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3. Estrutura da tese

2.1. Estado, cidadania e “Poder local”

2.1.1. Estado e cidadania: a procura de uma maior justiça social

A vida política e o poder giram directa ou indirectamente em torno do Estado4. Uma das discussões centrais em torno do Estado democrático é o cumprimento da sua função social em particular a responsabilidade de apoiar os grupos sociais mais desfavorecidos. O modelo político do Estado-Providência pretendia cumprir este objectivo. Em resumo, este modelo de Estado visava fomentar a solidariedade colectiva (em especial para os indivíduos/grupos mais desfavorecidos) através do fornecimento de serviços sociais básicos: saúde, segurança social, educação e habitação (Giddens, 1997).

Portas (1988) descreve as competências atribuídas ao poder local considerando duas grandes esferas da função do Estado moderno ou Estado- Providência: as que se dirigem à “reprodução” e as que se dirigem à “produção”. O primeiro bloco de competências, atribuídas aos municípios, terá correspondido à transferência de segmentos menos significativos para a política central da esfera da “reprodução social”.

É o caso dos equipamentos – nas áreas da educação, da saúde, da cultura e desporto, da valorização do património e da habitação. É o caso da gestão do espaço público e privado; da política dos solos; das redes de saneamento e circulação; da segurança dos cidadãos. Na esfera da “produção” a função estatal de fomento da actividade económica que pode caber aos municípios não deriva de atribuições formais nem tem correspondência com os recursos transferidos, podendo considerar- se muito indirecta.

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Dois autores, marcaram a análise do Estado no séc. XIX: Marx e Max Weber. Para Marx o Estado

não passa do poder da classe dominante que é utilizada não em benefício da ordem ou interesse geral mas para “governar” (submeter, oprimir e explorar) a classe dominada, recorrendo para tal a um aparelho de coerção que funciona de forma sistemática. Realiza, certas tarefas de administração, do interesse comum de toda a sociedade, sem que isso altere o seu papel e a sua natureza (Sá, 1986). Na teoria marxista, o Estado é visto como detentor de uma função de controlo social interno; a violência que contém é desencadeada por uma classe sobre outra, sendo parte integrante do processo geral de exploração do capitalismo. Max Weber, definia o Estado como “aquela comunidade humana que, dentro de um determinado território (o “território” é um elemento distinto), reclama (com êxito) para si o monopólio da violência física legítima.” (Weber, 2005:64). Apesar de colocar o Estado como uma relação de poder de homens sobre homens, Weber não o fazia em termos de luta de classes como Marx mas a sua preocupação era que o Estado usasse o seu poder para proteger as fronteiras da nação, para proteger o território (Parkin, 2000). Weber justificava o uso da “violência física” como monopólio do Estado dado que este possui legitimidade para exercer o poder.

A situação intermédia de Estado local de que fazem parte as autarquias imprime-lhe complexidade e características cujas especificidades interessa analisar com vista à compreensão das possibilidades da sua contribuição para uma maior cidadania e justiça social. “Por ser Estado, ordena o tecido social, mas por ser local, essa ordenação torna-se mais flexível, aberta a uma multiplicidade de novos actores e susceptível de co-ordenação. Por ser Estado, actua no sentido de uma mediação reguladora de conflitos, mas por ser local, mais facilmente esses conflitos poderão ascender ao seu interior (ou por ele serem abafados). Por ser Estado e local, um estado mais localizado, o mecanismo de dispersão das contradições que constitui é, todavia, simultaneamente contraditório e susceptível de se apresentar como uma nova plataforma de agentes e actuações, atravessada por novos tipos de consensos e conflitos” (Ruivo, 1988:19).

Como Estado o poder local é uma instituição política do conjunto social, institucionalizando processos de representatividade e concretizando diferentes representações simbólicas do poder. “As características conflituais do poder do Estado exigem que a sua acção seja analisada, simultaneamente, como agente e como obstáculo às transformações sociais, na medida em que ele próprio institucionaliza e desenvolve funções e processos contraditórios (…). O poder do Estado, na sua dimensão política e institucional, é um processo dinâmico e conflitual de representação da unidade social” (Mozzicafreddo e al.:86).

Ao contribuir para uma maior integração social o Estado local amplia o conceito de cidadania alargando os direitos sociais quando acciona políticas que visam privilegiar os grupos mais desfavorecidos. Pode-se considerar a cidadania como o conteúdo da pertença igualitária a uma comunidade política e afere-se pelos direitos e deveres que o constituem e pelas instituições a que dá azo para ser social e politicamente eficaz (Santos, 1999).

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, e em Portugal a lei Constitucional de 1997 valorizaram o poder de decisão dos Municípios, o que proporcionou uma melhoria considerável na prestação de serviços básicos como a saúde, educação, transporte e saneamento na esfera local. No sentido de institucionalizar o poder popular, a soberania como única forma de poder legítimo, em certa medida as leis orgânicas dos Municípios também se firmam como expoente para a efectividade dos valores e princípios que constituem o conceito de cidadania.

Os direitos sociais não se configuram como um direito ao exercício do poder, mas fundamentalmente como um direito à participação e à distribuição dos recursos materiais e das condições sociais que possibilitam a realização de um melhor nível de vida e propiciam a integração social. O elemento social da cidadania não se refere à capacidade de executar os direitos de cidadania, mas sim às possibilidades de atribuição de recursos e capacidades necessárias ao exercício desses direitos, que possibilitam o exercício político da cidadania por parte de indivíduos considerados estatutariamente iguais, mas que são, portadores de desiguais condições materiais e simbólicas (Mozzicafreddo, 2000).