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O processo de avaliação/selecção

No documento Vinculação e adopção (páginas 65-72)

de 22 de Agosto, na sequência da enorme visibilidade pública que a adopção tem

5. As famílias adoptantes

5.2. O processo de avaliação/selecção

A adopção representa a passagem da criança de um meio familiar que lhe é desfavorável para um outro avaliado como capaz de satisfazer as suas necessidades básicas e inerentes ao seu desenvolvimento pessoal e social. Assim sendo, o processo de avaliação/selecção da família adoptante é um momento fundamental no processo de adopção e fulcral como garante do sucesso da nova família assim constituída.

A selecção adequada de famílias adoptivas, de famílias que podem assumir, em todos os aspectos que isso envolve, o criar e educar uma criança, é geradora de alguma polémica e causa algumas dificuldades.

A família adoptiva não se distingue, no essencial, da família biológica, competindo-lhe assegurar relativamente à criança as mesmas funções e exercer os mesmos direitos e deveres que a família biológica. Se nem todos os pais biológicos são efectivamente bons pais, porque é que à partida, todos os candidatos à adopção teriam boas competências parentais?

O Estado e todos nós temos uma responsabilidade acrescida quando se trata de encontrar famílias alternativas para as crianças que não têm família e que já sofreram pelo menos uma rejeição ou foram vítimas de negligência ou maus-tratos pela sua família de origem. É fundamental assegurarmo-nos que tal situação não volte a acontecer.

O método de selecção de que iremos falar (utilizado no Serviço de Adopções do CDSS de Lisboa) adopta uma perspectiva sistémica, quer no que respeita aos critérios, quer no que respeita ao processo de selecção em si mesmo (Salvaterra, 1997, 2005a).

Quando falamos em perspectiva sistémica queremos opô-la à perspectiva tradicional, ao modelo linear que privilegiava o estudo documental (idades, data de casamento, nível escolar, situação sócio profissional) e os dados estáticos (aspectos sócio-educativos, habitacionais e intelectuais).

Esta perspectiva pretende ser dinâmica, onde cada elemento da família é considerado por referência ao todo, ao sistema que compõe a família.

O sistema família é um conjunto de relações, em contínua relação com o exterior e mantendo o seu equilíbrio ao longo de um processo de desenvolvimento, percorrido através de estádios de evolução diversificados (Sampaio, D., 1984). Por outro lado, a família não deve ser considerada isoladamente, na medida em que está em contínua relação com o meio ambiente e deverá ser relacionada com a comunidade que a rodeia. A família é conceptualizada como um sistema aberto, em relação dinâmica com o exterior (Minuchin, S., 1974).

No processo de selecção devem ser observados pelo entrevistador um conjunto de "critérios”(Salvaterra, 1997):

ƒ Motivação do pedido de adopção;

ƒ Características do sistema familiar (abertura e permeabilidade, modos de comunicação, autonomia, independência e liberdade, fronteiras, capacidade de expressão dos sentimentos positivos e negativos);

ƒ Modelos de parentalidade - capacidade educativa;

ƒ Perfil de personalidade de cada elemento da família, auto-imagem; ƒ História da família;

ƒ Posicionamento face à revelação da condição de adoptado à criança.

Estes critérios têm como objectivos centrais o estudo do funcionamento da família, das características de personalidade dos seus membros e o acesso aos seus modelos internos de vinculação.

É fundamental conhecer as razões que levam uma família a candidatar-se à adopção. Como e quando surge o desejo de ter um filho e porquê o recurso à adopção. Sendo uma das razões mais frequentemente apresentadas a infertilidade de um dos elementos do casal, é preciso perceber a forma como este problema é vivido e integrado na família. Quando alguém toma conhecimento da sua infertilidade, isto pode desencadear angústias e levar ao aparecimento de movimentos defensivos. Sendo a infertilidade geralmente o problema de um só dos elementos do casal, pode trazer alterações à dinâmica da relação do casal às quais importa estar atento, pois isto pode também conduzir a desigualdades quanto à motivação de adoptar. Um dos elementos do casal pode estar muito motivado e outro apenas não se opor; outra situação que se verifica algumas vezes é a forma ansiosa como o elemento infértil vive a hipótese de adopção, que no fundo não deseja e que encara apenas como meio de "salvar o casamento".

