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Desenvolvimentos da Teoria da Vinculação

No documento Vinculação e adopção (páginas 109-116)

de 22 de Agosto, na sequência da enorme visibilidade pública que a adopção tem

I. Teoria da Vinculação

1. A origem da Teoria

1.4. Desenvolvimentos da Teoria da Vinculação

No modelo de desenvolvimento da vinculação de Bowlby/Ainsworth, um dos aspectos centrais é a noção de que a relação de vinculação na criança começa por ser representada através de um padrão sensório-motor de comportamento e de interacção, e que, com o desenvolvimento motor, cognitivo e da linguagem, a relação de vinculação é internalizada e representada na mente. Bowlby (1973,1969/1982) sugeriu que a criança e o seu prestador de cuidados co-constroem essa representação mental, ou modelo dinâmico interno, da sua relação ao longo da infância, e que esta representação interna proporciona uma forma de tornar o prestador de cuidados “transportável” nos contextos onde ele não está fisicamente presente, possibilitando a exploração longe do prestador de cuidados cada vez por maiores períodos de tempo sem a interferência da angústia de separação. Bowlby também acreditava que a representação mental da vinculação determinava a avaliação e as expectativas da criança sobre si própria, sobre o prestador de cuidados e, mais tarde, de todos aqueles que estabelecem relações próximas com ela, e assim, Bowlby esperava que as histórias de vinculação segura ou insegura estivessem patentes nos modelos dinâmicos internos da criança, do adolescente e do adulto (Vaughn, Waters, Coppola, Cassidy, Bost & Veríssimo, 2006).

Contudo o construto MDI foi muito criticado em vários aspectos, por ser vago e considerado como metafórico (Dunn, 1993; Thompson & Raikes, 2003), por ser demasiado extensível (Belsky & Cassidy, 1994; Hinde, 1988; Rutter & O´Connor, 1999) e tentar explicar tudo, críticas estas que, segundo Vaughn e colaboradores (2006), perdem de vista o ponto fulcral da teoria de Bowlby e ignoram os avanços das ciências cognitivas nos últimos 35 anos.

“…Bowlby claimed that attachments become represented mentally and these representations are crucial for understanding the impact of attachment for personality development and psychosocial adjustment across the lifespan. He could not say for certain how the representations were structured or what the cognitive mechanisms and processes underlying these structures might be because the relevant cognitive constructs were themselves still being invented, but he was certain that representation of content was required. Bowlby took what was available and made the best of it. It remained for the community of attachment researchers to clarify the nature, structure, and processes connecting those mental representations to the individual’s actions and relationships in the external world” (Vaughn et al., 2006, p. 180).

Na última década do século XX, começaram a ser explorados os aspectos psicológicos, internos ou representacionais da vinculação, incluindo a transmissão intergeracional dos padrões de vinculação, que, como já referimos, interessou Bowlby desde o início. Importantes para esta orientação da pesquisa em vinculação foram o estudo de Berkeley, iniciado em 1982 e conduzido por Main, e o artigo de Bretherton e Waters, em 1985, Growing points on attachment theory. A investigação foi no sentido de tentar encontrar uma correspondência entre os padrões de vinculação mãe/bebé, descritos por Ainsworth, em correspondentes padrões de vinculação no adulto.

Foi desenvolvida a AAI - Attachment Adult Interview por George, Kaplan e Main em 1985, em que é perguntado aos pais sobre as suas relações de vinculação na infância e sobre a influência destas no seu próprio desenvolvimento. Foram identificados três padrões: o padrão seguro-autónomo, quando os pais dão uma visão clara e coerente das suas relações precoces, quer tenham sido satisfatórias ou não;

pais preocupados que falam de muitas memórias conflituais na infância sobre as relações de vinculação mas não as organizam num todo coerente; e os pais demitidos, caracterizados pela incapacidade de recordar muito sobre as suas relações de vinculação da infância, as memórias específicas sugerem rejeição, mas muitas vezes há idealização dos seus próprios pais, embora neguem a sua influência no seu próprio desenvolvimento. Não só encontraram padrões correspondentes aos padrões de Ainsworth, seguro, ambivalente e evitante, como os correlacionaram com os padrões das crianças.

