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3. Métodos e técnicas de investigação

4.5 Discurso sobre a participação no Orçamento Participativo

4.5.4. Atitude dos técnicos em relação ao OP

A atitude dos técnicos em relação ao OP evidencia uma primeira resistência. Esta atitude fundamenta-se numa questão colocada pelos próprios técnicos que referem não ver a necessidade de envolver as pessoas na escolha das obras porque o povo em geral não possui os conhecimentos necessários para essa intervenção.

Figura 17 - Atitude dos técnicos em relação ao OP

1º Momento: resistência dos técnicos:

Porque o “povo” tinha de opinar sobre obras?

2º Momento: Colaboração dos técnicos:

Debate e discussão com a comunidade aprimora o conhecimentotécnico

A visão de Weber, já referida anteriormente, de que a complexidade dos problemas exige o recurso a especialistas e é incompatível com a soberania popular.

Os impulsionadores do OP não questionam a necessidade de especialistas mas não a consideram incompatível com o contributo do cidadão que conhece a localidade onde reside, sobretudo para algumas intervenções nas comunidades locais. No início o OP teve de ser imposto politicamente. Para isso contou com a força da máquina do partido no governo (PT) que apoiava o desenvolvimento deste processo como uma prioridade da sua gestão.

Só num segundo momento, depois da experiência de interacção com a população, os técnicos consideraram importante o debate com a comunidade e de uma forma geral apoiam o OP:

“Agora a máquina é que está a absorver o OP, no início era toda contra. Os funcionários públicos falavam que era um absurdo o povo estar a decidir obra. Para quê consultar o povo, o povo não sabe nada. (…) Porque na verdade o técnico defendia isso muito mais por uma questão ideológica do que técnica. Porquê? As obras que a população decide é ele que faz, o técnico é que desenha, que calcula. Agora a população muitas vezes rejeita, diz: não quero isso, não quero uma rua com essa inclinação, não quero uma escada, quero uma rampa e isso é discutido. (…) Dá mais trabalho para os técnicos fazer esse debate, essa discussão. Mas do ponto de vista do conhecimento dele vai aprimorar o seu conhecimento. Por isso a questão da resistência foi ultrapassada pelos resultados positivos que os próprios técnicos retiraram do debate com a população.” (Ent. 1: poder executivo)

“Existiu muita resistência dos técnicos. Mesmo hoje passados 13 anos ainda existe resistência ao OP por parte de alguns. Agora, a resistência dos técnicos também é uma questão de poder: eu sei tenho poder. E também essa administração democrática é muito trabalhosa, têm de escutar as demandas de todo o mundo. Agora para um projecto, o técnico pode fazer um levantamento, pode perguntar, mas de qualquer maneira ela é autoritária porque é uma solução mas podem ser várias soluções. Um projecto técnico pode ter várias soluções e aí quando você vai discutir com a comunidade existem várias opiniões. Então o que é que o técnico tem de fazer? Ele tem de pesquisar com a população, ver qual é a tendência daquele pessoal e ver se a sua técnica você consegue colocar ali. Você não pode ter só uma opção senão é muito autoritário para eles, se você tiver várias opções pode chegar num consenso. Hoje, se você perguntar à maioria dos técnicos eles acham que o OP foi um programa excelente mas no início teve de ser importo politicamente.” (Ent. 2: poder executivo)

Já se referiu que foi o poder executivo que “impôs” aos técnicos esta forma de administração que incluí as pessoas no processo de decisão das obras. Houve um primeiro confronto dos técnicos com a nova forma de gestão com o argumento da posse de conhecimentos ao qual a gestão política argumentou com a necessidade de utilizar o conhecimento que as pessoas têm por viverem na localidade. Para mediar alguns conflitos que se desenvolvem neste processo de interacção com as

comunidades a prefeitura conta com a gerência do OP regional que tem a autoridade para intervir nestas situações.

É realçada a preocupação da gestão pública apresentar um trabalho de qualidade e que as pessoas de facto utilizem as intervenções realizadas, “não adianta fazer uma obra de um investimento alto e a comunidade ficar insatisfeita e detonando a prefeitura”:

“No começo era mais difícil. Porque, técnico por princípio não quer a interferência da comunidade, ele acha que estudou, tem o parâmetro técnico, ele é que entende e a comunidade tem de aceitar o que ele quer e pronto. E nós vimos que não é assim, quem sabe da necessidade é quem mora no local. É certo que tem determinados momentos que a comunidade interfere com coisas que não é necessário. Então o papel da Gerência do OP regional é muito essa de controlar isso, tanto da parte técnico no trato com a comunidade ver o que ela quer como o trato da comunidade para também saber tratar o técnico. (…) Também não adianta o OP ser participativo e o técnico não deixar que essa opinião venha por mais errada que ela seja. Mas muitas vezes eles dão uma opinião que está correcta e que vem ao encontro de melhorar o empreendimento. Porque também não adianta você fazer uma obra de um investimento alto e a comunidade ficar insatisfeita e detonando a prefeitura.” (Ent. 5: poder executivo)

De uma forma geral, o poder executivo, conforme se pode ler nas transcrições anteriores, explicam a primeira resistência por parte dos técnicos, pelos seguintes motivo. Primeiropor uma questão ideológica e não tanto técnica porque as obras que a população decide são depois sempre executadas por técnicos, por isso eles não perdem essa intervenção. O que acontece, no caso do OP, é que têm de explicar e discutir com a população as opções que tomam. Isso dá mais trabalho para o técnico apesar de trazer uma mais-valia de aprimorar o conhecimento.

