• Nenhum resultado encontrado

3. Métodos e técnicas de investigação

4.5 Discurso sobre a participação no Orçamento Participativo

4.5.2. Motivos que levam o poder executivo a desenvolverem o Orçamento

Os motivos evidenciados para o poder executivo desenvolver o OP transmitem uma preocupação central que é a do reforço da legitimidade das decisões. A verdadeira legitimidade democrática implica que os governados escolham livremente os governantes e participem em decisões das políticas públicas (Touraine, 2004). Também, como já se referiu, na interpretação de Lipset, a participação política constituí um valor associado à legitimação das transformações estruturais introduzidas pelos governantes, as quais, em função do grau dessas transformações tendem a desejar e a requerer, de forma controlada ou não, elevados níveis de intervenção dos cidadãos. A exclusão de largos sectores da população da arena

política constitui um factor de significativa instabilidade das democracias, enquanto o envolvimento regular dos cidadãos em actividades que lhes transmitam um sentimento de participação nas decisões que os afectam contribui para o reforço da legitimidade do sistema político.

Figura 15 - Motivos OP: Poder executivo

O que significa esta legitimidade? Para além do acto eleitoral, há a perspectiva que esta legitimidade se deve prolongar pelo período de gestão do governo o que implica representar os interesses dos vários grupos sociais. Sendo, necessário para isso, aproximar as pessoas da gestão pública:

“O Partido dos Trabalhadores quando instala o OP era muito em função do compromisso filosófico partidário de realmente estar contando com a participação na gestão pública, se sentindo um representante do povo conferida pelas eleições mas querendo mais legitimidade na sua representação. Quando o OP começa aqui vem dentro dessa filosofia do partido de aumentar a participação não só na hora de eleger mas também durante o processo de gestão.” (Ent. 15: técnico da prefeitura)

Por outro lado, ela implica a definição dos objectivos da participação que, no caso do OP, são a inclusão das populações no processo de decisão das obras locais face à limitação dos recursos existentes e à necessidade de resolver inúmeros problemas. A credibilidade deste processo junto das comunidades constituiu um factor de credibilidade no governo reforçando a sua legitimidade:

“ (…) Chegou-se à conclusão que a melhor maneira da participação popular efectivamente era através das obras votadas pela população. Porquê? Porque a prefeitura não tinha verba para fazer grandes obras, obras estruturantes, que talvez tivesse que fazer

Legitimidade das decisões Ideologia do Partido (PT) Eficácia do Estado - Favorece participação - Chegar aos mais necessitados

- Inversão de prioridades

- Limite recursos - Resolução problemas

- Poder decisão sobre obras

- Credibilidade

- Diálogo com população - Ordem social - Diminuição clientelismo - Conhecimento do funcionamento máq. Administrativa - Descentralização e transparência

uma discussão com a cidade. Não havia grandes obras, a prefeitura tinha poucos recursos de investimento e a maneira que se achou depois de muito debate foi o OP. O OP era a população votando nas obras que considerava prioritárias para a sua regional”. (Ent. 1: poder executivo)

“ O cidadão vota na demanda local que ele precisa, seja a abertura de uma rua, uma praça, uma escola, um centro de saúde, ele nunca participou de reuniões mas em função dessa demanda ele vai participar”. (Ent.9: poder legislativo)

“ Este governo que está agora na prefeitura ao ouvir as necessidades do povo, eles não vão só fazer aquilo que lhes interessa mas aquilo que o povo precisa. (…) As obras que a gente ia conquistando iam sendo realizadas e então o OP ganhou credibilidade junto das comunidades”. (Ent.29: liderança local)

A legitimidade das decisões está associada à ideologia do partido que governa (PT) que defende a democracia participativa e o OP como uma das políticas de participação directa do cidadão, ou seja, há uma alteração na forma de governar:

“O Partido dos Trabalhadores quando instala o OP era muito em função do compromisso filosófico partidário de realmente estar contando com a participação na gestão pública, se sentindo um representante do povo conferida pelas eleições mas querendo mais legitimidade na sua representação. Quando o OP começa aqui vem dentro dessa filosofia do partido de aumentar a participação não só na hora de eleger mas também durante o processo de gestão”. (Ent. 15: Técnico da prefeitura)

“O governo eleito está legitimado em democracia. Agora, o OP é mais influência do Partido dos Trabalhadores. A democracia é um direito de todos, então o pessoal entende que para esse processo democrático popular, o povo deve participar”. (Ent. 1: poder executivo)

“Na época, o objectivo da gestão era trabalhar com uma lógica de alterar a forma de governar. Com essa ideia de fazer uma democracia participativa, uma democracia directa”. (Ent. 10: poder legislativo)

