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O sistema comportamental de cuidados parentais

No documento Vinculação e adopção (páginas 184-188)

CUIDADOS PARENTAIS

I. Cuidados Parentais e Vinculação

2. O sistema comportamental de cuidados parentais

Bowlby (1956), num dos seus primeiros escritos, referiu que, para uma maior compreensão da vinculação, deveria estudar-se melhor o laço que liga a mãe ao seu filho. Mais tarde, em 1984, defendeu que o comportamento parental, numa perspectiva biológica, era, tal como o comportamento de vinculação, de certo modo, pré-programado. Muito embora ele descreva essa base biológica como factor que incita aos cuidados e à protecção da criança, considera, ao mesmo tempo, que as diferenças individuais nos cuidados parentais surgem sobretudo devido à aprendizagem.

Bowlby considerou que o sistema comportamental de cuidados parentais é recíproco e evolui em paralelo com o comportamento de vinculação, distinguindo sobretudo o comportamento materno de recuperação, cujo resultado é a proximidade e a função biológica a protecção.

O sistema comportamental de cuidados parentais pode ser activado, quer por sinais internos, quer externos, associados a situações que os pais percebam como perigosas, assustadoras ou stressantes para a criança. Uma vez activado o sistema, o prestador de cuidados pode usar um repertório de comportamentos que incluem a recuperação, manter proximidade, pegar, seguir, chamar, olhar e sorrir, para proteger a criança. O sistema pode ser desactivado pela proximidade física ou psicológica da criança ou por sinais de que ela está satisfeita ou confortada (George & Solomon, 1999).

De acordo com George e Solomon (1999), é difícil precisar quais os comportamentos parentais que devem ser considerados parte do caregiving system. Cassidy (1999) propôs que o termo “caregiving” fosse usado para identificar o subconjunto de comportamentos parentais que promovem a proximidade e o conforto à criança, quando percebem que esta está em perigo, real ou potencial. O comportamento principal de entre estes seria o de recuperação, sendo os outros, o chamamento, alcançar, agarrar, restringir, seguir, acalmar e embalar.

Bowlby (1969/1982, p.240) considerava o comportamento materno de recuperação distinto de outros comportamentos parentais, tendo como objectivo manter a proximidade e a função biológica de protecção. Bowlby (1982) definiu recuperação como qualquer comportamento parental que tem como um dos resultados previsíveis o retorno dos filhotes ao ninho ou para junto da mãe. O comportamento de recuperação da mãe consiste em recolher o bebé nos seus braços e mantê-lo lá, tendo um resultado semelhante ao comportamento de vinculação do bebé. Como o resultado previsível do comportamento materno de recuperação é semelhante ao do comportamento de vinculação do filho, também são semelhantes os processos que levam à selecção das figuras para as quais são dirigidos os comportamentos de recuperação e de vinculação. Assim, da mesma forma que o comportamento de vinculação de um bebé passa a dirigir-se para uma determinada figura materna, também o comportamento de recuperação da mãe é dirigido para um determinado bebé. Tal como o comportamento de vinculação do bebé é contrabalançado com o comportamento exploratório e lúdico, também o comportamento de recuperação da mãe é contrabalançado por inúmeras outras actividades que competem com ele, algumas das quais incompatíveis.

A interacção mãe/filho é constituída pelo conjunto dos diversos comportamentos infantis, pelo comportamento materno e pelo comportamento de vinculação da criança. Quando a interacção entre o par decorre normalmente, cada elemento manifesta prazer na companhia um do outro; pelo contrário, quando na interacção há conflito, é provável que cada participante manifeste ansiedade ou infelicidade, sobretudo face à rejeição do outro. Os padrões internos pelos quais as consequências do comportamento são avaliadas pela mãe e pelo bebé são tais que favorecem o desenvolvimento da vinculação, pois a proximidade e as trocas afectivas são sentidas e avaliadas, por ambos, como sendo agradáveis; ao passo que a distância e as expressões de rejeição são sentidas e avaliadas como dolorosas e desagradáveis para ambos.

Para Cassidy (1999), a recuperação é o equivalente à procura de proximidade com a criança; é um comportamento e não um sistema comportamental. O sistema comportamental de cuidados parentais inclui assim um conjunto de comportamentos, um dos quais, seria o de recuperação da criança pelos pais.

Esta perspectiva difere também da de Bretherton (1991) que considera o vínculo dos pais com a criança parte do sistema de vinculação, defendendo existir um lado parental na vinculação.

Segundo Bowlby (1969/1982), como o processo de interacção da criança com os pais envolve mais do que o sistema de vinculação, então outros sistemas parentais podem ser activados durante essa mesma interacção. Estes vários sistemas comportamentais têm como função garantir a sobrevivência da criança e os pais podem ser diferentemente responsivos a uma criança, consoante o sistema comportamental (brincar, alimentar, ensinar, por ex) que é activado. A predominância desses sistemas comportamentais varia muito, não só de cultura para cultura, como dentro da própria cultura. Uma mãe pode ser uma figura de vinculação sempre disponível mas não ser capaz de actuar como companheira de jogo.

