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3. Estrutura da tese

2.2. Administração Pública Local

2.2.1. Modelo de gestão da administração pública: o modelo burocrático

O termo burocracia tem uma acepção pejorativa ao nível da sociedade em geral dado que há a percepção que esta assenta em regras e mais regras que paralisam a administração (Sá, 2000: 100).

De acordo com a perspectiva tradicional da reforma administrativa, a burocracia é o modelo de organização da administração pública. Reconhece-se neste modelo algumas vantagens: a unidade de comando, uma maior coordenação das actividades administrativas, a uniformidade e o controlo legal. Acima de tudo este modelo, idealizado por Max Weber (1846-1920), é uma forma de organização que corresponde a um tipo de legitimidade no qual o domínio, o poder ou a autoridade se impõem sobre os sujeitos em virtude da sua legalidade racionalmente estabelecida e não de uma legalidade de tipo tradicional ou carismática. Este tipo de organização caracteriza-se, essencialmente, por funcionar segundo regras gerais, formais e impessoais, não atendendo ao caso particular; por uma hierarquia de funções claramente estabelecida; e pela definição rigorosa dos postos de trabalho, correspondendo à especialização das funções e das competências do indivíduo que as preenche.

Importa sublinhar que é através da regra que se procura eliminar os favoritismos, os subjectivismos, os actos discriminatórios ou as pressões pessoais, assegurando, assim, um tratamento imparcial para todos os cidadãos. Por outro lado, as regras permitem organizar o trabalho.

De facto, “o modelo racional, burocrático e normativo que caracteriza a administração pública é, apesar das enormes deficiências de funcionamento, um modelo adequado a uma sociedade democrática e de regulação institucional das relações sociais” (Mozzicafreddo, 2000:8).

Todavia, a partir do momento em que as condições externas passaram a ser mais complexas, instáveis e imprevisíveis, o modelo burocrático deixou, em muitas situações, de constituir uma resposta adequada.

Assim, o termo burocracia adquiriu, na linguagem comum, uma conotação negativa que pode ser explicada porque há a tendência para confundir o sistema burocrático em si mesmo com as disfunções burocráticas, isto é, com os erros e defeitos do sistema burocrático.

De entre um conjunto mais ou menos vasto de disfunções burocráticas, que se apresentam como obstáculos ao processo de mudança da administração, pode-se destacar: o excesso de formalismo e a falta de flexibilidade de gestão; a impessoalidade das relações internas e externas à organização; a centralização da autoridade e da tomada de decisões e o consequente bloqueio da autonomia, responsabilidade, iniciativa dos funcionários, e da participação dos cidadãos; a crescente especialização do trabalho e excessiva departamentalização; a pobreza e lentidão das comunicações; o descaso pelas necessidades específicas dos cidadãos; e a sobrevalorização das regras e procedimentos e do controlo a priori, em detrimento dos objectivos e da avaliação a posteriori.

A desburocratização implica a transparência dos procedimentos administrativos, a participação, o direito à informação, a humanização das relações com os utentes, a definição clara dos objectivos, a fundamentação dos actos administrativos, a simplificação da linguagem, a capacidade cooperante dos funcionários, a iniciativa e espírito de responsabilidade, a descentralização e a adopção de novas tecnologias são alguns dos traços fundamentais a ter em conta. (Sá, 2000:100).

2.2.2. Modernização da administração pública: envolvimento do cidadão

A modernização da administração assenta muito no maior envolvimento do cidadão, estruturas menos centralizadas e transparentes (Mozzicafreddo, 2001).

Apesar de ser consensual que o objectivo da reforma administrativa é melhorar o funcionamento da administração pública, o conceito de reforma administrativa tem mudado de acordo com a ênfase inerente a cada abordagem tornando difícil estabelecer uma definição universalmente aceite. A reforma integra simultaneamente os processos políticos, técnicos e comportamental e inclui o conjunto de acções especificamente projectadas para induzir mudanças fundamentais no sistema administrativo” (Araújo, 2002).

O conceito de modernização pode ser alvo de diferentes interpretações. Pode-se ver a modernização, simplesmente, como uma resposta programada ao conjunto dos constrangimentos que atingem os países europeus ou podemos ver na modernização uma construção política motivada pela procura de soluções alternativas ao Estado-Providência. Esta segunda interpretação define, pois, o conceito de modernização como o processo de

procura de um novo modelo de funcionamento da administração e de um outro Estado. A modernização não revela pois uma política conjuntural, banal ou rotineira. Ela transcende, pelo contrário, a clivagem direita/esquerda e constitui o coração de uma dupla procura, a de um novo modelo de funcionamento da administração e um outro Estado.

