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O sistema de cuidados parentais em interacção com outros sistemas comportamentais

No documento Vinculação e adopção (páginas 188-193)

CUIDADOS PARENTAIS

I. Cuidados Parentais e Vinculação

3. O sistema de cuidados parentais em interacção com outros sistemas comportamentais

Para se compreender melhor o conceito de cuidados parentais é importante analisar os outros sistemas comportamentais que podem competir com a função de prestar cuidados a uma criança.

O comportamento parental é condicionado, quer por factores biológicos quer ambientais, como sejam os recursos disponíveis, e ainda por factores de ordem cultural e individual. Assim, os pais, para além do papel de prestadores de cuidados do seu filho, podem ser prestadores de cuidados de outra criança ou amigo (sistema afiliativo), ser parceiro sexual (“sexual system”), ter uma actividade profissional (sistema exploratório) e ainda o papel de filho para os seus próprios pais (sistema de vinculação). Tal como a criança tem de encontrar um equilíbrio dinâmico entre a vinculação e outros sistemas comportamentais (como a exploração e afiliação), também os pais têm de encontrar um equilíbrio entre a sua necessidade de proteger e

tomar conta dos filhos e a necessidade de atingir outros objectivos, o que tem como consequência que a estratégia óptima em termos de cuidados parentais requer flexibilidade relativamente a todos os seus objectivos (Solomon & George, 1999).

De acordo com George e Solomon (1996), a flexibilidade nos cuidados maternos parece ser a estratégia mais adequada e a que está associada à segurança da vinculação da criança. Isto é, um nível mais elevado em termos de cuidados enquanto a criança é mais pequena, seguida de um decréscimo da supervisão directa à medida que a criança cresce. Assim, o comportamento de cuidados parentais mais distante ou demasiado próximo está associado com os padrões de vinculação evitante e ambivalente. George e Solomon retomaram o conceito de Winnicott de mães “suficientemente boas” para considerarem que “mothers of infants classified as avoidant and resistent as well as secure may be considered “good enough”. In contrast (…) the mothers, of infants classified as disorganized may properly be labeled “disabled” as caregivers, because they intermittently or persistently abdicate their protective role” (George & Solomon, 1999, p.654). Os autores acreditam que esta posição é indirectamente validada pelos estudos de Carlson (1997), Fagot & Kavanagh (1990), Lyons-Ruth & Block (1996), Moss, Rousseau, Parent, St-Laurent, & Saintonge, (1998) entre outros, que mostram que o padrão de vinculação desorganizado, em contraste com os padrões organizado seguro, evitante e ambivalente está associado ao risco psicopatológico.

O proporcionar uma base-segura à criança tem sido o aspecto mais enfatizado porque é uma das primeiras tarefas dos pais e aquela que permanece ao longo do desenvolvimento da criança. Mas os pais proporcionam mais do que isso, têm outras tarefas à medida que a criança cresce e se torna mais autónoma e o seu mundo social se expande. Proporcionam estimulação (que pode ou não ser modulada apropriadamente), orientação, limites, suporte para a resolução de problemas, suporte para a criança desenvolver contactos sociais fora do meio familiar, aceitar o crescimento e a independência dos filhos, entre outras (Sroufe, Egeland, Carlson & Collins, 2005). Embora estas tarefas se correlacionem com a segurança da vinculação, são tarefas bastante distintas, nas quais os pais podem ser mais ou menos eficazes. Alguns pais podem ser extremamente sensitivos aos sinais da criança sobre

as suas necessidades, mas podem não ser eficazes, por exemplo na imposição de limites.

Muitos outros factores familiares influenciam o desenvolvimento da criança, como sejam a qualidade da relação do casal, o stress experimentado pelos pais quando o são pela primeira vez e as experiências com os irmãos (Pianta, Egeland & Sroufe, 1990; Pianta, Hyatt & Egeland, 1986; Yates, Dodds, Sroufe & Egeland, 1993).

Sabe-se que pais com uma boa saúde mental e bem-estar providenciam aos seus filhos cuidados parentais de melhor qualidade (Belsky, 1984; Gelfand & Teti, 1990) e os seus filhos estão vinculados de forma mais segura a eles (Belsky & Isabella, 1988; Benn, 1986; Ricks, 1985). Por outro lado, mães deprimidas com estilos parentais mais intrusivos/hostis e não responsivos têm com mais probabilidade filhos com uma vinculação insegura (Gaensbauer, Harmon, Cytryn & Mcknew, 1984; Radke-Yarrow, 1991).