O pedido de adopção pode ser um meio de negar ou de reportar para mais tarde a solução de certos problemas conjugais, familiares ou pessoais. Ora, entregar uma criança a uma família nestas condições era permitir-lhe o não enfrentar os seus próprios problemas e relegá-los para mais tarde, e, nalguns casos, aclará-los em prejuízo do novo elemento da família, a criança adoptada.

A natureza do pedido, isto é, as preferências apresentadas quanto à idade, sexo e etnia da criança desejada, ajudam-nos também a perceber quais as reais motivações do pedido e a sua qualidade.

Quanto às características do sistema familiar, é importante verificar se se trata de um sistema aberto, ou seja, se estamos perante uma família que aceita a mudança, a livre expressão dos sentimentos, que tem uma boa aceitação da informação vinda do exterior, se é flexível quanto à definição das regras e dos papeis de cada um dos seus elementos, se aceita as diferenças e ainda se permite o reajustamento contínuo do modo de ver, funcionar e ser. Ou se, pelo contrário, se trata de um sistema fechado, de uma família rígida, fechada sobre si mesma, cheia de tabus e avessa à informação que lhe chega do exterior, cujo funcionamento traria de imediato consequências nocivas para uma criança, pois numa família com estas características

as necessidades individuais não são consideradas e a livre expressão dos sentimentos e desejos individuais não é permitida (Salvaterra, 1997, 2005a).

A comunicação é outro dos aspectos fundamentais a ter em conta durante a avaliação com a família, pois é através dela que os seus elementos entram em relação um com o outro. É importante observar como esta comunicação se processa, se por meio de uma comunicação instrumental, isto é, apenas a propósito daquilo que há para fazer, ou se também a outro nível, através de uma comunicação afectiva e/ou de uma comunicação não verbal, sendo possível a expressão dos sentimentos, afectos e desejos. As mensagens são claras e directas ou são veladas? Na família é fácil cada um falar daquilo que quer e como quer, ou a comunicação dá-se apenas em sentido único? Cada um dos elementos pode exprimir-se livremente ou é sempre o mesmo elemento que fala e que tenta liderar a comunicação?

Há uma relação muito estreita entre o sistema familiar e a comunicação: o sistema familiar fechado vai a par de uma comunicação ambígua e de sentido único.

O direito de ser ele próprio é um direito reconhecido a todo o indivíduo; contudo, para que isso aconteça no seio de uma família é necessário que o sistema familiar o permita, que seja possível a cada elemento diferenciar-se no plano das ideias e dos comportamentos. A questão que se coloca e que deve ser observada durante a avaliação é se cada elemento da família consegue existir e afirmar-se individualmente (Salvaterra, 1997).

Por fronteira entende-se um limite imposto por uma pessoa ou por um grupo com o objectivo de proteger a integridade do seu ser e de determinar a sua autonomia pessoal.

Como diz Minuchin (1974), a clarificação das fronteiras é um parâmetro útil e mesmo necessário para a avaliação do funcionamento familiar.

Na perspectiva sistémica considera-se essencial que uma família como um indivíduo estabeleça as suas fronteiras, no interior das quais possa sentir a sua identidade própria e a sua autonomia.

Assim, falamos em fronteiras externas quando queremos designar os limites existentes entre uma família e outra; fronteiras internas, para designar as que existem entre os diferentes subsistemas no interior da família (parental, conjugal, fratria); fronteiras individuais, as que devem existir entre cada um dos elementos de uma família.

Estas fronteiras podem ainda definir-se quanto à sua intensidade em três níveis diferentes:

ƒ A fronteira difusa, aquela que se confunde com as outras quase como se não existisse; é porosa, deixa entrar não importa o quê nem quem; é permeável e favorece a fusão;

ƒ A fronteira rígida, onde a falta de flexibilidade é tal que leva também à falta de contacto, considerando o que vem do exterior como ameaçador;

ƒ A fronteira normal, a que favorece o contacto e é aberta à informação que vem do exterior; respeitando a personalidade de cada indivíduo, permite a diferenciação e a autonomia.

A expressão de sentimentos positivos e negativos tem por efeito facilitar o estabelecimento de relações mais profundas e mais equilibradas entre os diferentes membros da família, melhorar a comunicação e torná-la mais directa e verdadeira.

Esta é também uma condição do respeito dos indivíduos no grupo familiar. É necessário avaliar o tipo de relação que cada um dos candidatos estabeleceu com os seus próprios pais, durante a infância, e como essa relação afectiva evoluiu até à actualidade, de modo a permitir-nos fazer uma previsão quanto à capacidade daquela família vir a exercer a função parental de forma plenamente satisfatória.

