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3. Métodos e técnicas de investigação

4.5 Discurso sobre a participação no Orçamento Participativo

4.5.3. Motivos que levam o cidadão a participar no Orçamento Participativo

Como motivos que levam o cidadão a participar no OP, qualquer dos grupos entrevistados refere como aspecto central as necessidades, o que tem como consequência, serem as pessoas mais carentes que participam mais. São estas que mobilizam as pessoas a participar dado que são “recompensadas” pela sua participação: quanto mais pessoas participam mais possibilidade têm de conseguir a concretização da obra para aquela localidade, por terem mais delegados a votar.

Figura 16 - Participação no OP: motivações do cidadão

Como o OP define obras (Velásquez, 1999), apresenta um forte carácter motivador para a participação. Devido às desigualdades sociais o OP terá a tendência de mobilizar os sectores mais desfavorecidos da população:

“É a necessidade. Então como as vilas e favelas são as mais desprovidas da infra- estrutura urbana em todos os aspectos, moradia, viário, escola, posto de saúde, os serviços básicos que a comunidade necessita, então a participação deles aqui na região leste é muito grande.” (Ent. 5: poder executivo)

“ (…) O OP pega precisamente as pessoas mais carentes e aquelas obras mais necessárias. Por exemplo, quem mora ao longo dos córregos que ainda temos muitos aqui com esgoto jogado a céu aberto é uma coisa deprimente e aí a pessoa que está ali briga para ter a solução desse problema.” (Ent.6: poder executivo)

“O pessoal menos favorecido é que participa mais, porque passava esgoto, não tinha rua, é lógico que o pessoal participava.” (Ent.4: poder executivo)

Necessidades

Idealismo Cidadania

Vocação/ Militância

- Resolução de problemas: grupos mais desfavorecidos - “Recompensa” pela participação

- Ter poder decisão obras - Descrença política - Gosto debate/discussão - Valorização das lideranças - Solidariedade

“O primeiro interesse é a necessidade de resolver o seu problema, ela quer resolver um problema que ela tem, seja da rua dela que não tem pavimento, seja do córrego que incomoda por conta do esgoto, da enchente, do morro que pode desmoronar, por conta da escola que é muito longe.” (Ent.11: poder legislativo)

“São os mais carentes de obra, o sujeito que vive com pouca qualidade de vida, esse sujeito quer ir para o OP para ver se consegue”. (Ent. 13: poder legislativo)

“Bom, eu acho que é a necessidade económica. Por exemplo, na Europa como a situação económica e financeira está mais equilibrada o indivíduo pode-se dar ao luxo de dizer: não me envolvo com política, não me interessa a política. No Brasil, não. Você tem todo um processo de recuperação de democracia que faz com que o cidadão se envolva mais nesse processo. Portanto, é o factor económico e também o factor político da liberdade democrática.” (Ent.22: técnico da prefeitura)

“É a necessidade e a sensação que vai ter uma melhoria na sua comunidade, muitas coisas são obras de ruas, obras estruturais de canalização que vai facilitar a vida das pessoas.” (Ent: 17: técnico da prefeitura)

“É a necessidade de obras. Geralmente quem se interessa mais é a comunidade carente mesmo, tanto que você não vê gente da zona sul, quem entra mais com obras são pessoas da periferia, gente ligada a vilas e favelas. A classe média participa pouco, quase nem aparece no OP.” (Ent. 27: liderança local)

“A comunidade de vila e favela vai mobilizar mais porque a comunidade da cidade formal já tem tudo o que é que eles vão mobilizar, se eles têm asfalto na porta, drenagem na porta, eles já têm tudo, então para nós de vila e favela é muito mais fácil mobilizar o povo do que a cidade formal. E é mais fácil devido à carência mobilizam muito mais.” (Ent.29: liderança local)

A “recompensa” pela participação é outro factor apontado para a mobilização. O facto da mobilização pelo número de participantes nas assembleias ter como consequência benefícios que compensam, levam as pessoas a participar (Luchmann, 2002).