A AAI deu um contributo importante para o estudo da vinculação ao permitir testar a hipótese de que a vinculação na infância serve de protótipo para os modelos dinâmicos internos na idade adulta. Esta hipótese foi confirmada em vários estudos que usaram a Situação Estranha na infância e num follow-up 15-20 anos depois com a AAI (Waters, Merrick, Treboux, Crowell & Albersheim, 2000). A AAI facilitou também a pesquisa sobre a ligação entre a vinculação do adulto e a personalidade, a relação marital e a parentalidade (Grossmann, Grossmann, & Waters, 2005; Sroufe, Egeland, Carlson, & Collins, 2005).

Contudo, a AAI apresenta algumas dificuldades na sua aplicação prática, pois é difícil e dispendiosa, na medida em que exige ser utilizada por investigadores familiarizados com a teoria da vinculação e com um treino específico e a sua cotação é extremamente complexa (Waters, H. & Waters, E., 2006).

Recentemente, I. Bretherton e H. Waters procuraram no conceito de “script”15 uma via de acesso à compreensão do funcionamento dos modelos dinâmicos internos. Os “scripts” são criados no decurso da repetição de experiências de natureza semelhante e mobilizados sempre que uma determinada experiência se aproxima do script existente, permitindo ao sujeito prever com maior ou menor sucesso o que irá acontecer para além do contexto imediato (Nelson, 1986; Nelson & Hudson, 1988; Oppenheim & H. Waters, 1995). Estudos realizados por H. Waters e

15

Script , traduzido literalmente significa guião; no final dos anos 70, princípios dos anos 80, alguns teóricos (Schank & Abelson, 1977) começaram a propôr o termo “script" ou “event schema” para significar o sistema representacional capaz de operar como um modelo dinâmico interno do mundo e do “self”; os autores consideravam que, na sequência da repetição de experiências semelhantes, os indivíduos criam sequências ordenadas de scrips, que são automaticamente mobilizados sempre que a experiência actual se assemelha ao script, capacitando o indivíduo de prever com sucesso o que vai

colaboradores (1998) indicam que as experiências de vinculação vividas no contexto das primeiras relações de vinculação são representadas sob forma de uma estrutura de script causal-temporal em torno dos componentes do “fenómeno de base segura”, sendo que a familiaridade e o acesso a este script assumem um papel importante na organização do equilíbrio entre os comportamentos de vinculação e os comportamentos de exploração durante a infância, constituindo a base dos modelos internos de vinculação que emergem posteriormente.

Os indivíduos que tiveram na infância uma base segura, coerente e consistente terão conhecimento deste script de base segura e terão acesso a ele em todas as suas interacções de base segura, isto é, o script será activado por acontecimentos relevantes e esperaram um comportamento por parte das figuras de vinculação consistente com esse script e ficaram marcados pelas experiências ou acontecimentos que violem esse mesmo script (Schank, 1982, 1999). Os indivíduos usam o script para organizar narrativas relativas à vinculação e recuperam, selectivamente, os eventos consistentes com o script (Nelson, 1986). Assim, estudar o script como representação de experiências de base segura terá implicações para a compreensão das emoções, comportamentos e cognições relativas à vinculação.

Em 2001, H. Waters e Rodrigues-Doolabh desenvolveram um método alternativo para aceder aos modelos dinâmicos internos, as Narrativas de Representação da Vinculação em Adultos. Este procedimento visa avaliar a organização do conhecimento de base segura, utilizando narrativas produzidas por adultos em resposta a um conjunto de palavras sugestivas. São constituídas por quatro grupos de palavras, desenvolvidas de modo a guiar a produção de histórias relativas a cenários importantes do ponto de vista da vinculação. Waters e Rodrigues (2001) sugerem que, na idade adulta, o conhecimento de tipo script relativo a ter e/ou ser uma base segura de outra pessoa contém diversos elementos, elaborados na seguinte sequência: interacção construtiva entre os membros da díade de vinculação; um obstáculo à continuação da interacção; um sinal de que é necessária ajuda, detecção do sinal pelo parceiro; oferta de ajuda efectiva; a ajuda é sentida pelo receptor como reconfortante; resolução e/ou regresso à interacção construtiva com o meio físico ou social. As Narrativas produzidas são cotadas, mediante uma escala de

7 pontos que as classifica em termos de segurança (Waters & Rodrigues-Doolabh, 2004).

