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3. Estrutura da tese

2.3. A participação nas políticas públicas locais

2.3.5. Qualidade de vida: a motivação para participar

O OP como política de planeamento voltada para a participação dos cidadãos nas escolhas de prioridades de investimento tem como um dos seus objectivos aumentar a qualidade de vida das populações, sobretudo dos grupos sociais mais desfavorecidos. Em Belo Horizonte é mesmo utilizado o IQVU (Índice de Qualidade de Vida Urbano) como suporte para definição de prioridade de investimento no Orçamento Participativo, tendo um montante financeiro superior de investimento nas zonas mais carenciadas. Pelo que se torna importante a abordagem do conceito de qualidade de vida urbano na abordagem das políticas públicas de participação ao nível do Poder Local.

A expressão qualidade de vida é muito utilizada no quotidiano com uma multiplicidade de sentidos o que acresce a necessidade de delimitar o seu significado.

Durand (1980), citado por Teresa Pinto, 2005, sustenta a tese de que o sentido sociológico do termo qualidade de vida deriva do próprio contexto em que se insere e desenvolve, o que é, por si só, um fenómeno social. A origem da expressão qualidade de vida provém de um fenómeno de consciência: a consciência das consequências não desejadas provocadas pelo desenvolvimento económico e pela industrialização incontrolável. De facto, o termo qualidade de vida difunde-se e ganha popularidade como questionamento de um modelo de crescimento e de desenvolvimento industrial, adquire importância social pela percepção das ameaças que este modelo introduz e chega a representar um movimento “alternativo” quando, questionando

este modelo de crescimento, sugere modelos qualitativos diferentes sobre os objectivos e modos de organização social, adquirindo um sentido e conteúdo político. Numa utilização frequente, a expressão qualidade de vida apresenta-se como sinónimo de bem-estar, que muitas vezes incluí um significado próximo da felicidade. No entanto, não serão suficientes para definir qualidade de vida pois os elementos económicos e bem-estar social são importantes mas não são os únicos determinantes da qualidade de vida.

Apesar da multiplicidade do conceito, é recorrente a definição da qualidade de vida como uma dimensão que recobre condições objectivas de vida, expectativas e aspirações que se projectam em necessidades, confrontadas por sua vez com um número limitado de recursos e oportunidades.

Duas questões importantes na delimitação do conceito quando associado à dinâmica de satisfação de necessidades.

A primeira chama a atenção para a multiplicidade de dimensões a que se referem essas necessidades e a sua satisfação: necessidades materiais, mas também de desenvolvimento pessoal, de enquadramento ambiental, etc, conduzindo por sua vez à questão das componentes da qualidade de vida. Esta refere-se à satisfação/insatisfação com áreas concretas da vida: trabalho, família, habitação, lazer, educação, saúde, etc e à totalidade de bens, serviços e situações disponíveis.

A segunda confronta-se com a subjectividade na “medição” da qualidade de vida, ela própria um conceito subjectivo, porque depende da percepção dos indivíduos sobre o desfasamento entre recursos e necessidades e aspirações. A medida da qualidade de vida estaria indissociavelmente ligada às condições de existência dos indivíduos e às aspirações expressas, descrevendo o quadro e as condições de vida dos indivíduos ou dos grupos em todos os domínios do social e do meio ambiente.

Trata-se de objectivar as preocupações sociais relacionadas com a qualidade de vida: saúde, educação, emprego e qualidade de vida no trabalho, bens e serviços disponíveis, meio físico, segurança das pessoas, participação na vida colectiva (Pinto, 2005).

Mais especificamente a “qualidade de vida urbana” é um conceito que se constrói, historicamente, a partir dos conceitos de bem-estar social, qualidade de vida, qualidade ambiental, pobreza, desigualdades sociais, exclusão social,

desenvolvimento sustentável e sustentabilidade, e, a sua historia encontra-se vinculada ao conceito dos indicadores sociais.

O conceito de indicadores sociais e o movimento que levou este nome tiveram origem nos anos 60, inicialmente nos Estados Unidos e depois em diferentes países da Europa. Em síntese este movimento representou uma tentativa governamental de enfrentar a situação social da altura: luta pelos direitos civis, a força crescente do movimento dos negros e mulheres, greves, revoltas estudantis e, sobretudo, a pobreza que se fazia sentir na sociedade.

