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Sistema comportamental de vinculação em interacção com outros sistemas comportamentais

No documento Vinculação e adopção (páginas 126-131)

de 22 de Agosto, na sequência da enorme visibilidade pública que a adopção tem

II. O comportamento de vinculação

2. Sistema comportamental de vinculação em interacção com outros sistemas comportamentais

O sistema comportamental de vinculação pode ser mais bem compreendido se analisarmos a sua relação com outros sistemas comportamentais. Bowlby considerou dois deles como especialmente importantes: o sistema comportamental de exploração e o sistema comportamental do medo. A activação destes dois sistemas está intimamente relacionada com a activação do sistema de vinculação. Assim, a activação do sistema do medo/angústia implica a activação do sistema de vinculação, ao contrário, a activação do sistema exploratório pode, em certas circunstâncias, reduzir a activação do sistema de vinculação.

O sistema exploratório, segundo Bowlby, traz consideráveis vantagens à criança relativamente à sua sobrevivência, pois permite-lhe aprender mais sobre o ambiente que a rodeia. Ainsworth (1972) refere relativamente à interacção dos dois sistemas, de vinculação e exploratório, que “the dynamic equilibrium between these two behavioural systems is even more significant for development (and survival) than either in isolation” (p.118). Tendo por base as suas observações naturalistas em bebés no primeiro ano de vida, Ainsworth refere que a maioria faz um equilíbrio entre estes dois sistemas, de modo a responderem com flexibilidade, após uma avaliação do ambiente e da acessibilidade do prestador de cuidados e do seu comportamento mais provável. Quando a criança percebe o seu ambiente como perigoso, é pouco provável que o sistema exploratório seja activado; por outro lado, quando o sistema de vinculação é activado, por separação da figura de vinculação, fadiga ou doença, por exemplo, a activação do sistema exploratório também diminui.

A concepção que melhor descreve a ligação entre os sistemas comportamentais de vinculação e exploratório é a formulação de Ainsworth sobre o uso que o bebé faz da figura de vinculação, “a secure base from which to explore” (1963), central para a teoria da vinculação.

Também se pensa que o sistema comportamental do medo está intimamente relacionado com o sistema comportamental de vinculação. Para Bowlby (1973), a

função biológica do sistema do medo é, tal como a função da vinculação, a protecção. O medo de certos estímulos é um comportamento biologicamente adaptado; sem ele, a sobrevivência e a reprodução seriam reduzidas (Cassidy, 1999). Bowlby (1973) descreveu alguns estímulos que, muito embora, não sejam perigosos por si só, podem aumentar a probabilidade do perigo, como sejam o escuro, barulhos fortes e a solidão. A presença ou a ausência da figura de vinculação tem um papel importante na activação do sistema do medo, sendo que uma figura de vinculação acessível e disponível torna a criança menos susceptível ao medo. De facto, apenas a fotografia da figura de vinculação pode acalmar uma criança com medo, ou mesmo um objecto (cobertor) ao qual se encontre ligada.

Para compreender melhor o sistema comportamental de vinculação também o devemos distinguir do sistema de socialização ou afiliativo18. Harlow et Harlow (1965) descrevem o “peer affectional system” como o sistema através do qual as crianças estabelecem relações afectivas entre elas, distintas das que estabelecem com os pais. Bronson (1972) refere-se ao sistema afiliativo como um sistema adaptativo presente na infância e separado do sistema de vinculação. O sistema de socialização parece, tal como os sistemas já anteriormente descritos, contribuir para a sobrevivência individual e para a reprodução. A etologia mostra que os primatas biologicamente predispostos a serem sociáveis com os outros aumentam a sua capacidade para arranjar comida, construir abrigos e criar calor; aprendem mais sobre o ambiente e ganham acesso a um grupo com o qual podem acasalar (Huntingford, 1984). De acordo com Ainsworth (1989), é “reasonable to believe that there is some basic behavioural system that has evolved in social species that leads individuals to seek to maintain proximity to conspecifics, even to those to whom they are not attached or otherwise bonded, and despite the fact that wariness is likely to be evoked by those who are unfamiliar” (p.713)

18

O termo “Affiliation” ou sistema comportamental afiliativo ou sistema comportamental de socialização, como vamos passar a designar neste trabalho, foi introduzido por Murray, em 1938, que o descreve como: “Under this heading are classed all manifestations of friendliness and goodwill, of the desire to do things in company with others”. Bowlby considera-o um conceito muito mais lato que o de vinculação e que não abrange o comportamento que é dirigido apenas para uma ou para um número reduzido de figuras particulares, característica essencial do sistema de vinculação (Bowlby,

O sistema de socialização é mais provável estar activado quando o sistema de vinculação não está. Segundo Bowlby, “A child seeks his attachment-figure when he is tired, hungry, ill, or alarmed and also when he is uncertain of that figure’s whereabouts; when the attachment-figure is found he wants to remain in proximity to him or her and may want also to be held or cuddled. By contrast, a child seeks a play-mate when he is in good spirits and confident of the whereabouts of his attachment-figure; when the play-mate is found, moreover, the child wants to engage in playful interaction with him or her. If this analysis is right, the roles of attachment- figure and play-mate are distinct” (1969/1982, p.307).

