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Filiação psicológica

No documento Vinculação e adopção (páginas 83-88)

de 22 de Agosto, na sequência da enorme visibilidade pública que a adopção tem

III. O ciclo de vida da família adoptiva

3. Filiação psicológica

O processo de adopção, do ponto de vista da criança adoptada, não é simples e encontra também algumas dificuldades específicas da filiação psicológica.

Não é simples pelo que foi dito anteriormente mas também porque envolve por parte da criança um número adicional de “tarefas psicológicas” (que, de resto, a maior parte delas realiza com sucesso) com as quais as outras crianças não têm de se confrontar. São elas: a vinculação aos novos pais, a tomada de consciência/

conhecimento de que são adoptadas e a formação de uma identidade (que inclui as questões anteriores) (Triseliotis et al., 1997).

A vinculação aos novos pais é a primeira tarefa que a criança adoptada enfrenta. É ligar-se afectivamente aos novos pais, é vincular-se à sua nova família.

Na grande maioria dos bebés humanos, o comportamento de vinculação com uma figura preferida desenvolve-se durante os primeiros 9 meses de vida. Quanto mais experiências de interacção social e mais ricas as crianças tiverem com uma pessoa, maiores serão as probabilidades de que ela se ligue a essa pessoa. Assim, torna-se a principal figura de vinculação a pessoa que dispensar à criança a maior parte dos cuidados maternos.

Contudo, sabe-se hoje que as crianças estabelecem vínculos com novas figuras em momentos diversos do seu desenvolvimento e num contexto diferente daquele em que se constrói a primeira relação de vinculação, habitualmente com a mãe.

As crianças mais crescidas que encontram mais tarde novas figuras parentais, ou figuras parentais alternativas, já possuem pelo menos um modelo interno de relação de vinculação e estas novas relações formam-se numa história relacional e num contexto de desenvolvimento diferentes dos que caracterizam a vinculação do bebé à mãe. No entanto, a formação das relações de vinculação com essas novas figuras depende do mesmo processo que o da formação do laço de vinculação à mãe.

As crianças são capazes de se vincular a novas figuras parentais e, de igual forma, os pais podem criar laços com crianças que vêm de outras famílias.

Pensava-se que quantas mais pequenas forem as crianças, mais facilmente se dá este processo de vinculação quer das crianças aos pais, quer destes às crianças. Contudo, estudos mais recentes (e.g. Singer et al., 1985) concluem que as crianças adoptadas, antes ou depois dos 9 meses de idade, não apresentam diferenças significativas na vinculação aos seus pais adoptivos e também que não há diferenças, quanto à segurança dessa vinculação, entre as crianças adoptadas e as não adoptadas, desde que os pais adoptivos respondam de forma sensível e adequada às suas

necessidades. A maioria dos estudos (Triseliotis et al, 1997) mostra que a maior parte das crianças adoptadas, especialmente até aos 9 anos, parece conseguir restabelecer esses laços com a nova família de forma satisfatória, permitindo-lhe um desenvolvimento harmonioso. Quando a criança é adoptada depois dos 10 anos, o conceito de vinculação (ou re-vinculação) é discutível, na medida em que esta é a fase em que, em regra, as crianças iniciam o seu processo de separação das figuras parentais e não de aproximação. Segundo Triseliotis et al. (1997), o melhor que se pode esperar nestas circunstâncias é o estabelecimento de relações satisfatórias para ambas as partes, pais e filhos.

Diversos estudos mostram ainda que mesmo as crianças que tiveram graves dificuldades relacionais eram capazes posteriormente, se fossem confiadas de forma duradoira a famílias particularmente sensíveis e disponíveis, de reorganizarem positivamente as suas relações e as suas representações de vinculação.

A consciência de ser adoptado envolve também para a criança tarefas adicionais que não são enfrentadas pelas outras crianças (Triseliotis et al, 1997): lidar com o sentimento de perda dos pais biológicos e o sentido de rejeição que isso veicula, o conhecimento da diferença entre parentalidade biológica e parentalidade psicológica e a integração no desenvolvimento do seu “eu” do conceito de ter mais de uma família

A experiência clínica sugere que as pessoas, e neste caso os adoptados, querem saber a verdade sobre si próprios. No entanto, a revelação de que são adoptadas introduz na criança a ideia de qualquer coisa diferente sobre si própria. Mas a revelação faz parte do processo de adopção e é da responsabilidade dos pais adoptivos, como referimos no ponto anterior. A informação deve ser partilhada com a criança o mais cedo possível, para que ela sinta que “sempre soube” e explicada de forma honesta e verdadeira. A verdade é sempre melhor que a decepção.

