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Vinculação, Separação e Perda

No documento Vinculação e adopção (páginas 104-109)

de 22 de Agosto, na sequência da enorme visibilidade pública que a adopção tem

I. Teoria da Vinculação

1. A origem da Teoria

1.3. Vinculação, Separação e Perda

Enquanto Ainsworth passava à escrita as suas observações no Uganda e recolhia mais dados no seu estudo de Baltimore, Bowlby publicou, em 1969, o primeiro livro da sua trilogia sobre a vinculação que se denominou Attachment. Nesta obra, ele desenvolve uma nova teoria da motivação e do controle do comportamento, derivada da etologia e da teoria dos sistemas de controle, pois o modelo da energia psíquica de Freud não o satisfazia. Na primeira parte do livro, Bowlby estabelece os pressupostos da sua teoria, compara-os com os de Freud e recapitula as observações empíricas em que se apoiou. O comportamento de

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O conceito de “Goal Corrected Partnership” ou Parceria Corrigida por Objectivos teve origem nas teorias sistémicas e cognitivas e faz alusão a um sistema de retroacção ou controle, que permite à criança, a partir do 2º semestre de vida, modificar o seu comportamento em função do resultado pretendido, isto é, para além de acomodar o seu comportamento ao da mãe, começa também a tentar influenciar e alterar os objectivos maternos, no sentido de os tornar mais convergentes com os seus.

vinculação é apresentado como uma forma distinta do comportamento instintivo, tão importante para a sobrevivência como a alimentação e a reprodução, desenvolvendo a sua teoria do desenvolvimento do comportamento de vinculação nos primeiros anos de vida. Na segunda parte, aplica as suas ideias ao domínio da vinculação mãe-bebé. Bowlby define o comportamento de vinculação como o comportamento de proximidade a uma figura de vinculação, cuja função evolutiva é a protecção da criança do perigo, insistindo que a vinculação tem uma motivação própria e não deriva de forma nenhuma dos sistemas de sobrevivência e alimentação.

Apesar de os bebés iniciarem a proximidade emitindo sinais, indiscriminadamente, a todos os prestadores de cuidados, esses comportamentos vão focalizar-se nas figuras que são responsivas ao choro dele e que o envolvem em interacção social. Uma vez vinculada, a criança locomotora é capaz de usar a figura de vinculação como uma base segura, para exploração do meio e como um porto seguro, ao qual regressa para se tranquilizar (Ainsworth, 1967; Schaffer & Emerson, 1964; in Bretherton, 1992). A eficácia do papel da figura de vinculação vai depender da qualidade da interacção social, especialmente da sensitividade materna aos sinais da criança, apesar de os factores da própria criança também terem um papel importante.

Bowlby (1969), ao analisar os dados de Ainsworth sobre o estudo do Uganda e os primeiros dados do estudo de Baltimore, referiu: “when interaction between a couple runs smoothly, each party is likely on occasion to exhibit intense anxiety or unhappiness, especially when the other is rejecting(…). Proximity and affectionate interchange are appraised and felt as pleasurable by both, whereas distance and expressions of rejection are appraised as disagreeable or painful by both.” (p.242)

Bowlby, referindo-se à criança em idade pré-escolar, disse ainda que o sistema comportamental de vinculação, sempre complementar ao sistema de cuidados parentais, sofre reorganizações à medida que a criança alcança um conhecimento dos motivos e planos da figura de vinculação - é a fase “goal-

corrected partnership”

teorias motivacionais, e apresentou um modelo epigenético do desenvolvimento da personalidade, inspirado na teoria do desenvolvimento de Waddington (1957). Bowlby desenvolve, o que em 1959 já tinha escrito num artigo, que na presença do perigo a criança reage fugindo desse perigo e fugindo para uma figura de vinculação, e que estes dois tipos de comportamento ocorrem em conjunto, mas são governados por sistemas de controlo distintos, embora pertençam ambos ao conjunto de sistemas de redução de stress e promoção da segurança, cuja função geral é manter um equilíbrio dinâmico entre o organismo e o meio ambiente.

Nesta obra, Bowlby faz uma revisão das teorias freudianas do medo e da motivação e sobre a sua concepção de mundo interno à luz das teorias cognitivas modernas. Vai desenvolver as suas ideias, propostas em Attachment, de que, dentro do “internal working model”13 que cada indivíduo tem do mundo, os modelos internos do “self” e da figura de vinculação são especialmente importantes. Estes modelos, adquiridos através dos padrões de interacção interpessoal, são complementares. Se a figura de vinculação reconhecer as necessidades da criança de conforto e protecção e, simultaneamente, respeitar as suas necessidades de independência na exploração do meio, a criança irá desenvolver um modelo interno de self como tendo estima e autoconfiança. Ao contrário, se os pais rejeitaram com frequência os sinais da criança de conforto ou exploração, é provável que ela construa um modelo interno do self como indigna ou incompetente. Com a ajuda dos modelos dinâmicos internos (MDI), a criança antecipa o comportamento provável da figura de vinculação e planeia a sua própria resposta. Assim o tipo de modelo que constroem tem importantes consequências (Bowlby, 1973).