Alguns autores (Lewis, Young, Brooks & Michalson, 1975) concluiram da observação da interacção mãe-criança, que “mothers are good for protection, peers for watching and playing with” (p.56).

O sistema de cuidados parentais surge intimamente relacionado com o sistema de vinculação e, segundo Bowlby (1956), para obter uma melhor compreensão da vinculação é fundamental estudarmos o laço que une a mãe à criança. Numa perspectiva biológica, Bowlby (1984) considera que o comportamento parental está, tal como o sistema de vinculação, de certa forma pré-programado.

Dada a importância do sistema de cuidados parentais no tema geral deste trabalho, iremos desenvolvê-lo, detalhadamente, num outro capítulo.

III. A(s) figura(s) de vinculação

Bowlby (1969/1982), na sua teoria da vinculação, assumiu ser a mãe a primeira figura de vinculação do bebé.

Nas sociedades ocidentais é de facto assim, é a mãe biológica que é a principal figura de vinculação para a criança, sendo ela a responsável pelos cuidados dispensados à criança ou pela delegação desses mesmos cuidados. Contudo, quase desde o início da vida, a maioria das crianças tem mais de uma figura para a qual dirigem o comportamento de vinculação, embora eleja uma como sua principal figura de vinculação; as outras figuras a quem ela se ligará dependem em grande medida de quem cuida dela e da composição da família com quem vivem. Assim, pode ser o pai, os irmãos mais velhos ou avós, ou ainda a ama, educadores ou professores. Contudo, essas outras figuras não são tratadas de forma idêntica.

Durante o segundo ano de vida, a maioria das crianças dirige o seu comportamento de vinculação para mais de uma figura discriminada. Shaffer e Emerson (1964), no seu estudo com bebés escoceses, verificaram que cerca de 29% dos bebés tinham comportamentos de vinculação dirigidos a mais de uma figura, desde a altura em que começaram a manifestá-lo em relação a alguém; quatro meses mais tarde, 50% dos bebés tinham mais de uma figura de vinculação e alguns deles chegavam a ter cinco ou mais figuras a quem manifestavam comportamentos de vinculação; com 18 meses de idade só 13% dos bebés da amostra tinham apenas uma figura de vinculação. Ainsworth (1967) no seu estudo com as crianças Gandas, verificou igualmente que todas as crianças aos 9, 10 meses de idade tinham múltiplas

embora a regra fosse a existência de várias figuras de vinculação por volta dos 12 meses, essas figuras não eram todas tratadas da mesma forma. Shaffer e Emerson (1964) estabeleceram uma escala que permitia classificar hierarquicamente as figuras de vinculação, medindo a intensidade do protesto quando cada uma dessas figuras deixava a criança e Ainsworth verificou que o comportamento de seguir, até cerca dos 9 meses de idade, se limitava a uma só figura de vinculação e que era a essa figura que a criança recorria em situações de stress, sendo as outras figuras procuradas quando a criança estava bem disposta e desejava, por exemplo, brincar. Para Bowlby (1969/1982), o que estes dados mostram é que diferentes figuras podem suscitar diferentes padrões de comportamento social e nem todas essas figuras poderão ser chamadas de figuras de vinculação, nem todo o comportamento como de vinculação.

Bowlby distinguiu assim a figura de vinculação do companheiro de jogo ou brincadeira, que, embora com papéis distintos, não são incompatíveis, podendo mesmo estar concentrados na mesma pessoa. A mãe pode assim actuar como companheira de jogo e ser a principal figura de vinculação e uma outra pessoa, adulto ou mesmo uma criança mais velha, que actua sobretudo como companheira de jogo, pode funcionar, em determinadas situações, como figura subsidiária de vinculação. Assim, uma criança procura a sua figura de vinculação quando está doente, amedrontada, cansada ou quando está insegura quanto ao seu paradeiro, querendo manter-se na sua proximidade quando a encontra e até mesmo ser abraçada ou pegada ao colo; ao passo que, quando a criança está confiante e bem-disposta e sabe que a sua figura de vinculação está ao seu alcance se precisar dela, procura um companheiro de jogo ou se o encontra, envolve-se numa interacção lúdica com ele (Bowlby1969/1982).

Poder-se-ia pensar que, quando uma criança tem mais de uma figura de vinculação, a sua ligação com a figura de vinculação principal seria fraca; contudo, de acordo com Bowlby (1969/1982) o que se observou, quer nos estudos de Shaffer e Emerson, quer nos de Ainsworth, é que as crianças com uma vinculação mais forte a uma figura são as que tendem a dirigir o seu comportamento social para outras figuras discriminadas, ou seja, quanto mais insegura for a criança mais inibida será a desenvolver ligações com outras figuras, o que o leva a concluir que existe uma

tendência acentuada para o comportamento de vinculação ser dirigido especialmente a uma pessoa, o que Bowlby designou por monotropia.

A quem a criança se liga como figura de vinculação principal e a quantas outras figuras mais se liga afectivamente dependem sobretudo de quem lhe presta cuidados e da composição da família onde vive.

No documento Vinculação e adopção (páginas 126-131)