Em Portugal, Veríssimo e colaboradores testaram o script de base segura numa amostra de mulheres, casadas entre 5 e 8 anos, tendo obtido correlações fortemente significativas, semelhantes às referidas por Rodrigues-Doolabh et al. (2003), confirmando que as relações de vinculação se organizam em torno dos comportamentos de base segura, e ainda a existência de um script de base segura universal e independente da cultura (Veríssimo, Monteiro, Vaughn, Santos, & Waters, 2005).

Foram também desenvolvidas medidas sobre a representação da vinculação em crianças. O teste de ansiedade de separação para adolescentes – SAT, desenvolvido por Hansburg em 1972 - foi adaptado para crianças mais novas, por Klagsbrun e Bowlby, em 1976, e revisto e validado por Kaplan (1984) e Slough e Greenberg, em 1991. Bretherton e Ridgeway, em 1990, introduziram as Histórias de Vinculação para completar – Attachment Story Completation Task (ASCT) – que tiveram posteriormente outras versões e vários sistemas de cotação que têm sido desenvolvidos por diversos autores (Page, Miljkovitch, Solomon, entre outros). Oppenheim, em 1997 desenvolveu outra entrevista – Attachment Doll-Play Interview - com o mesmo formato que as Histórias para Completar. Bretherton, Oppenheim e colaboradores criaram um conjunto de histórias sobre temas de vinculação, conflitos morais e dilemas morais em relações de triangulação que têm sido usadas desde 1990, mas só em 2003 foram publicadas como - MacArthur Story Stem Battery (MSSB) – (Bretherton, Oppenheim, Buchsbaum, Emde, & the MacArthur Narrative Group, 2003).

Em 1985, Waters e Deane desenvolveram o Attachment Q-Sort (AQS)16como um método alternativo à situação estranha, que permite, através de uma observação sistemática, avaliar a qualidade do comportamento de base-segura da criança, em casa. Inicialmente era composto por 100 itens mas, mais tarde (1987), Waters

16

O método de Q-sort foi desenvolvido por Stepheson em 1953 e tem sido muito utilizado. De acordo com Waters & Deane (1985) as suas componentes básicas são: o desenvolvimento de itens

procedeu à revisão deste instrumento passando então a ser constituído por 90 itens (versão 3.0 do AQS), isto é, por 90 afirmações descritivas do comportamento da criança, observados durante a interacção com a mãe, podendo ser aplicado entre os 12 meses e os 5 anos de idade. O AQS permite estudar a qualidade da relação de vinculação da criança à mãe, através de uma descrição pormenorizada do seu comportamento vinculativo e do seu desenvolvimento, possibilitando a observação das mudanças e continuidade individuais no mesmo (Veríssimo, Blicharski, Strayer & Santos, 1995). Este instrumento constitui-se como uma alternativa válida e mais flexível ao procedimento da Situação Estranha de Ainsworth (Thompson, 1998), apresentando uma vantagem significativa na medida em que permite sintetizar o perfil da criança em termos de semelhança com o perfil da criança tida como teoricamente segura (Posada, Goa, Wu, Tascon, Schoelmerich, Sagi, Kondo- Ikemura, Haaland e Synnevaag, 1995). A segurança é avaliada enquanto variável contínua, o que, de acordo com Vaughn e Waters (1990), é coerente com a visão de Bowlby de que um comportamento resultante de um sistema comportamental pode ser avaliado de acordo com o grau de eficácia em que se mantém próximo do seu objectivo, e não de acordo com a frequência de determinados comportamentos.

