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3. Estrutura da tese

1.1. Reflexão em torno da democracia

1.1.4. A participação em democracia: a complementaridade da democracia

Apontados limites à representatividade e participação defende-se a complementaridade das duas formas de democracia de que falava Habermas (1995), quando referia que a soberania popular não se deve concentrar exclusivamente no

povo nem se pode tornar difusa no “anonimato do poder constitucional”. A soberania popular faz-se sentir como um poder comunicativamente gerado. Este poder decorre da interacção entre a formação da vontade juridicamente institucionalizada e dos públicos culturalmente mobilizados que encontram a sua base nas associações da sociedade civil distintas do Estado e da economia.

Nesta sequência, é apontada a necessidade de construir políticas e metodologias que potenciem essa participação. Reconhece-se o nível do território local como um espaço facilitador da interacção entre governo e sociedade civil e a possibilidade de uma maior transparência sobretudo ao nível das finanças locais.

O que se evidencia no debate actual sobre a democracia é a necessidade de aumentar os canais de participação do cidadão. Mozzicafreddo (2000) refere que não é só o problema da democracia que se debate na sociedade, mas também as formas de participação dos cidadãos nos processos de produção de uma legitimidade pública do poder político.

Como nos diz Teixeira (2001) podemos encontrar no debate teórico em torno da participação várias perspectivas. A democracia dialógica (Giddens, 1994); Acção comunicativa (Habermas, 1997); Empowerment (Fridmann, 1996). São formas diferenciadas de expressão e acção colectiva, com ou sem conteúdo político explícito, que dependem dos seus objectivos e contextos.

A perspectiva da democracia dialógica que incentiva a democratização da democracia dentro da esfera do regime representativo. Um ponto de partida para a análise destas questões é proposto pela recentemente designada “democracia deliberativa”, que alguns contrapõem à democracia liberal (Giddens, 1997).

A democracia deliberativa constitui um meio de chegar a acordo sobre programas de acção no campo político. Segundo esta concepção, a democracia não é definida pelo facto de todos participarem ou não nela, mas pela deliberação pública sobre questões de política. Num sistema representativo seria possível satisfazer os requisitos da democracia deliberativa, desde que se assegurasse a visibilidade daquilo que os representantes eleitos fazem.

Esta necessidade surge porque os indivíduos são também livres de ignorar a política quando assim entendam, e a legitimidade política não é mantida pelo simples facto de ninguém se preocupar grandemente com o que se passa nos bastidores, tendo todo o tipo de clientelismo e corrupção a possibilidade de sobreviver. Os impostos e os outros recursos utilizados pelo aparelho governamental ou estatal, podem ser

aplicados sem que a população saiba qual o seu efectivo destino. O grau de abertura a uma “inspecção” pública é muito reduzido (Giddens, 1997).

A deliberação é um estímulo à participação. A concepção da democracia deliberativa prevê formas participativas mais institucionalizadas, tendo em vista não apenas a discussão pública de um sujeito plural, como também o poder de decisão, à luz do estabelecimento – público e colectivo – de ideias ou princípios vinculados à promoção do bem comum (Cohen, 1975). O que distingue a democracia participativa da democracia deliberativa é precisamente o poder de decisão conferido nos processos participativos. A democratização deliberativa implicaria uma maior transparência em muitas áreas do governo em particular na gestão dos recursos financeiros.

O conceito de empowerment (Fridmann) defende a evolução nas concepções de autonomia e responsabilidade dos indivíduos, e de uma maior consciência dos mecanismos de discriminação e exclusão que se geram na sociedade. É realçada a necessidade de participação das pessoas mais desfavorecidas que se traduza num acréscimo de poder – psicológico, sociocultural, político e económico que permita a estes sujeitos aumentar a eficácia do exercício da sua cidadania.

Uma outra perspectiva de participação assente na liberdade do sujeito é dada por Alain Touraine.

Touraine (1994) refere que a democracia seria uma palavra bem pobre se não fosse definida pelos campos de batalha onde tantos homens e mulheres combateram por ela. Para este autor não basta a ideia de uma democracia de participação nem uma democracia de deliberação mas sim uma democracia de libertação. Ou seja, a acção democrática tem como objectivo principal libertar os indivíduos e os grupos dos constrangimentos que pesam sobre eles:

“O regime democrático é a forma de vida política que dá a maior liberdade ao maior número, que protege e reconhece a maior diversidade possível. (…) A grande dificuldade para a democracia passa a ser defender e produzir a diversidade numa cultura de massas” (Touraine, 1994:23).

Touraine, no contexto da participação, defende acima de tudo a liberdade do sujeito. Considera o sujeito como a construção do indivíduo (ou grupo) como actor, pela associação da sua liberdade afirmada e da sua experiência de vida, assumida e reinterpretada. O sujeito é o esforço de transformação de uma situação vivida em acção livre; ela introduz a liberdade naquilo que aparece primeiro como determinantes sociais e como uma herança cultural.

