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O desenvolvimento do comportamento parental

No documento Vinculação e adopção (páginas 195-200)

CUIDADOS PARENTAIS

III. O desenvolvimento do comportamento parental

Na definição do comportamento de cuidados parentais há diferentes perspectivas que têm em conta diversas influências, desde a teoria ecológica do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner até à teoria sistémica, que conduzem a diferentes modelos. Destes modelos destacamos o modelo de Belsky (1984) que fala dos determinantes do comportamento parental, o modelo compreensivo de Pryce (1995) sobre as influências do comportamento parental e o modelo de George e Solomon (1989, 1996, 1999).

Belsky (1999) considera factores psicológicos e contextuais como determinantes do comportamento parental, nomeadamente a personalidade da mãe e o suporte social, exercendo impacto na interacção pais/criança. De facto a investigação (estudos realizados com amostras clínicas e não clínicas revistos por Belsky, 1999) mostra que o bem-estar e o equilíbrio psicológico dos pais afectam a qualidade dos cuidados prestados por estes aos filhos e, consequentemente a segurança da vinculação; outros factores relevantes são, citando Belsky “…a family and a specific infant-parent relationship were «at risk» due to lower levels of parental psychological adjustment, poorer marital quality, more negative and less positive infant temperament, less social suport, more work-family stress, and lower socioeconomic status, the more likely it was that the infant-mother or infant-father relationship would be insecure.” (1999, p.260)

Pryce (1995) sublinha a importância da interacção de diversos factores desenvolvimentais, tais como o genótipo, o desenvolvimento neurobiológico da mãe,

tais como as alterações hormonais, o ambiente relativo aos cuidados parentais, como o stress e o suporte social, as características da criança e a motivação da mãe para prestar cuidados ao seu filho.

George e Solomon (1999) perspectivam os cuidados maternos como um sistema comportamental separado do sistema de vinculação e consideram como factores relevantes: as influências da infância, da adolescência, da transição para a parentalidade, o próprio bebé e os factores sociais e contextuais. Foi esta abordagem que optámos por descrever detalhadamente.

ƒ Infância

O sistema comportamental de cuidados maternos aparece inicialmente de forma imatura, isolada e não funcional na forma de prestar cuidados e afecto. São exemplo disso o brincar “às mães e aos pais” muito comum, especialmente entre as meninas. É também frequente, durante a infância e a adolescência, as crianças expressarem o desejo de cuidar e o comportamento associado a esse desejo, quando estão perto de bebés, animais ou quando brincam com as bonecas. Contudo, este comportamento é ainda fragmentado e as sequências comportamentais incompletas, sendo a sua atenção facilmente desviada para outras brincadeiras ou jogos. Sroufe e Fleeson (1986) e Bretherthon (1985) sugeriram que a criança desenvolve uma representação mental de prestação de cuidados através da sua experiência com a mãe (in George & Solomon, 1999). Embora não haja investigações sobre o comportamento de cuidados maternos na fase dos 5 aos 11 anos, os autores defendem que, nas condições habituais em que as crianças não assumem a principal responsabilidade no fornecimento de cuidados e protecção aos irmãos ou aos pais, o sistema irá desenvolver-se de forma gradual.

ƒ Adolescência

De acordo com Solomon e George (1999), o sistema comportamental de cuidados maternos começa a transformar-se na adolescência, no sentido da maturidade, de resto como, de acordo com a perspectiva da psicologia do desenvolvimento, outros comportamentos ou características se tornam mais adultas. A transformação na adolescência do sistema comportamental de cuidados parentais

está parcialmente relacionada com as mudanças biológicas associadas à puberdade. Nas raparigas dão-se alterações no hipotálamo, hipófise21 e ovários que resultam na menarca, associadas a grandes mudanças ao nível das características sexuais primárias e secundárias, como a ovulação e a produção da hormona adrenocorticotrópica22. Estas alterações conduzem à maturidade do sistema de cuidados parentais.

Para além das influências hormonais, a adolescência é também influenciada pela experiência e pela cultura e costumes, que se vão, muitas vezes, sobrepor à predisposição biológica da rapariga para ter um bebé.

Nos últimos anos da adolescência (17-19 anos), muitas raparigas pensam as questões da maternidade: como será ser responsável por um filho, serão ou não boas mães, como é que se começa a gostar de um bebé.

ƒ Transição para a parentalidade

O sistema de cuidados maternos terá, provavelmente o seu maior desenvolvimento nesta fase, ou seja, durante a gravidez, aquando do nascimento do filho e nos meses após o nascimento, resultante dos factores biológicos, psicológicos e sociais.