O AQS tem sido amplamente usado e validado como um indicador da vinculação para crianças em idade pré-escolar. Park et Waters, (1989), Posada et al. (1995) e van IJzendoorn et al. (2004) sugeriram que este instrumento constitui um dos três “gold standard” em termos de avaliação da vinculação juntamente com a Situação Estranha e a AAI. Em Portugal o AQS tem sido utilizado por Veríssimo e colaboradores (Veríssimo, Monteiro, Vaughn, Santos, & Waters, 2005) e tem sido possível observar que a qualidade dos scripts de base segura maternos está relacionada com os valores do critério de segurança dos seus filhos, isto é, as mães que possuem um script de base segura são utilizadas pelos seus filhos como base segura. Num estudo recente com três grupos sócio-culturais (da Colômbia, Portugal e EUA) Vaughn, Coppola, Veríssimo, Monteiro, Santos, Posada, Carbonell, Plata, Waters, Bost, McBridef, Shinf, et Kortha (2007) concluíram que a pontuação obtida através das Narrativas Maternas que classificam os scripts em termos de segurança, estão positiva e significativamente associados com a segurança da vinculação das crianças obtidas através do AQS. Estes resultados evidenciam a validade externa da

medida e dão suporte a um dos princípios básicos da teoria da vinculação que é o conceito de transgeracionalidade.

Recentemente, tem sido desenvolvida uma linha de investigação sobre as memórias das crianças sobre acontecimentos do dia-a-dia e experiências traumáticas (Bretherton & Munholland, 1999) e sobre as crianças que experimentam vários tipos de stress, sejam crianças cujas mães estão presas (Poehlmann, 2004), tenham pais divorciados (Bretherton & Page, 2004; Gloger-Tippelt & Köning, 2000; Page & Bretherton, 2001) ou sejam crianças maltratadas (MacFie, Cicchetti, & Toth, 2001; Toth, Cicchetti, MacFie, Maughan, & VanMeenen, 2000; Toth, Cicchetti, MacFie, Rogosch, Robinson, & Maughan, 2000).

A investigação também se interessou pelo estudo da vinculação ao longo do ciclo de vida, entre adultos (Bowlby & Parkes, 1970) na relação marital (Weiss, 1973, 1977, 1982 1991; Crowell, J. & Waters, E., 2005), nas relações amorosas (Shaver e Hazan, 1988), até estudos com irmãos de meia-idade e seus pais idosos (Cicirelli, 1989, 1991) e a sua relação com o sistema familiar (Bying-Hall, 1985, Marvin & Stewart, 1990). Shaver e Hazan (1988) traduziram os padrões de vinculação identificados por Ainsworth para as crianças em padrões de vinculação para adultos, concluindo que os adultos que se descreviam como seguros, evitantes ou ambivalentes relativamente à relação romântica, relatavam diferentes padrões de vinculação pais-filho nas suas famílias de origem.

A teoria da vinculação teve também um impacto importante na investigação em psicopatologia, com estudos longitudinais sobre a vinculação em famílias com depressão (Radke-Yarrow, Cummings, Kuczinsky & Chapman, 1985), com maus- tratos (Crittenden, 1983; e outros). Belsky & Nezworski (1988) publicaram um livro sobre as implicações clínicas da vinculação no qual retomaram as ideias de Bowlby dos anos 30 e as conclusões dos estudos de Ainsworth.

Em 2005, Grossmann, K. E., Grossmann, K. e Waters, E., publicaram um livro, Attachment from Infancy to Adulthood: the major longitudinal studies, no qual apresentam a primeira colecção de contributos originais de estudos da vinculação que tentam, cada um deles, responder a questões centrais do desenvolvimento.

Após mais de três décadas do estudo da vinculação está-se apenas agora a começar a concretizar o objectivo de Bowlby de integrar a investigação empírica sobre as trajectórias desenvolvimentais típicas e atípicas e aplicá-la à prevenção e à prática clínica (Grossmann, K. E., Grossmann, K. & Waters, E., 2005). Bowlby considerava o desenvolvimento típico e atípico como reflexos dos mesmos princípios, para compreender a vinculação e o seu lugar no desenvolvimento era preciso “two stout pillars of evidence – individual development and developmental psychopathology – and acrosspiece of theory” (Bowlby, 1988, p.2).

No documento Vinculação e adopção (páginas 109-116)