Fuertes e Amorós (1996) consideram que a criança deve conhecer a sua condição de adoptada por razões quer morais (a criança tem direito a conhecer a verdade), quer psicológicas (não se pode esperar uma relação positiva e harmoniosa tendo por base a mentira) ou materiais (muito provavelmente a criança adoptada

Os riscos de ocultar a verdade são muito maiores do que a revelação, porque a criança acaba por saber a verdade por alguém fora da família, o que leva a uma importante quebra de confiança nos seus pais adoptivos e a gerar uma crise de identidade.

A informação que se vai dando à criança deve ser adaptada ao seu nível de desenvolvimento (Brodzinsky et al, 1995). Para muitos autores (Hersov, 1990; Fuertes & Amorós, 1996), o processo da revelação deve começar entre os 2 e os 4 anos de idade, período em que as crianças recebem a informação com bastante naturalidade e tranquilidade, especialmente se for esta a forma como os pais transmitem a informação (Rodrigo & Palácios, 1998). As crianças nesta idade ainda não têm uma ideia muito precisa sobre o que é uma família e por isso podem falar de si próprios como adoptados sem necessariamente entender realmente o que isso significa. Os pais adoptivos preocupam-se com a forma como a criança vai assimilar esta informação e como é que isso irá afectar o seu ajustamento e as relações familiares. A partir dos 7, 8 anos as crianças têm uma representação mais completa do conceito de família e tomam consciência do que significa ser adoptado. Compreendem que pertencem à sua família adoptiva mas também que, se ganharam uma nova família, perderam outra.

Ninguém deve ter o direito de apagar uma parte de nós, mesmo que seja uma parte menor. A revelação feita de forma adequada vai ajudar a cimentar a relação pais/filhos, adoptante/adoptado ao invés de as separar. São as mentiras e os segredos que destroem as relações.

Contudo, não é suficiente para o adoptado saber que o é. A criança precisa de saber gradualmente a sua história passada, a sua herança cultural, as suas raízes, e os pais têm de preparar-se para responder e dar suporte a estas questões. Todas estas informações e a forma como são dadas estão ligadas à formação da identidade e ao auto-conceito (Triseliotis et al., 1997).

A criança adoptada tem necessidade de saber quem é e, para que essa busca de identidade seja realizada de forma satisfatória, tem de ter resposta a perguntas como: “Porque é que eu fui para adopção?”, “Quem eram os meus pais biológicos e que tipo de pessoas eram?”, “Será que fui amado antes de ser entregue para a

adopção?” e, finalmente, têm de encontrar em si próprios a resposta à questão “Quem sou eu?”.

O sentimento de perda e rejeição que a adopção envolve, o sentimento de não ter sido amado ou desejado pelos pais biológicos, pode ser uma experiência traumática e ter um impacto na sua auto-estima e no seu auto-conceito. Surgem, por vezes, sentimentos de zanga e raiva pelo que aconteceu. Mas sabe-se que esses sentimentos ou a força desses sentimentos de raiva e zanga estão relacionados com acontecimentos da sua vida depois da adopção. Assim sendo, o amor e o cuidado dos pais adoptivos, a relação estabelecida, têm um papel muito importante na cura destas feridas.

A qualidade das relações familiares, a informação e o conhecimento sobre o passado, as atitudes favoráveis do meio e a resolução bem sucedida dos sentimentos de perda e rejeição, todos estes factores contribuem para a formação da personalidade e identidade da pessoa adoptada (Triseliotis et al., 1997).

Muito embora os processos psicológicos envolvidos no processo de adopção sejam complexos, a experiência mostra que a adopção é, na realidade, a melhor alternativa para as crianças que são privadas da sua família de origem e que as crianças adoptadas conseguem, na sua maioria, ultrapassar com sucesso as “tarefas psicológicas” acrescidas com que se defrontam e, na grande maioria dos casos, a criança estabelece ou restabelece com os pais adoptivos laços afectivos fortes, próprios de uma verdadeira relação de filiação.

No documento Vinculação e adopção (páginas 83-88)