“A prefeitura conseguiu do ponto de vista político que as comunidades interferissem na gestão dos recursos públicos. Porque aqui dentro da nossa comunidade a gente está dizendo o que quer e o que não quer. Se tornou mais democrático e popular. A comunidade que não tem acesso ao poder, ela passou a ter acesso a uma parte do recurso público, faz indicações dessa pequena parte mas faz e sem o OP ela não teria como fazer”. (Ent.25: liderança local)

A existência de canais diversificados de participação é entendida como um instrumento influente no incremento da predisposição para os cidadãos anuírem voluntariamente às regras e às determinações dos governantes. Isto porque se os cidadãos puderem intervir na selecção dos eleitos e expressar os seus pontos de vista sobre os assuntos públicos aceitarão com mais facilidade a legitimidade das decisões políticas, mesmo que não concordem com elas.

Daí que ao nível do exercício do poder, o factor ideológico, muito associado aos valores de quem detém o poder, constitui um factor explicativo da implementação da participação directa do cidadão.

“ (…) Portanto, o OP eu diria que é uma política de iniciativa partidária é uma decisão de governo, pode chegar outra administração e acabar com isso.” (Ent. 2: poder executivo)

O reforço da legitimidade das decisões, para além da iniciativa do partido que detém o poder, relaciona-se com a eficácia do Estado através da participação. São evidenciadas questões como o diálogo e a importância da ordem social (Alexander, 1987) para governar. A ordem social, estabelece-se através de uma maior proximidade e cooperação entre o poder e o cidadão que contrarie a desconsideração e atitude crítica que este cada vez mais tem com o poder público e reforce valores como a dignidade e honestidade:

“Foi para incentivar o diálogo entre o poder público e a população, e não só aproximar mas prestar um serviço de melhor qualidade atendendo à necessidade real. É mais fácil conversar com quem precisa e saber se eu posso fazer do que do meu gabinete eu tomar decisões que não sei qual será o impacto sobre a cidade” (Ent.15: técnico da prefeitura)

“Hoje eu acho que nós atingimos um nível democrático no nosso país bastante alto, então há que respeitar essa participação, há que respeitar esse aumento de consciência política do nosso povo. Isso trás proximidade, isso fortalece o Estado. (…) Porque é que fortalece? Porque as instituições públicas, elas estão fracassadas, estão desconsideradas, o povo hoje já não acredita em mais tudo. Então, é preciso trazer para junto, para o povo ver que tem uma forma de trabalhar séria, digna, honesta. A quem representamos? (…) O poder público se ele não aproxima o cidadão vai-se criando um caos administrativo e político. Não se consegue governar porque o povo já tem um forte índice de criticismo, de perceber se a coisa vai bem ou não vai bem. É melhor você estar de perto acompanhando do que manter as pessoas afastadas e sem entender o processo”: (Ent. 1: poder executivo)

“Queriam contrariar a forma de aprovação de obras, que era muito na base dos vereadores reunirem com o perfeito e tentarem aprovar obras de acordo com os pedidos das comunidades da sua influência”. (Ent. 12: poder legislativo)

A diminuição do clientelismo, é outro aspecto evidenciado como tendo diminuído com o OP. Este clientelismo sustentava-se, em parte, pelo facto dos vereadores tentarem “conquistar” obras junto do prefeito. Essas obras seriam realizadas nas suas áreas de influência eleitoral e com isso visavam conquistar votos fazendo dessa conquista a “sua” obra. Com o OP esse papel intermediário deixa em muitos casos de fazer sentido o que originou uma perca de poder por parte dos vereadores:

“Eu acho que foi para tirar aquela coisa de posse que aqueles vereadores tinham, que eram eles que alcançavam a obra que passava a ser de tal vereador. (…) Com o Orçamento acabou com aquele clientelismo: a comunidade precisa de uma rua arranjada, vai no político tal que ele vai resolver. Com o OP não precisa mais. Então esse político perdeu um pouco de poder, isto ao nível dos vereadores e deputados. Então, o cidadão não precisa mais de andar a “mendigar” aos políticos a obra, ele participa, ele mesmo dá o voto dele e não precisa de intercâmbio”. (Ent. 28: liderança local).

Uma visão mais crítica é apontada ao considerar que o poder executivo precisa ir buscar ideias e inspiração às comunidades das obras a realizar, parecendo não ter ele próprio essas ideias e levantamento dos problemas:

“O OP é uma maneira que o poder executivo achou para buscar ideias. Porque quem faz o orçamento é o prefeito. Mas ele decidiu buscar nas comunidades ideias e aprovação para determinadas obras até um certo limite. Seriam obras sociais, a população então discute, debate, vota e escolhe. É o sonho filosófico do partido, tentar buscar no povo a inspiração para o que deve fazer” (Ent. 13: poder legislativo).