A segunda razão tem a ver com questões relacionadas com o poder que o conhecimento técnico tem e havia um certo receio de o perder. Com o tempo verificaram que a autoridade continua a ser técnica mas partilhada com o cidadão e isso confere uma maior aceitação dos projectos. Porque fazer um investimento em que a comunidade fica insatisfeita, prejudica a imagem da prefeitura e dos próprios técnicos.

É realçada igualmente a aprendizagem que a comunidade com o tempo faz com o contacto que tem com os técnicos:

“A parte pedagógica é muito interessante, no início os técnicos, engenheiros quando iam conversar com as comunidades, eles diziam, o que é que nós vamos conversar eles não entendem, mas com a evolução do processo a gente percebeu que em pouco tempo essas comunidades já falavam a linguagem dos técnicos e engenheiros, falavam a jusante e a

montante, usavam para as diversas demandas a linguagem de muitas das técnicas utilizadas na construção.” (Ent. 4: poder executivo)

A própria perspectiva dos técnicos refere a primeira atitude de resistência à discussão das obras com a comunidade pela formação académica conservadora que considera o conhecimento científico/técnico “superior” ao conhecimento do senso- comum. A validade científica/técnica, no processo de tomada de decisões políticas, é um dos factores de legitimação da decisão, mas não é o único. Vários critérios devem ser utilizados, incluindo o da própria participação pública (Burns; Flam, 2006).

Para o técnico ser contestado por um morador para quem considera que tem o conhecimento é bastante negativo. Por outro lado, o OP diminui o poder do técnico, porque este apenas dá as directrizes mas quem escolhe as obras é a população. Isso sem dúvida tem um impacto negativo para um corpo técnico que está habituado a tomar as suas decisões:

“Acho que é universal uma atitude de resistência dos técnicos. Eu sou engenheiro civil, a nossa formação académica é uma formação conservadora, o corpo docente é conservador, a visão que eles nos passaram é de que quem detém o conhecimento são os engenheiros, os arquitectos. (…) A sua primeira reacção ao ser contestado por um morador é de nem dar ouvidos, virar as costas e ir embora mas você percebe que se fizer isso a sua intervenção não vai acontecer porque eles vão impor resistência tal que vai impedir que a empreiteira trabalhe. (…) Agora, o que o OP diminui para o técnico é o poder. Você não vai decidir mais obra. Dá as directrizes, faz a legislação específica, e mesmo essa é feita com a participação do movimento popular, da sociedade civil, com a academia, instituições de ensino. Dá as directrizes e apresenta para a comunidade para que ela escolha qual é a demanda que ela quer. E depois você diz se é viável fazer o que eles querem, também. Esse é que pode ser um impacto mais negativo para um corpo técnico que estava habituado a tomar as decisões, a decidir o que é que é bom e o que é que é ruim, mas isso é um primeiro impacto que é normal. Tem poder para apontar caminhos mas quem vai decidir o que vai ser feito é a comunidade.” (Ent. 15: técnico da prefeitura)

São referidos alguns aspectos internos do funcionamento da organização necessários para o sucesso do OP, assim como a abertura dos técnicos à participação da comunidade. É realçada a importância dos técnicos para o processo, o facto de o OP trazer mais trabalho dada a necessidade do debate e discussão com a população. No entanto, são evidenciados resultados positivos do debate com a população essencialmente porque permite recolher informação da comunidade.

Os públicos tendem a alargar o leque de questões a analisar, por comparação com as que os peritos introduzem nos sistemas de gestão. Estudos confirmam a capacidade das pessoas contribuírem para o processo de construção do conhecimento necessário à tomada de medidas de gestão. O estudo destas experiências revela, além

disso, que a adopção de métodos pró-activos na interface entre técnica e democracia é de molde a reforçar o processo de aprendizagem pública, quer no plano científico, quer no plano democrático (Gonçalves, 2000).

“ (…) O técnico é uma parte muito importante. Porque num processo destes a tarefa do poder público é criar um espaço para que essa população seja ouvida e criar instrumentos, regra para esse processo. Então, esses técnicos envolvidos que na sua maioria são técnicos da prefeitura de BH, sudecap, urbel, alguns aqui do planeamento. Eles são parte importante para fazer com que todas essas regras sejam cumpridas e eles envolvem-se bastante no processo, participam de todas as etapas, são pessoas que já acompanham o processo há muitos anos, então não vejo resistência. Aqui o processo é lento mas a população tem voz activa, não é um processo apenas consultivo como em Portugal, e isso também talvez facilite a mobilização da população e também dos técnicos porque o que for decidido será implementado, isso é um compromisso da prefeitura de BH.” (Ent.6: poder executivo)

O aumento de trabalho pela interacção directa com as comunidades e articulação política com o governo é evidenciado no discurso dos técnicos. Reconhecem que sendo o projecto técnico executado para servir o cidadão, se tiver em consideração o que ele quer acaba por servi-lo melhor. O técnico apesar de não ter sido eleito ao trabalhar numa organização pública deve representar os interesses do povo.