Neste período, implementou-se programas de combate á pobreza, para os quais foi necessário reunir dados sobre a estrutura e diferenciação social. Tal iniciativa representou o reconhecimento de que o progresso económico não era capaz de gerar, por ele mesmo, o que foi chamado “bem-estar social”. Apesar do crescimento dos salários e diminuição do desemprego que então se registaram, era evidente o descontentamento cívico. A insatisfação transformou-se em ameaça social, colocando a necessidade de controlo social. Era necessário procurar novos indicadores, capazes de subsidiar políticas com vista à ordem social (Nahas, 2006).

A aspiração por qualidade de vida é vista como alternativa, como referencial crítico às avaliações de desenvolvimento uma vez que, apesar dos esforços, os indicadores sociais se mantiveram distantes das aspirações e objectivos das pessoas, seguindo uma lógica semelhante à dos indicadores estritamente económicos (Carmo, 1993).

Nos anos 80, até início de 90, observa-se mundialmente o aumento da criminalidade, exclusão social e pobreza, aliados aos grandes problemas de habitação, transporte, infra-estrutura urbana e acesso a serviços, além da degradação ambiental crescente nas cidades (Oliveira, 1997).

Tal situação explica-se, por um lado, devido á crise e à reestruturação económica nos países ocidentais que fizeram com que o espaço social fosse reduzido em favor da desregulação e abertura competitiva dos mercados. Por outro lado, actuou na mesma direcção o avanço do pensamento e das políticas liberais ao consagrar o mercado como o principal critério de valor. Da mesma maneira, declina o trabalho de formulação de indicadores sociais vinculado à esfera do planeamento estatal, afectado pela crise e perda de autonomia dos governos locais, num quadro marcado pela globalização. Amplia-se significativamente as desigualdades sociais e pobreza volta a afirmar-se no final do século XX como um problema público.

Simultaneamente, a expansão e o crescimento dos aglomerados urbanos, com a consequente degradação ambiental, fizeram com que a sustentabilidade se tornasse o eixo das preocupações no debate político. É nesta conjuntura que toma forma o conceito de qualidade de vida urbana (Nahas, 2006)

No final da década de 90, o conceito de qualidade de vida urbana reporta-se ao meio urbano, e incluí a avaliação: i) da equidade na distribuição e no acesso da população a bens de cidadania (considerados essenciais à satisfação das necessidades básicas), ii) da qualidade ambiental e iii) da sustentabilidade do desenvolvimento humano. Para se tornar útil à formulação de políticas públicas deve contar com a validação política e institucional da sociedade, o que pode ser alcançado através da participação directa da mesma.

“De facto, assiste-se hoje à estruturação de uma diversidade de interesses através de processos concretos de planeamento participado, ao nível dos municípios e das regiões, o que se tem consubstanciado na noção de “planeamento estratégico” e que tem como principal desafio não apenas ser processual e participado mas pretender manter formas de gestão e de monitorização em parceria que garantam o rigor da sua execução e também o seu ajustamento em períodos razoavelmente longos “ (Guerra, 2003:294).

Pode concluir-se, que uma das motivações ao nível do poder eleito para implementar políticas de participação, como o caso do Orçamento Participativo, se relaciona com a possibilidade do aumento da qualidade de vida urbana, em particular no que se refere às necessidades básicas das populações7. Por sua vez, os indivíduos mais desfavorecidos motivam-se com mais facilidade para participar porque entendem que da sua intervenção podem melhorar as suas condições de vida.

7 Neste caso, referimos as infra-estruturas urbanas básicas como: esgotos, estradas, habitação, saúde.

Maslow explica a motivação humana através da hierarquia de cinco necessidades: fisiológicas; segurança; sociais, auto-estima e auto-realização. Arrumadas segundo uma estrutura de prioridades existências, as necessidades motivam enquanto não estão satisfeitas. Uma necessidade satisfeita não é motivadora de comportamento. Assim são as necessidades fisiológicas as primeiras a influenciar os comportamentos das pessoas, comportamentos esses totalmente orientados para a satisfação de tais necessidades. Uma vez atingido um nível mínimo de satisfação deste patamar de necessidades, novos padrões de necessidades emergem, com capacidade para influenciar novos comportamentos. Surgem por isso as necessidades de segurança com um poder motivacional mais forte, o qual se vai transferindo para outros níveis de necessidades, sempre que os anteriores estão controlados (Ferreira et all, 1998).

III – POLÍTICA DE PARTICIPAÇÃO DO PODER EXECUTIVO: O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO (OP)