O cidadão sabe que depende da sua participação a possibilidade da conquista de obras, pelo número de delegados que a região onde está inserido consegue eleger. As comunidades mais organizadas têm mais possibilidade de fazer passar as suas demandas. Ao mesmo tempo têm poder para decidir as obras, ou seja, aqueles empreendimentos votados pela comunidade são os que a prefeitura vai de facto executar. O resultado dessa conquista de obras é um factor preponderante para a mobilização:

“A participação da comunidade passa a ser fundamental porque se eu levo 500 pessoas eu vou lá ter um número maior de delegados, ai eu passo a ter 20 ou 25 delegados. A comunidade que leva 10 pessoas não vai ter direito a nenhum delegado. É isso que leva as pessoas a participar. Porque se você não levar a comunidade não tem ninguém para te representar como delegado da Comforça para defender a sua obra, defender a sua demanda.” (Ent. 13: poder legislativo)

“As pessoas participam assim que sabem que elas têm voz activa, ou seja, que as decisões delas influenciarão nos rumos da cidade.” (Ent. 2: poder executivo)

“O que eu acho que motiva mais é o vislumbrar das necessidades da população serem atendidas. O facto de se terem concretizado obras através do OP permitiu esta continuidade de 16 anos com pessoas participando.” (Ent.7: poder executivo)

“Eu acho que é muito em função da apropriação e do seu papel. A participação popular é mobilização, é você sentir que realmente vale a pena gastar o seu tempo em reuniões cansativas de discussão, de planeamento. Se você deixar as horas de descanso da sua casa, que já trabalhou o dia todo, para ir para uma reunião de comunidade discutir o que é melhor para aquela comunidade, não é fácil. O que é que tem de garantir isso? Uma boa mobilização, é você fazer um trabalho de convencimento dessas pessoas que se ela não estiver lá ela fica muito aquém de outras partes que estão organizadas ou ela pode deixar de ser escutada naquilo que ela mais precisa.” (Ent. 17: técnico da prefeitura)

“São os resultados da conquista das obras. É uma conquista é uma vitória é uma vontade de lutar. E eu estou à frente e com a minha garra com a minha disponibilidade estou mostrando para a nossa comunidade que as coisas não dependem só de um administrador mas muito mais de nós.” (Ent. 23: liderança local)

“São as obras, elas vêem as obras chegando e vêem que vale a pena ir lá e votar. Mas isso depende muito de a gente trabalhar para mobilizar mesmo, elas não vão espontaneamente, é uma mobilização trabalhada, a gente tem de correr atrás, bater de porta em porta, chamar o pessoal, lembrar da importância, lembrar o que nós já conseguimos com o OP e para ter novos ganhos mais uma vez tem de ir lá e brigar com os outros porque é uma pequena verba para várias comunidades, aquela comunicada mais organizada e mais mobilizada é que acaba ficando com os recursos.” (Ent. 28: liderança local)

A descrença política pode igualmente mobilizar para participar, quando dessa atitude se resolvem problemas que de outra forma as pessoas não acreditam que tenham solução por falta de confiança nos dirigentes políticos:

“O que mais leva as pessoas a participar desse movimento é a descrença política passada onde as pessoas deixaram de ter confiança nos dirigentes públicos. Então, as pessoas se unem de buscar a solução dos problemas mais rápido.” (Ent.26: liderança local)

Há também uma perspectiva que foca a vocação, vontade de participar e debater, como motivação:

“São as carências e as vocações. Tem gente que gosta de política, tem vontade de participar, o ser humano gosta de fazer debate, gosta de discutir, então junta as duas coisas.” (Ent.1: poder executivo)

“ (…) Tem também o idealismo, altruísmo que faz com que as pessoas participem mas o fundamental é a necessidade.” (Ent. 20: técnico da prefeitura)

O facto das comunidades e muito em particular as suas lideranças se sentirem valorizadas pelo facto do poder político as ouvir, reconhecer o seu papel na

participação das políticas públicas, lhes conferir poder de decisão na escolha de obras, mobiliza para participar. As lideranças são importantes no processo de mobilização. As comunidades sentem-se estimuladas por serem mobilizadas como agentes de envolvimento das localidades onde residem, e ao mesmo tempo criarem relações de vizinhança, conhecendo e apoiando os problemas dos outros. Cria-se com o tempo, pela interacção dos vários grupos e conhecimento dos problemas uns dos outros, um espírito de solidariedade a favor dos que têm problemas mais graves. Existe um sentimento de pertença comunitária e vontade de contribuir:

“Eu acho que é se sentirem importantes de estarem ali levando aquela obra e defendendo-a. Tendo reconhecimento naquelas lideranças que estão ali na plenária e conseguir a aprovação. Elas se sentem valorizadas por a prefeitura estar abrindo uma voz para aquela liderança que às vezes não era conhecida.” (Ent. 14: poder legislativo)

“Há uma mobilização e o cidadão se sente estimulado para ser um agente de envolvimento e de participação mínimo, ainda que não tenha nada de pessoal próprio na sua porta para resolver mas ele se sente estimulado e sensibilizado por se envolver com o problema da comunidade, da vizinhança, da proximidade ali e acha que pode contribuir. É uma motivação relacionada com a sensibilidade, o sentimento de solidariedade, o sentimento comunitário de pertencer a uma determinada área, de vontade de contribuir.” (Ent. 10: poder legislativo)

“ (…) Nós não tínhamos uma grande participação da classe média, hoje essa participação aumentou. Porque a classe média vai vendo que esse movimento é importante para ela também, não só pela conquista mas pela participação, pela interacção, pelo crescimento enquanto pessoa, para ela sentir o que é crescer enquanto cidadão. Quando eles percebem que a sua obra está em disputa com outra cuja população tem muito mais necessidade que eles, eles recuam, por solidariedade com aquele local que precisa muito mais.” (Ent. 2: poder executivo)

“As pessoas participam pensando em melhorias para elas próprias. Mas com o passar do tempo as pessoas que já tiveram obras começaram a participar para aquelas que ainda não tiveram pudessem ter, criou-se uma solidariedade para ajudar os outros. Esse é o grande espírito de solidariedade que se cria com o orçamento.” (Ent.27: liderança local)

Há quem faça uma distinção dos diversos tipos de participação, salientando aquelas pessoas que se mantém ao longo do tempo no processo e que acabam por se tornar lideranças e os participantes ocasionais. Weber (2005) já distinguia os “participantes activos” na política, que têm tendência a lutar pelo poder, e os “participantes ocasionais” que procuram influenciar a distribuição do poder. Este autor salientava que grande parte das pessoas em relação à actividade política limitam-se a intervir de forma irregular. Em regra, as pessoas só são politicamente activas em caso de necessidade.

Os participantes ocasionais no caso do OP aparecem para as plenárias, onde existe a necessidade de eleger delegados para a conquista da obra, e depois “desaparecem”:

“Tem diversos tipos de participantes. Tem aquelas pessoas que ao longo do tempo a gente vive reencontrando que soa aqueles que têm no sangue, no coração, na alma esse desejo de fazer alguma coisa pela comunidade que são as lideranças e alguns agregados. E temos os participantes ocasionais. É necessário fazer uma determinada rua, as lideranças comunitárias mobilizam as pessoas, minha gente têm de comparecer, então eles aparecem às plenárias em grupos e depois desaparecem. (Ent.4: poder executivo)

Sendo a motivação para participar no OP mais assente nas necessidades, encontra-se também uma motivação política sobretudo ao nível das lideranças que visam conquistar algum protagonismo e poder junto da comunidade.

O executivo considera que o Estado tem a função de formar o cidadão, em particular as lideranças mais activas neste processo para que estas possam estar mais preparadas para intervir. A prefeitura tende a investir nestas pessoas, capacitando-as com formação. Promove para o efeito diversos cursos:

“Muitas vezes os bairros que são atendidos param de participar mas também muita gente que já foi atendida continua a participar porque já abriu um espaço de interacção política nelas. Aí o processo de capacitação política é essencial, porque cria uma perspectiva de intervenção mais no âmbito da cidadania. O curso que promovemos agora para as lideranças comunitárias vimos a vontade de crescer que aquelas pessoas têm. Acho que o Estado também tem essa função de formação das pessoas, lideranças e comunidade em geral.” (Ent. 7: poder executivo)