Por vezes, não é uma interacção fácil, o técnico é questionado, tem de refazer o trabalho, o seu esforço não é muitas vezes reconhecido. Mas a aprendizagem que se retira desta interacção é reconhecida como compensatória. É mesmo referido como o melhor modelo de gestão pública porque trabalha com o povo.

Como a experiência de trabalhar no OP já tem cerca de 16 anos, pode afirmar-se que o processo está consolidado e tanto os técnicos como as comunidades encontraram formas de entendimento no diálogo que estabelecem e é uma forma de trabalhar em que todos os actores estão mais envolvidos:

“O OP trouxe mais trabalho para os técnicos, porque existe muita cobrança e uma coisa puxa a outra. Começa então pela articulação política entre o governo com relação aquela população, então vamos dialogar, aí vem a proposta deles. À medida que vai sendo aprovado elabora-se um plano de trabalho e entra em funcionamento. Se vai ser um processo democrático participativo tem de se ouvir regularmente a comunidade. Então muitas pessoas crescem outras não concordam, muitas não querem saber nem do antes nem do durante nem do depois mas é isso aí.” (Ent. 18: técnico da prefeitura)

“Realmente quem tem o conhecimento técnico é o técnico, o arquitecto, engenheiro que vai construir o projecto. Mas aquele projecto deve servir ao cidadão. E o cidadão sabe o que quer. Se é uma escola, nós temos um modelo de escola mas não é um modelo fixo, ele deve adaptar-se a servir o melhor possível aquela comunidade concreta. Por

exemplo, nós construímos uma unidade escolar e as pessoas mostraram alguns defeitos: o refeitório e secretaria estão pequenos, há brinquedos que não são muito seguros. Enfim, os técnicos pensaram numas coisas mas a teoria é uma e a prática é outra. Nada é estanque, nada é parado. O objectivo destes equipamentos são atender ao cidadão se isso não acontecer ele está equivocado. Então quem está errado é o técnico. Essa mentalidade do técnico ser dono da verdade, não. O técnico tem de ter maneabilidade para poder estar aprendendo e ouvindo as comunidades.” (Ent.16: técnico da prefeitura)

“ Eu acho que nós fomos evoluindo ao ponto de chegar nas reuniões do Comforça, e dizer estamos disponibilizando esta via, e a comunidade dizer: não queremos, queremos isso. E nós dizermos mas isso não pode, e eles dizerem mas nós queremos isso, e ai voltava e a gente tinha que bolar algo que tivesse dentro da política, mas que atendesse, isso é uma evolução. Falar que é fácil, não. Falar que a gente adora ir lá com tudo bonito e eles falarem: não queremos. Nós ficamos aborrecidos, é normal a gente não gostar, mexe connosco. Vamos ter de trabalhar outra vez nisso, este povo não está sabendo de nada. Acho que mexe muito com as pessoas que trabalham com o público, que a gente está fazendo o melhor e eles não entendem, é uma coisa muito pessoal e às vezes acho que tem isso. Mas é trabalhar com a política pública, o nosso chefe é o povo. A gente não pode inverter a ordem, nós somos uma organização, somos representantes, somos técnicos representando o povo, mesmo que os nossos cargos não sejam de eleição mas nós somos técnicos do poder público. Às vezes eles não estão articulados, às vezes não têm formação, às vezes vêm com umas ideias que não tem nada a ver, mas a gente tem de ir lá, tem de devolver e discutir tecnicamente. Eu acho que esse é o único modelo possível de gestão pública que realmente é do povo.” (Ent. 17: técnico da prefeitura)

“ (…) Os nossos técnicos estão acostumados com a população, e o processo já está consolidado de uma maneira que o técnico entra no momento correcto, ele entra no momento da definição das obras e do cálculo orçamentário dentro da demonstração da efectividade da obra e ele entra com a necessidade de convencer a comunidade de que aquela obra não é viável nos termos que ela pede ou é viável nos termos que ela pediu, isso é uma função do técnico. E eles estão cientes disso. E quando nós fazemos as reuniões por regional onde são apresentadas as obras, os respectivos orçamentos e o escopo do que é a obra que às vezes diferencia do que a comunidade pede. A comunidade pede uma coisa utilizando as palavras deles e vêm o técnico e transforma aquelas palavras em termos técnicos e leva isso para a comunidade explica para a comunidade o que significa e eles fazem a confirmação se aquele escopo que o técnico apresenta é de facto o que eles estão querendo. É demorado, tem muito trabalho mas as pessoas estão muito envolvidas nesse processo, quer a comunidade quer os técnicos.” (Ent. 21: técnico da prefeitura)