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Temperamento e Vinculação

No documento Vinculação e adopção (páginas 171-176)

de 22 de Agosto, na sequência da enorme visibilidade pública que a adopção tem

VII. Vinculação e Temperamento

4. Temperamento e Vinculação

Nas últimas 2 décadas, tem sido realizada muita pesquisa (Goldsmith & Alansky, 1987; Goldsmith & Harman, 1994; Seifer & Schiller, 1995) na tentativa de explicar as relações entre vinculação e temperamento na infância e na vida adulta. Vaughn & Bost (1999), na sua revisão de literatura, concluíram que, embora os resultados destes estudos revelem uma coincidência nos domínios do comportamento relevantes para os constructos oriundos da teoria da vinculação e das teorias do temperamento, as interpretações têm sido várias.

Numa primeira análise, podemos dizer que o constructo biológico do temperamento deverá convergir com o desenvolvimento da vinculação, pois ambas as explicações de Bowlby para a presença do sistema comportamental de vinculação e para o constructo do temperamento dependem em maior ou menor grau da transmissão genética. No entanto, surpreendentemente, não tem havido muito interesse dos investigadores do temperamento no desenvolvimento do comportamento de vinculação ou no funcionamento do sistema de vinculação.

A noção de que um sistema comportamental de base neurológica governa a proximidade e a manutenção do contacto entre a criança e o seu prestador de cuidados é único em qualquer teoria do temperamento. Tal como a relação criança/mãe, as teorias do temperamento não contestam a teoria da vinculação. Todas as relações emergem da interacção e dos padrões de interacção através do tempo e a relação de vinculação não é diferente.

Enquanto que os fundamentos biológicos da teoria da vinculação não têm sido considerados, e muito menos contestados, na pesquisa do temperamento, as diferenças individuais da qualidade da vinculação (segurança) têm sido muito estudadas na perspectiva do temperamento e isto deve-se ao reconhecimento de que os termos usados na descrição das interacções entre a criança e a mãe (i.e. prazer, alegria, expectativas positivas, entusiasmo, ansiedade, medo, zanga), têm uma grande semelhança com os aspectos dos indicadores fenotípicos da dificuldade, emocionalidade, reactividade, ansiedade das dimensões do temperamento. Ambas as

teorias, a da vinculação e a do temperamento fazem ligações explícitas entre os seus domínios específicos e o desenvolvimento da personalidade e do auto-conceito. A resistência à interacção ou o evitamento da interacção ou do contacto (que são considerados à luz da teoria da vinculação como o reflexo da sua história interactiva) são interpretados como manifestações de diferenças individuais nas dimensões ou categorias do temperamento (Kagan, 1984).

De acordo com Ainsworth, as diferenças individuais nos padrões do comportamento de vinculação surgem como consequência das variações na interacção criança/prestador de cuidados (que, por sua vez, se pensa serem consequência da variabilidade da capacidade dos prestadores de cuidados de interpretar e responder aos sinais da criança) e não como consequência de diferenças endógenas na criança. Segundo Vaughn e Bost (1999), se aparentemente os traços precoces do temperamento estivessem directamente implicados nas diferenças dos padrões de vinculação, se esses mesmos atributos do temperamento afectassem os aspectos do comportamento da criança que se assumem como resultado da segurança na vinculação e se fosse demonstrado que estes efeitos eram independentes dos efeitos da qualidade da interacção criança/pais e da sensitividade parental aos sinais da criança, então a compreensão e o entendimento de Ainsworth destes padrões de comportamento como indicadores das diferenças na segurança da vinculação seriam postos em questão (p.207).

Por outro lado, Seifer e colaboradores (Seifer & Schiller, 1995; Seifer, Schiller, Sameroff, Resnick & Riordan, 1996) consideram que ambas as interpretações, temperamento e segurança da vinculação, podem ser sustentadas se for demonstrado que quer a sensitividade, quer os atributos do temperamento, contribuem para a qualidade da interacção criança/mãe que conduz às diferenças individuais no padrão de base-segura observado em situações de stress (situação estranha) e em situações habituais (observações em casa).

Vaughn e Bost (1999) fizeram uma revisão sistemática dos estudos efectuados desde 1981, que utilizaram ambos os constructos, temperamento e vinculação, em crianças até aos 7 anos e analisaram os resultados. As questões em análise eram a relação entre o temperamento e a vinculação e, especificamente, como