Casais com relações felizes e apoiantes quando os filhos são pequenos apresentam melhores capacidades parentais (Cox, Owen & Lewis, 1989; Crnic, Greenberg, Ragozin, Robinson & Basham, 1983; Goldberg & Easterbrooks, 1984) e, por sua vez, tendem a ter crianças com uma vinculação segura (Goldberg & Easterbrooks, 1984; Howes & Markman, 1989). Casais onde os níveis de suporte são muito baixos têm crianças com um padrão de vinculação desorganizado/desorientado (Spieker, 1988; Spieker & Booth, 1988). Alguns estudos (Isabella, 1994) procuraram estabelecer uma relação entre a qualidade da relação do casal e a vinculação dos filhos e concluíram que elevados níveis de qualidade da relação marital (avaliados antes do nascimento dos filhos) prediziam a satisfação com o papel maternal aos 4 meses de idade do filho; maior sensitividade materna (avaliada através da observação da interacção mãe/bebé aos 9 meses) é, por sua vez, preditora de maior segurança da vinculação da criança aos 12 meses (avaliada com a Situação Estranha).

O suporte social tem também um forte impacto no comportamento parental e na segurança da vinculação da criança. Alguns estudos (Crnic et al., 1983; Zarling, Hirsch & Landry, 1988) mostram que mães com maior apoio da comunidade interagem com o seu filho aos 4 meses de forma mais positiva, enquanto que mães

com menos suporte externo são menos sensitivas e interactivas com os seus filhos aos 6 meses (estudo realizado com crianças prematuras). De facto, os estudos (Crnic, Greenberg & Slough, 1986) com crianças de alto risco indicam que a quantidade de suporte social que as mães recebem correlaciona-se positivamente com a segurança da vinculação dos filhos. Crittenden (1985) considera que esta correlação é mediada pela qualidade dos cuidados diários providenciados pelas mães.

Numa perspectiva evolucionista, alguns autores (Simpson, 1999) afirmam que nem todos os filhos têm o mesmo valor reprodutivo para os pais e que os seres humanos desenvolveram mecanismos psicológicos capazes de comprovar o valor de cada filho, desse ponto de vista. Assim, os filhos que forem considerados como tendo mais valor têm um maior investimento parental, enquanto que os que têm menos valor recebem menos investimento. O nível de investimento parental é veiculado através da qualidade e sensitividade dos cuidados parentais, que por sua vez, afectam directamente a formação dos padrões de vinculação, segura ou insegura.

Belsky, Steinberg e Draper (1991), baseados na teoria evolucionista e em estudos sobre os efeitos da ausência do pai durante a infância e a emergência de comportamentos desviantes na adolescência, desenvolveram um modelo compreensivo do desenvolvimento social, constituído por 5 estádios, afirmando que: (1) o contexto da família de origem, como o stress, a harmonia do casal e os recursos económicos, afectam (2) a experiência de cuidados parentais, nomeadamente a sensitividade e responsividade, que por sua vez influenciam (3) o desenvolvimento psicológico e o comportamento (os padrões de vinculação e a natureza dos MDI), os quais afectam (4) o desenvolvimento somático (quão depressa a maturidade sexual é alcançada) e, por fim, (5) a adopção de estratégias reprodutivas específicas (Simpson, 1999, p.130). O modelo descreve duas trajectórias de desenvolvimento distintas que culminam em duas estratégias reprodutoras opostas, na idade adulta. Assim, uma é uma estratégia de curto prazo, que envolve uma orientação oportunista na relação com o parceiro e na parentalidade, na qual as relações sexuais com múltiplos parceiros ocorre desde cedo, as relações amorosas são curtas e instáveis e o investimento parental é baixo; a outra é uma estratégia de longo prazo, em que as relações sexuais ocorrem mais tarde, com poucos parceiros, as relações amorosas são mais longas e estáveis e o investimento parental é maior. A primeira estratégia é

dirigida a aumentar a descendência em termos de quantidade e a segunda centra-se na qualidade. Estas duas estratégias são fenotipicamente semelhantes às estratégias de reprodução r / k que têm sido utilizadas para classificar as tácticas de diferentes espécies (MacArthur, 1962).

Como suporte ao modelo de Belsky, alguns estudos têm mostrado que níveis elevados de stress na família estão associados a um comportamento parental mais insensitivo, rejeitante, inconsistente e imprevisível, especificamente quando há dificuldades económicas (Burgess & Draper, 1989; McLoyd, 1990), stress no trabalho (Bronfenbrenner & Crouter, 1982), problemas de casal (Belsky, 1981; Emmery, 1988) e problemas psicológicos (McLoyd, 1990). Enquanto que um maior suporte social e mais recursos económicos estão associados a práticas parentais mais calorosas e sensitivas (Lempers, Clark-Lempers & Simons, 1989), talvez porque são mais tolerantes com os filhos (Belsky, 1984). Mas são os estudos na área da vinculação dos adultos que vêm estabelecer esta relação entre o estilo das relações românticas, o comportamento sexual e o comportamento parental. O estudo de Brennan e Shaver (1995) concluiu que os adultos vinculados de forma evitante tendem a ter uma orientação sócio-sexual sem restrições, envolvendo-se em vários relacionamentos sexuais, de curto termo, caracterizados pelo menor comprometimento e proximidade; por outro lado, adultos com uma vinculação segura tendem a ter uma orientação sócio-sexual restrita, caracterizada por relações mais longas, mais próximas e com maior investimento.

No documento Vinculação e adopção (páginas 188-193)