É um período onde há alterações hormonais e neurológicas especialmente influenciadas pelo hipotálamo e pelo sistema límbico (Price, 1995, in George & Solomon, 1999). A experiência do nascimento do filho é também, em si mesma, um

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A hipófise, ou glândula pituitária, tem forma de pêra e está situada numa estrutura óssea denominada sela-turca, localizada debaixo do cérebro. A hipófise controla, em grande parte, o funcionamento das outras glândulas endócrinas e é, por sua vez, controlada pelo hipotálamo, uma região do cérebro que se encontra por cima da hipófise. A hipófise consta de dois lobos, o anterior (adeno-hipófise) e o posterior (neuro-hipófise). O hipotálamo exerce o controlo das actividades do lobo anterior mediante a emissão de substâncias semelhantes às hormonas que são lançadas nos vasos sanguíneos que ligam directamente as duas zonas. Por sua vez, controla o lobo posterior mediante impulsos nervosos. O lobo anterior produz (segrega) hormonas que, em última instância, regulam o funcionamento da glândula tiróide, das glândulas supra-renais, dos órgãos reprodutores (ovários e testículos), a produção do leite (lactação) nas mamas e o crescimento corporal. Também produz as hormonas que causam a pigmentação escura da pele e que inibem a sensação de dor. O lobo posterior segrega as hormonas que regulam o equilíbrio da água, estimulam a descida do leite para as mamas de mulheres com crianças lactentes e estimulam as contracções do útero.

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A adrenocorticotropina (a hormona adrenocorticotrópica ou ACTH) é uma das hormonas segregadas pelo lobo anterior cuja função é estimular as glândulas supra-renais a segregar cortisol, uma hormona fisiológica semelhante à cortisona, e vários esteróides androgénicos, semelhantes à

factor de influência para o sistema de prestação de cuidados; o contacto físico com o bebé, logo após o nascimento, parece aumentar os comportamentos de tocar, beijar, acariciar e falar. “ The experiences that a mother brings to her baby’s birth, her representation of herself as a caregiver, her interpretation of the birth experience, and her experience of the birth itself may be synergistic factors that together could influence (positively or negatively) the caregiving system for at least a subset of mothers (George & Solomon, 1999, p.659).

ƒ O Bebé

O bebé tem, em si mesmo, um enorme poder de solicitar comportamento de cuidados pelos adultos. As características físicas, as suas expressões emocionais e o seu comportamento são extremamente atractivos para qualquer prestador de cuidados (Lorenz, 1943; Sameroff, 1993; Suomi, 1995; citados por George & Solomon, 1999). Alguns estudos (Langlois, Ritter, Casey & Sawin, 1995) mostram que bebés percepcionados pelas mães como menos atractivos recebiam menos atenção e ainda que bebés com malformações são por vezes rejeitados.

O bebé nasce com um equipamento comportamental capaz de solicitar os cuidados parentais. Ao nascer, ou logo após o nascimento, todo o sistema sensorial do bebé está em funcionamento; em poucos dias ele é capaz de distinguir cheiros e vozes de diferentes pessoas; girando a cabeça e sugando com mais força, ele mostra que prefere o cheiro e a voz da mãe (DeCasper & Fifer, 1980); visualmente é menos eficaz, mas cedo é capaz de fixar uma luz e segui-la, e com quatro semanas, prefere olhar um rosto humano a um objecto (DeWolff, 1963) e, às catorze semanas, prefere o rosto da mãe aos outros rostos humanos. O sorriso é um comportamento extremamente cativante para a mãe e exerce uma forte influência no seu comportamento, tal como o balbuceio, ocorrendo ambos quando o bebé está desperto e satisfeito e tendo como resultado previsível a interacção social (Bowlby, 1969/1982).

A influência do bebé no sistema comportamental de cuidados parentais parece ser bidireccional; no entanto, George e Solomon (1999) pensam que as representações da vinculação das mães têm uma influência muito maior. A sua percepção do bebé e a sua relação afectiva parecem ser um factor mais importante do

que qualquer qualidade do bebé e a sua percepção do bebé é influenciada pelo seu sistema de cuidados parentais.

ƒ Factores sociais

Factores como a rede de suporte social, o grau de satisfação no casamento ou as condições sócio-económicas das mães podem dar suporte ou competir com o seu objectivo de proporcionar cuidados, estando assim relacionados com a qualidade da relação mãe/filho (George & Solomon, 1999). Um dos factores postos em evidência por estes autores foi as características da relação de casal, nomeadamente o conflito e os níveis de comunicação. Num estudo com bebés, filhos de pais divorciados, com conflitos parentais e um baixo nível de comunicação, verificou-se existir uma correlação com o padrão de vinculação inseguro das crianças à mãe, especialmente com o padrão D (desorganizado). Muitas vezes o conflito resulta da incapacidade ou falta de vontade do pai em participar na prestação de cuidados ao bebé e, nos casos mais graves, os pais impediam as mães de providenciarem cuidados e protecção ao bebé (George & Solomon, 1999). Os estudos de Cowan (1996) sobre o sistema familiar também evidenciam que a representação de vinculação de ambos os pais e a qualidade da relação marital estão correlacionadas com o ajustamento escolar da criança.

Algumas investigações (Cohn, Silver, Cowan & Pearson, 1992; Cowan et al., 1996) mostram que um marido seguro proporciona uma base segura para a mãe, sendo que “..the secure partner participates in a caregiving partnership by not placing other conflicting demands on the mother or drawing her attention away from the child, by allowing her to take care of other competing needs, and by participating to some degree in caring directly for the child. Finally, it is also likely that the secure partner is the mother’s «haven of safety»- that is, the one to whom she turns when her own attachment system is aroused” (George & Solomon, 1999, p.661).

No documento Vinculação e adopção (páginas 195-200)