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As famílias biológicas

No documento Vinculação e adopção (páginas 58-62)

de 22 de Agosto, na sequência da enorme visibilidade pública que a adopção tem

4. As famílias biológicas

As crianças entram no processo de adopção ou por vontade dos seus pais biológicos, a maioria das vezes mães sozinhas, ou após um período de institucionalização em lares, centros de acolhimento ou famílias de acolhimento.

Neste último caso, os pais não têm capacidade ou vontade de cuidar dos filhos e, ou concordam com a sua adopção, ou o Tribunal decide que o melhor para a criança é a adopção.

As famílias que entregam voluntariamente os seus filhos para adopção fazem- no por considerarem não ter condições sócio-económicas ou psicológicas, ou ambas, para criarem e educarem os seus filhos e desejarem para eles o melhor. Pode considerar-se então um acto de amor e, por isso, essas famílias devem ser respeitadas.

Na maioria dos países da Europa e nos EUA, o consentimento para adopção só pode ser prestado algum tempo após o nascimento da criança (em Portugal, como já referimos anteriormente, o consentimento só pode ser prestado 6 semanas após o parto). A intenção desta norma é assegurar que a mãe que presta o consentimento para a adopção do seu filho(a) o faz de livre vontade, de forma consciente e informada, livre de qualquer coação. Dá-se-lhe tempo a recuperar do parto e eventualmente do efeito de algumas drogas, para que reconheça a importância e a responsabilidade de assumir a parentalidade. Se a mãe for casada, legalmente o pai da criança é o marido e o seu consentimento também tem de ser prestado. No caso de a mãe não ser casada, o pai biológico também tem de prestar o seu consentimento. Muitas vezes o que acontece é a mãe declarar que o pai é desconhecido e, embora haja um processo judicial de averiguação oficiosa da paternidade (AOP), este não tem carácter de prejudicialidade face à adopção (artigo 173.º-F, Lei 31 de 2003). As situações descritas até aqui aplicam-se sobretudo a bebés, mas também pode haver consentimento para adopção no caso de crianças mais crescidas. São situações em que os pais ao longo de um plano de reabilitação, embora tendo tido ajuda, consideram não ser capazes de assumir a parentalidade.

As boas práticas em matéria de adopção recomendam que deve ser disponibilizado apoio psicológico para as mães e pais que entregam os seus filhos para adopção. Pois, embora o façam de forma consciente, esta decisão acarreta muita dor e fortes sentimentos de perda. O apoio destina-se a reduzir o sentimento de culpa e remorso que a entrega de um filho acarreta, muitas vezes reforçado pela

condenação social. Contudo, em Portugal não existem ainda serviços que prestem esse apoio de forma sistemática e eficaz.

Enquanto que uma adopção com consentimento dos pais biológicos demora apenas alguns meses, uma adopção quando há oposição dos pais demora anos, exigindo um intenso trabalho dos técnicos e um longo processo em tribunal, com todos os prejuízos que daí resultam para a criança que entretanto está institucionalizada. É também por esta razão que a entrega de um filho para adopção deve ser respeitada e valorizada ao invés de criticada.

Quanto às razões que levam os pais a entregar o seu filho para adopção, podemos dizer que há constrangimentos internos e externos que levam os pais a tais decisões. Como constrangimentos externos podemos referir os recursos sócio- económicos, pressões dos pais ou do companheiro, questões relacionadas com a carreira e o estigma de ser mãe solteira.

Pode ainda haver constrangimentos internos, psicológicos, como os pais sentirem que não são capazes de criar a criança porque não se sentem preparados para isso, por terem recursos pessoais limitados associados à falta de apoio familiar, ou a situações de doença física ou mental. Há ainda as situações extremas, como sejam a gravidez ter resultado de uma situação de incesto e/ou de uma violação.

