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As crianças adoptáveis

No documento Vinculação e adopção (páginas 55-58)

de 22 de Agosto, na sequência da enorme visibilidade pública que a adopção tem

3. As crianças adoptáveis

As crianças encaminhadas para adopção são crianças cuja família de origem ou deu voluntariamente o seu consentimento para adopção, ou foi manifestamente incapaz de dar resposta adequada às suas necessidades afectivas, educativas, de saúde e de desenvolvimento social.

Podemos dizer que são crianças que foram expostas a “certos padrões típicos da parentalidade patogénica”, os quais incluem:

ƒ Ausência persistente de respostas de um ou de ambos os pais ao comportamento de solicitação de cuidados da criança;

ƒ A depreciação e rejeição marcada;

ƒ Descontinuidades da parentalidade, ocorrendo mais ou menos frequentemente, incluindo períodos em hospital ou instituição;

ƒ Ameaças persistentes por parte dos pais de não amar a criança, usadas como um meio para a controlar;

ƒ Ameaças por parte dos pais de abandonar a família, usadas como um método de disciplinar a criança ou como uma forma de coagir o cônjuge;

ƒ Ameaças por parte de um dos pais de abandonar ou mesmo de matar o outro, ou então de cometer suicídio;

ƒ Indução de culpa à criança, afirmando que o comportamento dela é ou será responsável pela doença ou morte de um dos pais” (Bowlby, 1979).

São crianças cujos pais falharam no fornecimento de um nível de cuidados mínimos. Há geralmente uma história parental de ligações perturbadas, privação emocional, álcool, abuso de drogas, assim como a falta de competências sociais e recursos emocionais necessários para criar relações estáveis. Estes factores interagem habitualmente com factores de ordem social e cultural e levam a sentimentos de frustração, depressão, auto-depreciação e, nalguns casos, agressão, o que conduz a negligência e maus-tratos da criança.

São muitas vezes crianças que tiveram experiências traumáticas graves na sua família de origem e/ou tiveram uma ou mais famílias de acolhimento ou vivem em centros de acolhimento, enquanto se determina o seu projecto de vida, possibilidade ou não de retorno à família biológica ou a adopção.

São crianças oriundas de famílias destruturadas, incapazes de exercer a sua função parental de uma forma adequada, na maioria das vezes de meios sociais desfavorecidos.

São, portanto, crianças de risco ou em risco, ou mesmo em perigo, de tal forma que foi necessário afastá-las desse perigo a que estavam expostas, protegendo- as.

São crianças abandonadas pela família logo quando nascem, ou mais tarde; são crianças que estiveram muito tempo hospitalizadas, ou por terem nascido com doença ou deficiência e terem sido esquecidas pelos pais, ou por a determinada altura do seu desenvolvimento apresentarem um problema grave que conduziu ao internamento hospitalar e que os pais aos poucos deixaram de visitar. Ou são

crianças negligenciadas ou maltratadas que foram retiradas à família por estarem numa situação de perigo.

A maioria destas crianças é fruto de relacionamentos ocasionais, que não foi nem planeada nem desejada pelos pais.

As crianças que são negligenciadas ou maltratadas tendem a apresentar problemas, sequelas orgânicas e psicossociais desse passado, como sejam défices de crescimento físico, deficits cognitivos, atrasos no desenvolvimento e, com frequência, atrasos no desenvolvimento da linguagem e baixo rendimento escolar. São ainda característicos destas crianças uma auto-estima baixa, ansiedade, depressão e alterações do comportamento como dificuldades de relacionamento interpessoal e dificuldades na percepção e aceitação de normas morais e sociais.

As consequências sociais e emocionais da negligência e dos maus-tratos persistem mesmo após a criança ser retirada da situação de risco. A colocação da criança numa instituição por si só não é suficiente para reparar o sofrimento, a institucionalização deve ser uma medida transitória, pois só um contexto familiar protector e afectuoso será favorável à criança. Os estudos (Egeland et al., 1998 in Shaffer, 1999) mostram que estas crianças são extraordinariamente resilientes se tiverem a oportunidade de estabelecer uma relação afectuosa e segura com outras figuras parentais responsivas e sensitivas.

Embora existam muitas crianças institucionalizadas em Portugal (cerca de 15646 segundo o Relatório de Caracterização da Situação das Crianças e Jovens em situação de acolhimento em 2004)6, só um número reduzido de situações é encaminhado para adopção. Este tão elevado número de crianças institucionalizadas revela a persistência de uma filosofia institucionalizadora, oriunda dos anos 50 e que actualmente não configura a solução que melhor defende o superior interesse dessas crianças. Os dados do Relatório acima referido “permitem retirar como conclusão que as medidas de colocação (quer institucional, quer familiar), sendo destinadas à protecção das crianças e jovens, evidenciam a necessidade de um maior

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O relatório teve por objectivo dar cumprimento ao imperativo legal imposto pelo art. 10.º do Capítulo V da Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, que determina a apresentação anual, até ao final do mês de Março, de um relatório sobre a existência e evolução dos projectos de vida das crianças e

acompanhamento por parte de todo o sistema de protecção (incluindo o Estado, nomeadamente as áreas de segurança social, justiça, saúde, educação, bem como a sociedade civil) por forma a desempenharem cabalmente o seu papel de protecção, mas também de construção de projectos de vida adequados à população em causa. Nos termos da Lei de Protecção, tanto as medidas de colocação familiar como as de colocação institucional revestem-se de um carácter provisório, ou seja, assim que uma criança ou jovem integra uma destas respostas, deverá ser iniciado um trabalho de preparação com vista à sua reintegração, preferencialmente na sua família natural. Quando tal não se revelar possível, dever-se-ão trabalhar as outras possibilidades: adopção, apoio junto de outro familiar, apoio para autonomia de vida.” (p.33)

Estas crianças só podem ser adoptadas quando os pais forem considerados incapazes de levar a cabo a tarefa educativa de forma satisfatória para a criança e houver uma determinação judicial nesse sentido (confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção).

Com a adopção é dada a possibilidade à criança de ter uma outra família, uma família alternativa e que, do ponto vista psicológico, sejam verdadeiramente seus pais.

Tecnicamente, implica um procedimento jurídico mas do que estamos verdadeiramente a falar quando falamos em adopção é do estabelecimento de uma nova relação de parentalidade e de filiação, ou seja, estamos a falar de processos de vinculação.

E, nesta perspectiva, podemos dizer que a adopção é um processo eminentemente psicológico.

No documento Vinculação e adopção (páginas 55-58)