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3. Estrutura da tese

3.2. Poder político e participação no Orçamento Participativo

3.2.2. O poder legislativo face ao OP

Pressão das decisões do OP em relação ao Orçamento

A criação do OP no Brasil não foi acompanhada de nenhum tipo de reforma legislativa que viesse alterar as prerrogativas dos vereadores na discussão orçamentária, até porque seria inconstitucional fazê-lo. No entanto, pode-se referir que existiu uma pressão junto dos vereadores para aprovarem um orçamento que passou pela discussão da população. Alterar o plano orçamentário definido pelo Executivo em conjunto com o OP poderia significar um desprezo do vereador em relação à vontade expressa por milhares de eleitores potencialmente responsável pelos votos que recebeu ou que ainda precisará para se reeleger.

A desvalorização do seu mandato, das suas funções no processo democrático, é a causa de grande parte do ressentimento sentido por alguns vereadores depois da criação do OP. A consideração da população que distinguia os representantes como os mais capacitados a discernir e promover o bem-estar público foi substituído por um “senso comum” de que a própria população é a mais indicada para identificar e resolver os problemas comuns. O argumento é o de que a população é quem vive diariamente as mazelas públicas e, por isso, conhece melhor do que ninguém o que lhes falta. Alcançada a possibilidade de decidir directamente, a população que participa dispensa a acção dos seus representantes.

Dias (2002) tendo como base a pesquisa realizada pelo Centro de Estudos urbanos de Porto Alegre sobre a posição dos vereadores (Poder Legislativo) em relação ao OP refere que as avaliações foram no geral positivas. Os méritos atribuídos ao mecanismo da participação relacionam-se com o potencial democrático da experiência. As críticas apontadas associam-se, fundamentalmente, à questão da institucionalização do OP, ao deslocamento do vereador no seu papel no processo orçamentário e às áridas relações que se vinham estabelecendo entre a Câmara de Vereadores e o OP.

Posição dos vereadores em relação ao OP

Dia (2002) da investigação que realizou em Porto Alegre sobre a posição dos vereadores em relação ao OP concluiu que é praticamente um tabu falar mal deste processo. Entre os vereadores da bancada que governa, o apoio é explícito: o OP constitui-se como uma possibilidade de democracia directa municipal. Já entre os vereadores da oposição, a opinião manifesta-se de maneira diferente. Muitas vezes existe um evidente conflito entre o que eles dizem positivamente a respeito do OP e o que verdadeiramente sentem e que acaba por se impor no seu discurso. A contradição é o elemento chave que denuncia o conflito, vivido por muitos vereadores da oposição, entre a crença na superioridade da representação e a “obrigação” de valorizar a participação.

A questão teórica que está no cerne do conflito que atravessa o discurso dos vereadores é a da origem e fundamento do poder político. O que deve influenciar as decisões políticas: a vontade directamente manifestada pela população ou a avaliação do representante legitimamente eleito para essa função?

Essa questão não encontra consenso na teoria democrática, como se referiu, mas o seu conflito é espelhado no constrangimento que os vereadores passaram a sentir com a criação do OP, sendo indiscutível que a intensificação do dilema entre representação e participação se constitui numa avaliação unânime entre os vereadores.

Mas a opinião dos vereadores acerca do OP não se restringe ao constrangimento provocado pelo dilema da teoria democrática e levanta outro conjunto de questões que devem ser analisadas. Na avaliação do OP os vereadores dividem-se em dois grupos: os que consideram a representação política um mecanismo de decisão superior e os que tomam a participação como um valor político prioritário. O primeiro grupo, formado por vereadores de oposição ao governo, defende que os representantes são mais bem informados, mais interessados nas questões políticas e, consequentemente, mais capacitados para a tomada de decisões. O segundo grupo, de apoio ao governo, defende a participação política como um processo que possui um efeito educativo sobre os participantes, qualificando progressivamente o debate político e ampliando o alcance das decisões que são tomadas. Dentro do primeiro grupo, a questão da capacidade dos representantes é reforçada pelo argumento da ignorância dos cidadãos atribuindo à

formação intelectual um papel fundamental na qualidade da decisão política. Para além da falta de instrução, para contestar a participação atribui-se ao cidadão comum uma visão diminuta do processo decisório pois restringe-se ao seu interesse imediato deixando de lado o conjunto de problemas da cidade.

Relacionada com esta questão há uma categoria de opinião que ressalta a incapacidade do povo, em geral, em oferecer respostas viáveis a eficazes para os problemas da cidade em virtude da complexidade da peça orçamentária.

Contrariando estas perspectivas, um conjunto de vereadores favoráveis ao governo, realçam a crença no efeito educativo da participação política e no conhecimento que após vários Orçamentos Participativos, vão adquirindo sobre a cidade como um todo.

Entre o argumento da superioridade da representação e o da qualificação do processo decisório a partir de mecanismos de participação directa recoloca-se o dilema da teoria democrática. Qual é o sentido da representação nas democracias contemporâneas: apreender o interesse colectivo, através do controle das paixões ou viabilizar o ideal democrático do governo que se exerce pelo povo? Qual deve ser, portanto, a natureza do mandato, livre ou imperativo? Teoricamente, a noção de bem comum, construída pelo julgamento imparcial dos representantes, deve prevalecer sobre os interesses sectoriais ou “opiniões faccionais”. Persiste uma questão que é a de saber de onde deve ser extraída a noção de bem comum, do julgamento consciente do representante ou da vontade que se manifesta directamente?

Na procura de uma solução para estas questões, a eficácia governamental funciona, como o “fiel da balança”; o que produz os melhores resultados políticos: a técnica e a competência ou a percepção mais acurada daqueles que vivenciam diariamente os problemas colectivos? O termómetro dessa eficácia será a percepção de bem-estar pelo maior número possível de cidadãos; ou seja, quem recebe as decisões é quem deve julgá-las. Nesse sentido, a representação contemporânea não consegue se desenvencilhar do ideal democrático de participação.

3.2.3. Debate em torno da institucionalização do OP