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3. Estrutura da tese

3.3. Processo de participação no Orçamento Participativo

3.3.3. Conflitos e procura do consenso

Conflito no âmbito da democracia representativa

Um dos primeiros aspectos institucionais de conflito é de âmbito legal, dado que o OP quando iniciou em Porto Alegre não tinha reconhecimento jurídico formal. Como refere Santos (2002), a questão da legalização do OP foi um dos tópicos mais relevantes no conflito permanente entre o corpo Executivo e o Legislativo. Os conflitos foram sendo acomodados, passando da fase de discussão à negociação própria do jogo democrático. No decorrer deste processo, um certo consenso foi estabelecido em torno da prática participativa de debater o orçamento estadual. O consenso intra-elites abriu espaço para que a população deliberasse não só sobre a alocação dos recursos destinados ao OP mas, posteriormente, sobre o próprio projecto de lei orçamentária (Farias, 2003). A Câmara de Vereadores é livre de aprovar, de modificar ou de rejeitar essa proposta. Contudo, visto que a proposta do Executivo é sancionada pelas instituições do OP e, portanto, pelos cidadãos e pelas organizações e associações de cidadãos e, a proposta orçamental do Executivo torna- se, para a Câmara Legislativa um facto consumado, tendo em conta os riscos políticos que os deputados correriam se votassem contra a vontade dos das comunidades (Santos, 2003).

No fundo este conflito tem por detrás o problema da representatividade, como salienta Santos “trata-se de um problema que ecoa outro bem mais amplo, o da relação entre democracia participativa e democracia representativa. A tensão entre as duas formas de democracia parece constitutiva das democracias modernas pois nem a prática política nem a teoria política democrática têm sido capazes de formular outra relação entre elas que não seja a relação de soma zero: a expansão de qualquer delas só poder ser obtida à custa da restrição da outra (Santos, 2003:116).

Conflito na democracia participativa

À medida que se amplia o âmbito de decisão e o público do OP se torna mais intensivo e exigente o processo de discussão e de negociação política com vista a encontrar consensos aumenta.

Parece claro que a democracia participativa exige uma transparência entre acção política e resultados muito superior àquela que é típica da democracia

representativa. Essa transparência depende de três factores principais: da gestão eficaz das acções de participação; da sua relação directa com os resultados concretos; e da capacidade de “retorno” das estruturas de delegação e representação que emergem no interior da democracia participativa (Santos, 2003)

Wampler (2007) refere que apesar de o OP ser um processo organizado em torno de assembleias, existe um formulário para organizar e limitar a manifestação das preferências. A escolha dos empreendimentos é feita por representantes e não pelo conjunto da população que se apresentou na primeira rodada, antes da votação final os representantes das diversas “unidades de planeamento” juntamente com representantes do poder público podem-se reunir em subgrupos para discutir e compor a lista de empreendimentos que apresentarão na plenária final de modo a que esta plenária possa ser apenas uma instância para referenciar a decisão construída ao longo de todo o processo. Existe uma grande possibilidade de em todo este processo existir a actuação de grupos relativamente pequenos e intensos no decorrer de todo o processo decisório. Há uma troca de recursos de poder que consiste na negociação de obras por troca de votos. Cada um dos grupos se compromete a votar na obra um do outro no fórum final de decisão.

Importância das regras na gestão do conflito

O OP implica a manifestação de interesses diversos, os quais para serem expressos dependem da acção solidária de vários indivíduos com vista a conquistarem o empreendimento que propõem. A lógica do OP parece conter as manifestações dessa solidariedade nos diversos momentos de negociação que precedem a aprovação final dos empreendimentos que vão ser executados. Dentre estes momentos destaca-se a “caravana das prioridades”.

Souza (1998) analisa os processos políticos gerados pela forma como são definidas as políticas públicas e alocação de recursos via orçamento público. Enfatiza o papel das regras, formais e informais, que promovem a minimização dos conflitos gerados pelas demandas antagónicas – cerne do processo decisório sobre políticas públicas – e dos conflitos gerados pelas pressões sobre recursos escassos – cerne do processo orçamentário. A autora argumenta que embora decisões sobre políticas públicas e alocação de recursos orçamentários sejam em geral, sujeitas a conflitos,

existem mecanismos que foram implementados no Brasil nos últimos anos que incentivaram a cooperação e a acção colectiva.

O papel da procura de consensos no sucesso do OP

Existe consenso na literatura de que apesar dos problemas, tensões e resultados não previstos do OP, a experiência tem sido bem sucedida quanto à construção de formas de acesso do cidadão ao processo decisório local, por indução dos governos. Essa visão de sucesso contraria em parte a literatura sobre participação, em geral céptica quanto às possibilidades de participação popular construídas pelo Estado, como já se referiu.

A literatura sobre o OP no Brasil avalia-o como bem sucedido no que se refere aos seus objectivos. Entre as razões de sucesso, aponta-se o seu papel na promoção de consenso sobre as acções governamentais.

A construção de consenso resulta do desenho do OP, isto é, das regras para o seu funcionamento e para a tomada de decisões e dos critérios para a escolha dos representantes das comunidades. Ou seja, uma vez decididos os objectivos que deveriam ser atingidos pelo OP – taxar os que têm capacidade de pagar e incentivar a acção colectiva, o desenho do seu funcionamento reflecte a tentativa de alcançar o segundo objectivo.

No entanto, a construção de consenso reduz o papel tradicional de instituições formais, como a burocracia e o legislativo local. Essa questão é particularmente sensível entre os delegados do OP e os vereadores. A aprovação final do orçamento é da competência constitucional do Legislativo. Onde desenhar a fronteira entre essas duas formas de representação de interesses está longe de estar claro. Essa questão está no centro do debate corrente sobre o funcionamento do sistema representativo em países democráticos heterogéneos social e politicamente e que perseguem políticas participativas. Com políticas como o OP, os vereadores são instados a partilhar a sua prerrogativa de decidir sobre o que muitos vêem como o seu principal papel, isto é, a alocação de recursos públicos não só com o Executivo, mas também com os segmentos sociais organizados em torno do OP (Souza, 1998).

O que fez os governos locais optarem por tamanha abertura no processo decisório que o OP transporta?

No caso dos governos locais, a cooperação pela via do OP foi a estratégia política de partidos de esquerda, em especial o PT, para adquirir e manter capacidade de governar, dado que o partido, em geral, não contava com a maioria no legislativo.

A construção de consensos e de cooperação em territórios iminentemente conflituosos, como as decisões sobre políticas públicas e alocação de recursos orçamentários, não está isenta de problemas. Mecanismos e regras voltados para a acção cooperativa não significam que, automaticamente, somente as melhores políticas serão adoptadas, nem que os recursos públicos estarão isentos da captura de interesses escusos. `

3.4. O Orçamento Participativo na América latina e Europa