Em consequência, pode fazer-se uma distinção entre a modernização do Estado como mudança na sua relação com os cidadãos, por um lado, e uma modernização num sentido mais estrito, por outro, a qual se ocupa principalmente das estruturas internas do sistema administrativo.

Modernizar é, enfim, adoptar comportamentos modernos, o mesmo será dizer considerados inovadores relativamente aos precedentes. É, hoje em dia, reorganizar a administração do Estado a partir do objectivo de melhorar a acção pública e não mais apenas em vista da aplicação conforme das leis, decretos e regulamentos; é desconcentrar a decisão pública para melhor adaptar as modalidades aos problemas concretos com que se deparam os cidadãos; é aumentar com este fim a autonomia de decisão e de gestão dos serviços; é rever em consequência o espírito e a estrutura que enquadram e organizam as missões do serviço público.

As diversas iniciativas de modernização da administração pública no que se refere a um maior envolvimento do cidadão assentam, no essencial, nas seguintes razões estruturais:

1) A alteração das expectativas, necessidades e exigências dos direitos dos cidadãos, preocupados agora com a participação também na esfera da administração;

2) As novas tendências de transformação da estrutura do Estado que acompanham as transformações na administração pública tanto no sentido de as dotar de uma estrutura menos centralizada e mais equitativa, como na tentativa de estabelecer formas de governação mais flexível e transparente (Mozzicafreddo, 2001).

A ideia de uma administração ao serviço dos cidadãos recobre, igualmente, além das exigências da desburocratização, as expectativas de participação na gestão e nas decisões de âmbito colectivo. A ideia de proximidade com os cidadãos e a preocupação com a qualidade dos serviços, iniciativas que assentam no conceito de participação dos cidadãos, enquanto modelo de reforma da administração é difundida como uma forma de tornar a administração mais próxima e transparente para as pessoas.

2.2.3. Articulação das políticas públicas com a participação

As possibilidades de melhoria do funcionamento da administração pública e da possível participação dos cidadãos assentam fundamentalmente na implementação de estruturas de inserção dos cidadãos. As reformas na estrutura de participação dos cidadãos na administração pública podem igualmente introduzir melhorias no funcionamento da organização. Com efeito, as reformas podem envolver mais os agentes no funcionamento e nas decisões das suas organizações, aproveitando, assim, o conhecimento que os agentes têm do seu trabalho, factor positivo de alargamento da participação na modernização da administração. Este aumento de participação nas reformas da estrutura organizativa e nos processos decisórios potencia uma acrescida motivação e comprometimento dos mesmos agentes no processo.

O comportamento de desconfiança e de alheamento do cidadão em relação à administração pode vir a ser limitado desde que se potenciem espaços adequados à utilização das experiências e das singularidades que os cidadãos carregam em si pelo facto de serem sujeitos privilegiados dos actos administrativos (Mozzicafreddo, 2001).

São destacados por este autor, dois níveis de actuação que devem funcionar como condições básicas para conseguir um aumento da relação do cidadão com a administração pública:

“O primeiro nível refere-se à necessidade de investir na qualificação dos recursos humanos e nos sistemas de motivação e de recompensas pelo desempenho (...). Por outro lado, a orientação da administração para os valores da cidadania exige, em primeiro lugar, uma alteração dos comportamentos dos agentes, nomeadamente dos seus quadros superiores e dirigentes: preparar a administração para o diálogo com os cidadãos exige formar previamente os seus agentes e, ao mesmo tempo, investir na implementação de estruturas de inserção dos cidadãos (...). Num segundo nível, considera-se que a melhoria da relação cidadão-administração depende fortemente da orientação para a cidadania das políticas públicas” (Mozzicafreddo, 2001:155).

Em suma, as melhorias e as reformas do funcionamento da administração ao serviço do cidadão e ao serviço do estado democrático estão condicionadas e dependentes da definição política – e da vontade política – da democratização da sociedade e do sistema político e administrativo.

. O Orçamento Participativo é um claro exemplo de vontade política de democratização do sistema político e administrativo, dado ser uma política de iniciativa do executivo municipal, baseada na participação da população e na elaboração e execução do orçamento público. Muitos autores têm reconhecido o OP como uma experiência bem sucedida de participação pública e governabilidade da gestão pública (Santos, Boaventura, 2002).