Ao discutir a participação em democracia um outro enfoque de análise é o das dificuldades da participação política na sociedade globalizada. A mundialização vai trazer profundas alterações às formas de exercício do poder para eleitos e eleitores. Quer do ponto de vista da estruturação das formas de decisão quer do ponto de vista das formas de contestação, a mundialização interroga a relação entre os vários níveis de exercício do poder: internacionais, nacionais, locais.

O problema da participação política dos indivíduos na globalização aparece na análise do processo de influência das instituições sociais e revela-se nas dificuldades do uso da liberdade política numa dimensão de anonimato e determinismo económico que o global transporta.

Ao indivíduo aparece uma globalização de padrões de consumo, de métodos e estilos que neutralizam de formas diferentes a vida de cada um. A universalização dos meios de comunicação levou à aldeia global informatizada. As próprias ideias transfiguram-se na magia da electrónica. O indivíduo tem dificuldade em encontrar o ponto de referência da reflexividade política, já que uma pergunta dá a volta ao mundo em segundos, diminuindo o tempo para reflectir.

A globalização criou as condições de uma nova e moderna visão do mundo, porém não conseguiu evitar ser igualmente uma fonte reveladora das imensas desigualdades sociais, das diversidades locais, nacionais e regionais que assim como interagem chocam-se nos limites da aldeia global.

A discussão sobre a participação política é revitalizada num contexto globalizado para que o indivíduo supere as barreiras impostas pela globalização e consiga desenvolver acções de cidadania dentro da própria sociedade global. Neste sentido é necessário encurtar o distanciamento entre as formas institucionais existentes, sejam jurídicas ou políticas, e a real possibilidade de reconhecer nas leis, nas instituições, as suas próprias leis e o seu próprio poder.

Há que considerar que o autoritarismo social, a hierarquização das relações sociais, revelado pelo tratamento desigual que a sociedade dispensa a ricos e pobres, instruídos e não instruídos, brancos e pretos, homens e mulheres é percebido “como um sério obstáculo à construção democrática” e que o aumento da racionalidade do homem moderno exige uma posição mais activa do que ser governado.

Neste sentido colocam-se desafios à prática participativa, como a qualificação técnica e política dos actores envolvidos, tanto do governo como da sociedade, assim

como a consolidação de uma cultura democrática e a sua tradução em métodos e procedimentos concretos que tornem possível a gestão compartilhada da sociedade.

O importante é que o desequilíbrio das instâncias negociadoras do bem-estar social desregulamenta a sociedade e põe em risco o regime democrático. A capacidade de cada cidadão encontrar espaços de poder no bairro, na fábrica, na escola, etc, faz parte de uma necessidade crescente de níveis de afirmação responsável sobre os seus próprios destinos e geram espaços de “empowerment” que não podem ser recusados. E não podem ser recusados não apenas por razões de ordem ética e política onde se considera que cada um tem direito a decidir sobre o seu destino mas também por razões que se podem apelidar de “funcionais” onde se considera que não há “eleito”, por mais bem informado que seja, que possa estar próximo do conhecimento da miríade de situações e da multiculturalidade das respostas que cada um pode dar.

Assim a democracia, em espaços de poder quotidianos, é um imperativo da própria complexidade e multiculturalidade de situações e de opções possíveis.

A participação envolve uma relação de poder entre actores diferenciados pelas suas identidades, interesses e valores. Claro que a democratização da democracia depende também do fomento de uma profunda cultura cívica. Cada vez mais se critica a omnipresença das grandes instituições que marcam as decisões da modernidade. Temos de pensar que a sociedade não é composta apenas por dois sectores: o Estado e o mercado, ou o sector público e o sector privado. Entre os dois encontra-se a área da sociedade civil, que inclui os indivíduos, as famílias e outras instituições de natureza não económica. A sociedade civil é o fórum onde as atitudes democráticas, incluindo a tolerância, têm sido cultivadas. A componente civil pode ser estimulada pelos governos para, por seu turno, se tornar a base onde eles se apoiam.

Não é por acaso que o apelo a novas formas de “governança” se traduzam exactamente na partilha de poder entre o público e o privado, em nome da eficácia e da justiça social.

“A modernidade tem vindo a ser caracterizada pelos processos de mundialização da economia assistindo-se, simultaneamente, a profundas mutações sociais. Acompanha a globalização da economia uma profunda alteração do Estado- Providência que tem vindo a interrogar a democracia e os processos de exercício da cidadania na sociedade moderna e, muito especialmente, a função da esfera pública

ao nível do que tradicionalmente foi o seu papel nos mecanismos de regulação social” (Guerra, 2000: 92)