Na maioria dos casos, ambos os pais e a criança actuam em conjunto para manter um nível de proximidade confortável. Se uma criança se afasta, os pais vão buscá-la (recuperação); se os pais se afastam, a criança vai segui-los ou dá sinal para que eles voltem. De acordo com Bowlby (1969/1982), quando o sistema de cuidados parentais está relativamente activado, o sistema de vinculação da criança pode estar relativamente desactivado; os comportamentos de vinculação não são necessários, porque os pais assumiram a responsabilidade de manter a proximidade; sendo o contrário também verdadeiro. Este equilíbrio dinâmico (Bowlby 1969/1982, p. 236) contribui para a compreensão da noção de a mãe providenciar uma base segura que permite a exploração da criança. Mas pais e criança nem sempre estão de acordo sobre qual é a distância aceitável entre eles ou sobre as prioridades que guiam a activação dos sistemas comportamentais. A activação do sistema comportamental de cuidados resulta quer de factores internos, como a presença de hormonas, crenças, estado físico e/ou psíquico e ainda a activação de outros comportamentos parentais, quer de factores externos, como o meio, o estado da criança e do seu comportamento (se exibe ou não comportamento de vinculação). A activação do sistema de cuidados parentais é crucial em termos da sobrevivência da criança. Os etologistas defendem que as crianças desenvolveram determinadas características, tais como um aspecto afectuoso (cabeça redonda e grande com a testa alta e o nariz pequeno) e os movimentos dos braços, que servem para activar o sistema de cuidados parentais. O

comportamento de vinculação da criança também motiva os pais a responder e mesmo os comportamentos aversivos, como o choro, também levam os pais a prestar cuidados, no sentido de os terminar.

O sistema comportamental de cuidados parentais está igualmente associado a emoções fortes, tais como o medo. Quando os pais percebem que há uma situação de perigo para a criança, aumentam a proximidade para a poder proteger. Quando o sistema comportamental de medo é activado, também é o da prestação de cuidados.

Um componente importante do sistema de cuidados parentais é o de acalmar a criança. Cassidy (1999) propõe que os comportamentos que acalmam a criança, servem, indirectamente, para facilitar a monitorização que os pais fazem sobre os perigos reais ou potenciais para ela. Quando os pais proporcionam o contacto com uma criança angustiada, isso geralmente conforta-a, mas se ela continua angustiada por muito tempo após o contacto, provavelmente é porque pode haver outra ameaça à criança que os pais não tenham percebido.

Sendo o comportamento de cuidados parentais, um sistema comportamental, ele é também um sistema de retroacção, isto é, vai variar com o contexto, a idade e a experiência dos pais ou da criança, não esquecendo também a sua base biológica. Quando é activado, o prestador de cuidados tem de decidir quando e como se comportar. Este comportamento vai depender da avaliação que fizer dos sinais da criança, da sua percepção da ameaça ou do perigo. Os pais, enquanto prestadores de cuidados, devem estar sempre vigilantes para seleccionarem a resposta adequada para protegerem o seu filho. Neste sentido, tem sido dada muita importância à sensitividade materna, considerando-se ter um papel central numa vinculação segura. Ainsworth (1978) definiu as mães sensitivas como as que percebem e avaliam as pistas ou deixas das crianças apropriadamente e respondem prontamente e em conformidade.

O conceito de sensitividade põe em relevo o comportamento de cuidados parentais do ponto de vista da criança. George e Solomon (1999) analisaram este conceito e afirmam que, se adoptarmos uma perspectiva parental, podemos verificar que os pais têm acesso a mais informação que a criança, nomeadamente à

experiência presente e passada, enquanto criança e/ou enquanto pais. Importa também salientar que os pais são cognitivamente capazes de avaliar as situações de múltiplas perspectivas e de forma mais sofisticada. Apesar de parte do comportamento de cuidados parentais ser quase automático, como no caso de protecção dos filhos de situações de perigo (quedas, queimaduras, etc.), à medida que a criança cresce, a tarefa dos pais torna-se mais difícil, quando o sistema comportamental de cuidados parentais é activado, mas o sistema de vinculação não o é, como é notório na fase da adolescência, em que o desejo dos pais de protegerem os seus filhos entra em conflito com o desejo de autonomia destes e é interpretado por eles como uma intromissão e uma forma de controlo parental.

“In sum, providing care is extremely complex, and ultimately the information and affect that contribute to a parent’s response have more to do with the internal organization of his or her caregiving system than with the child’s cues or behaviour. The child’s cues activate the system. What happens next is influenced strongly by the parent’s caregiving system.” (George & Solomon, 1999, p. 653)

3. O sistema de cuidados parentais em interacção com outros

No documento Vinculação e adopção (páginas 184-188)