Nos casos em que a adopção é feita contra a vontade dos pais, isto é, quando os seus direitos de pais terminam involuntariamente após uma decisão judicial, isso acontece, na maioria das vezes, após as tentativas de restabelecimento familiar falharem. Os pais podem não desejar, ou serem ambos incapazes de assumir a sua função parental e ainda assim estarem relutantes em dar o seu consentimento para adopção. Como a criança precisa de uma família para receber os cuidados necessários e adequados e ter segurança, aspectos fundamentais para o seu bom desenvolvimento, a segurança social ou a equipa técnica da instituição onde a criança se encontra acolhida, ou ambas em articulação, promovem um processo em tribunal, tendo em vista a futura adopção da criança. É o melhor interesse da criança que deve guiar as decisões do Tribunal, através de uma avaliação das suas necessidades e do grau de vantagem em ter uma família adoptiva. O Tribunal tem de concluir que a adopção trará significativamente melhores oportunidades à criança. A

responsabilidade do Estado é, em primeiro lugar, para com as crianças e não para com os pais. Contudo, alguns Tribunais interpretam ainda actualmente, este interesse de forma a protegerem a integridade da família biológica, enquanto que outros vêm a adopção como a melhor possibilidade para a criança.

Trata-se geralmente de famílias negligentes, tendo essa negligência começado mesmo antes do nascimento. São geralmente mulheres que não tiveram acompanhamento médico durante a gravidez, algumas vezes a esconderam até ao último momento, tendo continuado a fumar, a consumir álcool e drogas.

Essa negligência é devida à falta de conhecimento ou à falta de discernimento ou ainda à falta de motivação. São pais que têm dificuldade em imaginar o que as crianças necessitam e em adaptar-se e adaptar o meio a essas necessidades (Cantwell, H. B., & Rosenberg, D. A., 1990).

A falta de conhecimento manifesta-se no não reconhecimento das necessidades da criança (por exemplo, que precisa de comer com intervalos regulares), na incapacidade de cozinhar uma refeição nutritiva; não saberem nada sobre os marcos do desenvolvimento, o que a criança deve fazer com determinada idade e não saberem que uma criança tem necessidade de ser estimulada, de ter oportunidade de explorar o meio onde vive, de brincar; ignoram que a criança tem necessidades emocionais, que precisa de carinho e de se sentir em segurança.

A falta de discernimento é potencialmente perigoso para a criança, pois os pais podem não perceber se a criança está ou é doente, não percebem que ela precisa de cuidados médicos. Deixam, por exemplo, crianças pequenas sozinhas em casa, sem terem a noção de que isto constitui um perigo para elas.

A falta de motivação tem a ver com pais que, por exemplo, se recusam a fazer mudanças, pela sua nova condição de pais, no estilo de vida, defendendo que têm o direito de criar a criança como muito bem entenderem. Tendo sido eles próprios muitas vezes criados num ambiente negligenciado, pensam ser essa a prática normal. Não têm a percepção de que foram negligenciados pelos seus próprios pais e que isso resultou na sua própria imaturidade e falta de capacidade de amar e ainda na falta de capacidade em assumir uma parentalidade responsável.

Situações mais graves são aquelas em que os pais activamente maltratam os filhos através dos abusos físicos e sexuais.

Os constrangimentos externos começam a ter menos significado actualmente do que no passado, com o fim do estigma das mães solteiras, com a melhoria dos serviços sociais e melhores benefícios, apesar de ainda existirem muitas dificuldades.

É verdade que a parentalidade biológica tem um valor inigualável, mas só quando é acompanhada de uma boa relação parental, uma relação de afecto, que dê suporte ao desenvolvimento da criança e resposta às suas necessidades educativas, sociais e emocionais de amor e segurança.

A relação nasce, constrói-se e evolui e é isso que vai estruturar o indivíduo. A relação pais/filhos é uma realidade que se constrói ao longo do tempo e se adapta consoante as necessidades dos pais e dos filhos e consoante as fases do desenvolvimento ou o ciclo de vida familiar.

No documento Vinculação e adopção (páginas 58-62)