Bowlby refere também o papel dos modelos dinâmicos internos na transmissão intergeracional dos padrões de vinculação. Refere que os indivíduos que crescem, sendo estáveis e auto-confiantes, têm geralmente pais que dão suporte, mas também, que permitem e encorajam a autonomia. São pais geralmente com uma comunicação aberta sobre os seus modelos internos de self, do seu filho e dos outros,

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A expressão “internal working model”, que ao longo deste trabalho vamos traduzir por modelos dinâmicos internos (MDI), foi usada por Bowlby, pela primeira vez em 1969 e significa, de uma forma geral, as representações que todos nós construímos sobre o mundo físico e sobre o mundo das relações interpessoais, não se limitando às relações de vinculação; contudo, considerava que “in the working model of the world that anyone buils, a key feature is his notion of who his attachment figures are, where they may be found, and how they may be expected to respond” (1973, p.208).

mas também indicam à criança que estes modelos internos estão abertos a serem revistos. Por esta razão, diz Bowlby, a herança da saúde mental e da doença mental através da micro cultura familiar não é menos importante, podendo até ser mais importante do que a herança genética (Bowlby, 1973).

No terceiro volume, Lost, de 1980, Bowlby usa as teorias do processamento da informação para explicar a estabilidade dos modelos dinâmicos internos, assim como a sua distorção defensiva. Essa estabilidade surge, por um lado, porque os padrões de interacção se tornam menos acessíveis à consciência, assim que se tornam habituais e automáticos, por outro, porque os padrões relacionais duma díade resistem mais à mudança que os padrões individuais, devido às expectativas recíprocas. Dado que padrões antigos de acção e pensamento guiam a atenção selectiva e o processamento da informação nas situações novas, alguma distorção na entrada de informação é normal e inevitável. A adequação dos modelos dinâmicos internos pode ser danificada, mas só quando a exclusão defensiva da informação do conhecimento do sujeito interfere com os novos dados na resposta à mudança desenvolvimental e de ambiente (Bretherton, 1992).

Para explicar os processos defensivos, Bowlby refere as evidências de que a informação, antes de chegar à consciência, passa por vários estádios de processamento; em todos os estádios, parte da informação é retida para posterior processamento e a restante é descartada (como se pôde comprovar em estudos de audição dicótica).

Bowlby propõe que a exclusão defensiva de informação da consciência do indivíduo deriva do mesmo processo da exclusão selectiva14, apesar da motivação para os dois tipos de exclusão ser diferente. Há três situações que podem levar a criança a uma exclusão defensiva: situações que os pais não querem que os filhos saibam, mesmo que as tenham presenciado; situações nas quais as crianças consideram o comportamento dos pais demasiado insuportável para pensar nele; e situações em que as crianças fizeram ou pensaram fazer qualquer coisa da qual se envergonham profundamente. Apesar de a exclusão defensiva proteger o indivíduo

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Estudos de audição dicótica mostraram que os indivíduos a quem se apresenta estímulos diferentes em cada ouvido, através de auscultadores, são capazes de selectivamente ouvir um deles, geralmente

de experimentar uma dor psíquica insuportável, a confusão ou o conflito, vai interferir com a acomodação dos modelos dinâmicos internos à realidade exterior (Bretherton, 1992).

Já na sua obra anterior, Separation, Bowlby, na revisão dos estudos que fez, concluiu que a exclusão defensiva levava a uma clivagem nos modelos internos. Um conjunto de modelos internos acessíveis à consciência, baseados naquilo que é dito à criança, representa os pais como bons e os comportamentos de rejeição dos pais, como causados pela maldade da criança. O outro modelo baseado naquilo que a criança viveu, mas que defensivamente excluiu do conhecimento, representa o lado detestável dos pais.

No último volume da trilogia, Bowlby tentou explicar melhor estes fenómenos repressivos e dissociativos com a ajuda dos estudos de Tulving (1972), em que ele distingue memória episódica e semântica. O conhecimento pode derivar da informação fornecida pelos outros e pela experiência actual. O conflito psíquico surgiria quando as duas fontes de informação são contraditórias. Nestas situações, a exclusão defensiva serve para suportar memórias episódicas da experiência actual. Bowlby refere ser este um processo comum em crianças até aos 3 anos. Bowlby desenvolve também neste volume a questão do controlo simultâneo dos sistemas de comportamento activo. Se nos volumes anteriores a relação entre os sistemas comportamentais era apresentada como uma competição, não comandada a nível superior, neste volume Bowlby apresenta uma estrutura executiva que substitui o conceito freudiano de “ego”. Ele sustenta que o sistema nervoso central está organizado hierarquicamente, dispondo de uma enorme rede de comunicações em ambos os sentidos entre os subsistemas. No topo da hierarquia estaria um ou vários controladores, intimamente relacionados com a memória de longo prazo, cuja função seria de triagem - se a informação entrada fosse considerada relevante poderia ser armazenada na memória de curto prazo para ser seleccionada para futuro processamento. Numa personalidade unificada, Bowlby defende que os sistemas podem aceder a qualquer memória, seja qual for o tipo de armazenamento em que se encontre. Há casos em que não há comunicação entre os vários subsistemas comportamentais, o que leva a que os sistemas comportamentais não sejam activados quando necessário ou os sinais não se tornem conscientes, apesar de os fragmentos

resultantes da exclusão defensiva de informação por vezes se tornarem conscientes (Bretherton, 1992).

Nos últimos anos da sua vida, Bowlby preocupou-se com a aplicação da teoria da vinculação na psicoterapia (Bowlby, 1988). Segundo a teoria da vinculação, o maior objectivo da psicoterapia é o reaparecimento de modelos internos do “self” inadequados na relação com as figuras de vinculação. Um indivíduo com modelos internos de relações de vinculação rígidos ou inadequados impõe estes modelos na interacção com o terapeuta (transferência). A tarefa conjunta da díade, terapeuta- cliente, é compreender as origens desses modelos internos disfuncionais e o terapeuta servir como base de segurança, a partir da qual o indivíduo vai ter de trabalhar e explorar os seus modelos internos.

No documento Vinculação e adopção (páginas 104-109)