A relação parental equilibrada é aquela que é mais favorável como critério de relação parental na avaliação, é a que se baseia na interacção e no diálogo entre os pais e a criança, sem exclusão nem antagonismos, onde a capacidade de escuta e de compreensão torna mais fácil a sua aceitação como educadores (Minuchin, 1974).

A relação parental caracterizada pela permissividade, em que os pais se demitem do seu papel educativo deixando os filhos completamente à vontade, não é uma relação saudável pois são só os desejos das crianças que são satisfeitos.

A relação parental autoritária, em que a criança tende a ser moldada à imagem e semelhança dos pais, em que a autoridade e o poder se fazem sentir para regular todas as questões, cria um ambiente no qual a criança muito facilmente adopta uma atitude negativista e se torna facilmente hostil e agressiva.

O tipo de relação do casal candidato permite-nos fazer uma previsão quanto à possibilidade de estabelecer uma relação parental satisfatória que se pretende capaz de desenvolver nas suas crianças sentimentos de competência face às suas responsabilidades promovendo a autonomização progressiva e a criatividade dos filhos (Salvaterra, 1997).

Apesar de em termos científicos não existir um perfil ideal de pai ou de mãe, é importante tentar caracterizar o perfil de personalidade de cada um dos elementos da família e ainda se possuem um sentimento adequado ao seu valor pessoal e uma imagem positiva de si próprios.

Uma auto-imagem positiva é uma condição indispensável para o bom funcionamento de um indivíduo, é um elemento essencial para a sua capacidade de crescimento e de diferenciação. Sabemos que um indivíduo com uma auto-imagem desvalorizada tem dificuldade em ajudar, no seu processo de crescimento, uma criança que lhe esteja confiada.

«A vida de uma família é um longo reportório de acontecimentos, mortes, nascimentos, sentimentos de ódio e amor, que abrange três ou quatro gerações e vários contextos histórico-sócio-culturais. Do ponto de vista epistemológico é diferente relacionar um determinado problema com a história do indivíduo que o apresenta ou inseri-lo num contexto mais alargado em que esse problema adquire uma dimensão transgeracional e nos vai permitir uma compreensão de "grande angular"» (Sampaio, D. & Gameiro, J., 1985, p.29).

O estudo/compreensão da história familiar reveste-se de particular importância no processo de selecção dos candidatos à adopção. Pretende-se fazer uma análise das relações familiares, não só na família que se nos apresenta (na maior parte dos casos um casal), mas também nas gerações anteriores e ainda uma análise da transmissão da cultura familiar, padrões, estilos, costumes,

Tenta integrar-se o pedido de adopção e entendê-lo à luz do passado e da história familiar.

Este estudo, numa perspectiva transgeracional, torna mais patente o sistema relacional da família ao mesmo tempo que nos elucida sobre os principais acontecimentos biográficos (nascimentos, casamentos, mortes, etc.).

Outro aspecto a ser abordado é o da revelação. É importante esclarecer a criança sobre a sua condição de adoptada e é fundamental a família adoptante ter consciência da necessidade de revelar à criança a sua situação de adoptada.

Esta revelação é um momento fulcral no processo da adopção, podendo até comprometer todo o processo da mesma. Por esta razão é importante verificar logo desde o primeiro momento, qual a posição da família face a isto. Terão todos os elementos a mesma opinião? Terão dúvidas sobre se a revelação será mesmo necessária?

É importante que a adopção não seja um assunto temido e, portanto, proibido. Se surge com espontaneidade, deve falar-se dela: foi afinal a adopção que tornou possível o encontro dos pais com o seu filho.

Os critérios de selecção até aqui apresentados são um conjunto de parâmetros que permitem aos profissionais estarem atentos aos valores mais fundamentais da vida familiar. Pretendem ser uma grelha de leitura que nos permita observar durante as entrevistas de avaliação se uma família possui, numa boa proporção, as características fundamentais que lhe permitam assegurar, aos seus elementos (pai e mãe) e ao elemento a integrar no futuro (filho), um meio vital próprio ao seu crescimento e desenvolvimento. Pretende-se identificar o funcionamento individual, tendo em conta os recursos pessoais e os factores de vulnerabilidade, bem como o

funcionamento/relacionamento do casal, padrões de comunicação e capacidade para responder às exigências da parentalidade (Salvaterra, 2005a).

No documento Vinculação e adopção (páginas 65-72)