Há factores, já enunciados nos trabalhos de outros investigadores, que referem que a participação se reflecte numa aprendizagem por parte de quem participa (Faria, 1996; Silva, 2001; Avritzer, 2003).

Relacionam-se, com a interacção e diálogo que permite à população ser ouvida sobre o destino dos recursos; a aprendizagem sobre a governação e o conhecimento do funcionamento da máquina administrativa:

“O OP, ele amplia o espaço de participação da população e ele também amplia a possibilidade da população ser ouvida sobre o destino dos recursos”. (Ent. 4: poder executivo)

“Queríamos fazer com que a população entendesse um pouco mais qual é que era a forma de funcionamento do poder municipal porque até então era um negócio muito desconhecido para a população, conhecer um pouco por dentro a máquina administrativa, ver um pouco como funcionava, uma vertente pedagógica” (Ent.10: poder legislativo)

A descentralização conduz a um maior crescimento económico e social (Portas, 1998) e a transparência nos gastos públicos é fundamental para contrariar a desconfiança e alheamento do cidadão em relação à administração (Mozzicafreddo, 2001). Estes dois aspectos, descentralização e transparência, na opinião dos entrevistados, influenciaram o governo a desenvolver o OP e a governar melhor:

“O grande objectivo da administração pública para ter um instrumento de participação popular como o OP é aumentar a transparência no que se refere aos gastos públicos através de uma voz que é dada à população que pode ter um outro mecanismo para

além das eleições dos seus representantes, mais directo de decisão e de interferência na locação dos recursos públicos”. (Ent. 3: poder executivo)

“A cidade é muito grande, com dois milhões e meio de habitantes. Tem nove administrações regionais e precisava dividir, para governar melhor. Porque senão não dá conta de cuidar da cidade. Isso é uma tendência moderna de governar. E mais, essa descentralização é fundamental para governar e o OP ajuda também a descentralizar”. (Ent. 12: poder legislativo)

“Se há a centralização das actividades nas mãos de uma pessoa ela não tem condições operacionais de desenvolver um bom trabalho. Entretanto, se você capacita diversas instâncias com determinadas atribuições a promover o processo como o organismo público se propõe a desenvolver fica muito mais tranquilo, (…) a parte orçamentária está descentralizada de acordo com as unidades de planeamento e cada um gerência até um determinado nível. Porque se uma pessoa centraliza tudo como é que ela vai chegar na linha da frente e descobrir o “beco”. (Ent. 15: técnico da câmara)

“Eu quando penso no OP verifico que a prefeitura conseguiu atingir áreas que ela não atingia antes, ela conseguiu atingir comunidades que ela não atingia anteriormente. (…) A prefeitura conseguiu dividir a cidade em pequenos sectores e destinar verbas que provavelmente para o gestor público são insignificantes. Conseguir que do ponto de vista político as comunidades interferissem na gestão dos recursos públicos” (Ent. 25: liderança local).

Antes de passar para as motivações que levam as pessoas a participar no OP, pretende-se evidenciar um aspecto que foi referido pelo poder executivo e lideranças comunitárias e que é a pressão que o movimento associativo e comunitário teve junto do poder para desenvolver uma política de participação. Villas-boas (1994) salientava a pressão do movimento associativo para que direitos sociais fossem reconhecidos assim como a capacidade da sociedade civil interferir no Estado.

Apesar da iniciativa de implementar o OP ter sido do executivo, parece que a pressão do movimento associativo contribuiu para esta iniciativa e sobretudo facilitou o posterior desenvolvimento do OP:

“O Orçamento Participativo tem um vínculo com a história política da cidade. Então, os espaços onde existiu uma luta popular, uma luta por conquistas, uma organização social, isso facilitou o surgimento do OP. No caso de Porto Alegre existia uma história política e associativa que se reflectiu na organização do OP lá. Aqui em belo Horizonte também, não era só o PT que fazia essa discussão mas também a esquerda, os conselhos populares com essa ideia de democracia directa, ela confluía para isso. No momento em que surge um governo com essa orientação há uma unidade com os movimentos sociais que já tinham a sua própria organização.” (Ent. 7: poder executivo)

“ O Prefeito que iniciou o OP, ele conhecia bem o problema das vilas e favelas porque andou por aqui não só para buscar os votos mas para conhecer os problemas. (…) Quando foi eleito penso que não fui só eu que cobrei mas de todas as vilas e favelas ele

deve ter recebido pressão, então ele pertencia ao PT, ele e a equipe dele criaram o OP creio eu que não foi assim de graça mas que teve as cobranças nossas” (Ent. 23: liderança local)