teoria do impulso secundário, segundo a qual se esperaria que o bebé alimentado pela mãe lactente de arame se tornasse mais responsivo a ela. Outros dados curiosos dos estudos etológicos são os que referem o desenvolvimento de um comportamento de vinculação em bebés cujas mães os maltratavam seriamente (Bowlby, 1969/1982).

Estes dados comprovaram que a teoria do impulso secundário não era aplicável, pelo menos, a mamíferos não-humanos. No caso do bebé humano, as observações mostram que os factores que contribuem para o comportamento de vinculação não são muito diferentes do que são nos outros mamíferos. O bebé humano nasce com capacidade para se agarrar, sustentando o seu próprio peso, a que Freud chamou o “instinto de preensão”; sabe-se também que apreciam a companhia humana ou reagem à interacção social; desde os primeiros dias de vida que o bebé se acalma quando é pegado ao colo, quando é acariciado ou quando lhe falam; ao fim de algumas semanas reage balbuciando e sorrindo quando o adulto lhe presta atenção, ou seja, o bebé está preparado para responder aos estímulos sociais e entrar rapidamente em interacção social. Esta sua pré-disposição de responder a estímulos leva a que possa vincular-se a outra criança da sua idade ou um pouco mais velha; vinculações deste tipo são descritas por Schaffer e Emerson (1964) e por Anna Freud e Dann (1951) num estudo com crianças de três e quatro anos de idade que tinham estado num campo de concentração, onde a única companhia persistente tinha sido umas das outras. Schaffer e Emerson (1964) concluíram que a vinculação pode

desenvolver-se mesmo dissociada da satisfação fisiológica, o que seria determinante era a rapidez da resposta ao bebé e a intensidade da interacção em que se envolvia com ele. Estas conclusões foram reforçadas com os estudos dos teóricos da Aprendizagem como Bower (1966) e Stevenson (1956), em que o desempenho das crianças era melhorado apenas com comportamentos de aprovação social.

A tese inicial de Bowlby, enunciada em 1958, teve como reflexão os estudos anteriores e postulava que “…the attachment behaviour which we observe so readily in a baby of 12 months old is made up of a number of component instinctual responses which are at first relatively independent of each other. The instinctual responses mature at different times during the first year of life and develop at different rates; they serve the function of binding the child to mother and contribute to the reciprocal dynamic of binding mother to child. Those which I believe we can identify at present are sucking, clinging, and following, in all of which the baby is the principal active partner, and crying and smiling in which his behaviour serves to activate maternal behaviour”(Bowlby, 1958, p. 350).

Numa perspectiva evolucionista, Bowlby considera que a selecção genética favoreceu os comportamentos de vinculação porque eles aumentavam a probabilidade da proximidade mãe/bebé, o que por sua vez aumentava a probabilidade de protecção e, consequentemente, de sobrevivência. Defende também que para todos os sistemas comportamentais, incluindo o sistema de vinculação, o seu último propósito é sempre a sobrevivência dos genes do indivíduo (Bowlby, 1969/1982). A proximidade aos pais vai permitir à criança, não só receber alimento, mas também a aprendizagem sobre o meio e a interacção social e ainda a protecção do perigo, que assume uma importância crucial quando falamos de sobrevivência. A proximidade à figura materna assume assim uma função biológica e por esta razão Bowlby considerou que as crianças estavam predispostas a procurar a mãe em situações de angústia. No sentido Darwinniano a proximidade da figura materna é vista como um comportamento adaptativo. Assim, neste quadro evolucionista, a vinculação é considerada “ ..a normal and healthy characteristic of humans throughout the lifespan, rather than a sign of immaturity that needs to be outgrown.”(Cassidy, 1999).

No volume I da sua trilogia, Vinculação, Bowlby propõe que o vínculo que liga a criança à mãe é o resultado da actividade de um conjunto de sistemas comportamentais que visam a proximidade com a mãe. O comportamento de vinculação seria assim aquilo que ocorre quando são activados certos sistemas comportamentais. Esses sistemas comportamentais desenvolvem-se no bebé como resultado da sua interacção com o meio e do processo de adaptabilidade evolutiva e, particularmente, da sua interacção com a principal figura desse meio, regra geral, a mãe. A alimentação e o alimento têm apenas um papel secundário no desenvolvimento desses sistemas. Embora, anteriormente, Bowlby (1958) tenha considerado quatro padrões de comportamento – sugar, seguir, chorar e sorrir – como contribuindo para a vinculação, reformulou dizendo que, embora esses quatro padrões sejam de grande importância, eles vão ser incorporados em sistemas mais evoluídos e “corrigidos para a meta”. Entre os 9 e os 18 meses, a proximidade com a mãe converte-se numa meta fixada. É a teoria do controle dos sistemas ou teoria do controle do comportamento de ligação.

No documento Vinculação e adopção (páginas 116-119)