eles se correlacionavam com a personalidade na infância. Da revisão dos estudos, os autores concluíram “…attachment security cannot be considered as redundant with temperament in the explanation of personality and/or in explanations of qualities of interpersonal action…the data suggest also that there is more to temperament than can be explained by individual differences in parent-child relationships” (p.218). Quando se analisa as diferenças entre as crianças seguras (grupo B) e as inseguras (grupos A, C, D), os relatos dos pais sobre o temperamento, em termos da dificuldade, reactividade negativa e emocionalidade, não as distingue; contudo, quando a irritabilidade foi avaliada muito precocemente (período neonatal), foram relatadas diferenças entre as crianças seguras e inseguras (Crockenberg, 1981; Susman- Stillman et al., 1996; van den Boom, 1994; Waters et al., 1980). O facto de a irritabilidade em idades precoces aumentar o risco da insegurança mais tarde, no primeiro ano de vida, sugere que a organização dos atributos endógenos da criança pode potenciar práticas parentais inadequadas quando os prestadores de cuidados estão eles próprios em stress. Mas, a este respeito, o estudo de van den Boom (1994) relatou uma melhoria na qualidade da vinculação quando as mães recebem treino apropriado e suporte, concluindo que o temperamento não implica necessariamente o destino da vinculação, mesmo em grupos de risco. Os autores também concluíram que, muito embora a distinção entre seguros e inseguros não esteja especialmente coordenada com as dimensões do temperamento, a dimensão irritabilidade/angústia distingue os evitantes (e os B1 e B2 subgrupos) dos resistentes (e os B3 e B4 subgrupos) e está frequentemente associada com os relatos dos pais sobre o temperamento da criança (Vaughn et al., 1989). Este facto levou a que alguns investigadores (Kagan, 1984) especulassem sobre as razões das diferenças entre evitantes e resistentes, considerando-as devidas mais ao temperamento do que à interacção. Enquanto as dimensões do temperamento parecem explicar pouco sobre a segurança na vinculação avaliada através da situação estranha SS, estão frequente e significativamente correlacionadas com a segurança na vinculação avaliada em situações normais através do AQS. É menos provável que as crianças mais difíceis, mais reactivas, mais angustiadas usem os prestadores de cuidados como bases seguras. Como as avaliações do temperamento são a maioria das vezes realizadas antes da relação de vinculação ser estabelecida, é verdade que o temperamento antecede o estar vinculado, mas não é necessariamente verdade que o temperamento

tenha um efeito de causalidade nas diferenças individuais da qualidade da vinculação.

De acordo com Vaughn e Bost (1999) há três formas de interpretar a relação temporal entre o temperamento e a segurança na vinculação:

ƒ As diferenças individuais na segurança da vinculação devem-se às diferenças temperamentais pré-existentes, presentes desde as primeiras semanas de vida. Esta é uma forte tendência; contudo, não é consistente com a fraca correlação existente entre o temperamento avaliado precocemente (antes dos 6 meses) e os valores de segurança do AQS, obtidos entre os 12 e os 18 meses de vida (Seifer et al., 1996; Vaughn et al., 1992);

ƒ As crianças cujo temperamento é percebido como difícil, reactivo e propenso à angústia podem elicitar uma prestação de cuidados diferente e menos boa do que as crianças com outros atributos temperamentais. Assim, os diferentes temperamentos actuariam de forma indirecta na segurança da vinculação, potenciando interacções menos favoráveis por parte dos prestadores de cuidados. Apenas Seifer e colaboradores (1996) testaram esta hipótese e, embora a avaliação do temperamento feita por observadores se associasse significativamente ao humor da criança aos 6 e aos 9 meses e com a observação do comportamento materno - sensitividade materna, as percepções maternas do temperamento da criança não suportam uma correlação semelhante com a sensitividade. Isto é, apesar de o observador considerar as mães de crianças difíceis menos sensitivas, as auto-percepções das mães sobre os seus filhos como difíceis não predizem a avaliação do observador da sua sensitividade;

ƒ As diferenças individuais no temperamento e na segurança da vinculação surgem no contexto da interacção criança/prestador de cuidados. Esta interpretação não considera haver nenhuma relação causal entre elas, mas sim uma relação de ambas, com a história das interacções. Nesta formulação, nem o temperamento nem a segurança da vinculação surge inteiramente como consequência da personalidade ou atributos interactivos da mãe. Esta interpretação é consistente com os estudos que defendem que o

temperamento relatado por diferentes informantes (mães, pais, professores, assistentes de investigação) está só moderadamente correlacionado (Bate & Bayles, 1984; Field & Greenberg, 1982; Jones & Parks, 1983; Martin & Halverson, 1991; Seifer et al., 1994) e ainda com o facto de a vinculação criança-prestador de cuidados mostrar apenas uma modesta congruência para a mesma criança com dois prestadores de cuidados (Fox, Kimmerly, & Schafer, 1991; Sagi et al., 1995). Com esta interpretação esperar-se-ia que os relatos sobre o temperamento e sobre a vinculação estariam mais fortemente relacionados quando são dados por um só prestador de cuidados; os dados existentes suportam esta teoria (Bates & Bayles, 1988; Belsky & Kotsaftis, in Vaughn et al., 1992; Wachs & Desai, 1993); contudo, pode observar-se associações igualmente fortes quando as mães classificam o temperamento e observadores descrevem o comportamento de base segura das crianças (Seifer et al., 1996).

Vaughn e Bost (1999), após análise exaustiva dos estudos realizados até então, concluem que os dados existentes não suportam nenhuma conclusão forte, à excepção do facto de a vinculação e o temperamento estarem correlacionados (num grau moderado) mas não terem a mesma forma.

Os estudos de Belsky (Belsky et al., 1991) e Seifer (Seifer et al., 1998) sustentam a ideia de que quer a segurança na vinculação quer o temperamento dependem, em parte, das qualidades da interacção pais/criança.

Belsky (2005) considera que: “contextual stresses and supports affect the sensitivity of maternal care, which affects emotional and temperamental development, which affects whether or not the child develops a secure attachment and whether, and how, attachment security comes to forecast later development”(p.89).

CAPÍTULO III

No documento Vinculação e adopção (páginas 171-176)