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3. Estrutura da tese

1.2. Poder político, legitimidade e participação

1.2.3. Da função representativa dos partidos ao seu papel procedimental

O desenvolvimento de políticas de participação está dependente da vontade governamental de a concretizar. Como o poder dos eleitos está bastante condicionado, mesmo ao nível local, por programas dos partidos políticos é importante reflectir sobre o papel dos partidos políticos e a sua evolução recente ao nível do protagonismo que têm na sociedade.

A análise actual sobre os partidos políticos tende a considerar que estes têm um papel mais procedimental e governativo do que representativo, isto é, tendem a tornar-se mais distantes da sociedade, mas aproximam-se do mundo do governo e do Estado, privilegiando na sua actuação a obtenção de cargos públicos. É evidenciada a realidade de que no passado recente havia um grande debate ideológico que foi sendo desvalorizado a favor de uma luta eleitoral pelo acesso ao poder. Neste sentido, a preocupação com o recrutamento de líderes políticos á cada vez mais importante nas estratégias partidárias (Mair, 1994).

A lei sociológica fundamental a que estão submetidos os partidos políticos: a organização é a mãe da dominação dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatados sobre os que lhes conferem o mandato, dos delegados sobre os que neles delegam. Toda e qualquer organização partidária produz assim uma poderosa oligarquia, assente sobre um pedestal democrático. A todos os níveis, eleitores e eleitos. Mas a todos os níveis, igualmente poder da direcção eleita sobre a massa dos eleitores (Michels, 1989).

Este modelo autocrático de organização partidária que resiste à partilha do poder de decisão poderá ser um obstáculo ao desenvolvimento de modelos que apelem à participação do cidadão, mesmo ao nível das autarquias.

É considerado um dos factores de crise da democracia representativa o próprio declínio do papel representativo dos partidos políticos. De facto, para que a democracia representativa funcione seria necessários que se agregassem escolhas particulares, para que os cidadãos possam escolher governantes com uma ideia tão

clara quanto possível das implicações e das consequências desta escolha para os principais domínios da vida colectiva.

“Estamos habituados a pensar que os partidos políticos são instrumentos indispensáveis à agregação das exigências sociais e formulação das opções políticas gerais. Contudo, o seu espaço é estreito, entre a manipulação dos lobbies, por um lado e o esmagamento das exigências sociais pelas ideologias e pelos aparelhos políticos, por outro. (…) Quanto mais um partido se considera portador de um modelo de sociedade, ao invés de ser um instrumento de formulação das escolhas políticas, mais fraca é a democracia e mais os cidadãos são subordinados aos dirigentes dos partidos.” (Touraine, 1992:394).

Apesar de considerados necessários à manutenção do governo representativo e importantes para o funcionamento da moderna democracia de massas, os partidos políticos sendo no geral dominados por uma classe política dedicada aos seus próprios interesses, são hoje descritos como organizações que dificultam a renovação democrática, operando-se alterações significativas no seu papel. Sendo uma das alterações mais importante o facto de que ao mesmo tempo que assistimos ao fracasso das organizações partidárias, os partidos enquanto tais não estão a fracassar já que eles desempenham um papel de gestão da democracia.

Nos regimes democráticos os partidos políticos detêm o monopólio dos diversos Estados nacionais. São no entanto, vários os autores que defendem que os partidos estão em crise (Michels 1910; Farelo Lopes, 2004).

São três argumentos que sustentam a tese do declínio dos partidos. Primeiro o declínio dos partidos como organizações relaciona-se com o seu número de membros que tem decrescido. O segundo declínio tem a ver com a diminuição do activismo partidário, cada vez menos os militantes cedem parte do seu tempo ao partido. O terceiro declínio relaciona-se com a diminuição da participação eleitoral.

Apesar deste declínio dos partidos verifica-se uma importante tendência paralela: os partidos tornaram-se mais distantes da sociedade em geral, mas aproximaram-se mais do mundo do governo e do Estado. Sobretudo fortalecem a sua ligação ao Estado ao conferirem crescente prioridade ao seu papel enquanto detentores de cargos públicos. Sendo a obtenção de cargos a conquista de um lugar no governo. A identidade partidária tende a evaporar-se. É neste contexto que os partidos se reduzem cada vez mais aos seus líderes que ocupam cargos públicos e que os líderes partidários se tornam o mais importante stock de capital disponível dos

partidos. Na gradual transformação dos partidos, eles deixam de fazer parte da sociedade para se tornarem parte do Estado. Os partidos têm uma base organizacional cada vez mais fraca, mas uma fase pública cada vez mais forte e mais eficazmente mantida.

A primeira função dos partidos de massas era uma função principalmente representativa, envolvendo a integração e mobilização dos cidadãos no regime político dentro do qual os partidos competem.

A segunda função associada aos partidos era ainda na vertente representativa o envolvimento e articulação dos interesses sociais e políticos apresentados pela sociedade em geral. No entanto, actualmente esta função é partilhada com associações e movimentos não partidários, bem como os meios de comunicação.

A terceira função envolve a formulação de políticas públicas. Mas mesmo neste domínio os partidos tendem cada vez mais a confiar no julgamento de peritos ou de corpos aparentemente não políticos na determinação de políticas públicas. Ou seja, a formulação dos partidos torna-se cada vez mais despolitizada.

A quarta função é mais procedimental e diz respeito ao recrutamento de líderes políticos e de funcionários para os cargos públicos.

A quinta função envolve o papel atribuído aos partidos na organização do parlamento e do governo.

Nos sistemas de governo parlamentar a necessidade de partidos políticos é evidente por si mesma. Há que formar governo e distribuir responsabilidades. Nada disto parece possível sem a autoridade e as capacidades organizativas dos partidos políticos. Os partidos têm um papel igualmente importante para a organização dos procedimentos legislativos.

Há então a salientar o declínio dos partidos no que se refere à sua dimensão, penetração social e relevância; a sua projecção alterou-se na mudança da sociedade para o Estado e de funções representativas para uma acção principalmente governativa.

O conceito de política enquanto conflito social, no qual os partidos eram entendidos como representantes dos interesses políticos de forças sociais opostas é hoje cada vez menos relevante. Se actualmente todos os eleitores são mais ou menos acessíveis a todos os partidos, também todos os partidos estão mais ou menos disponíveis para todos os eleitores no sentido em que a noção de política como conflito ideológico também está em declínio. Por outro lado, a perca de identidade

estratégica partidária é um dos aspectos mais significativos já que todos os partidos das democracias ocidentais são hoje partidos governamentais, no sentido em que cada um deles tem uma expectativa realista de usufruir de poder (Mair, 1994).

Torna-se cada vez mais difícil aos eleitores encontrarem diferenças significativas em termos de ideologia ou de objectivos entre os diferentes partidos ou entenderem essas diferenças como particularmente relevantes para as suas necessidades e problemas, tendo cada vez mais dificuldades em entendê-los como representantes dos seus interesses e preocupações.

Pode-se referir duas importantes implicações destas mudanças. Os partidos tornam-se cada vez mais despolitizados. Já os estudos de Lijphart (1984) e Dahl (1981) previram este fenómeno. Antevendo com precisão o desenvolvimento de um mundo político que se tornaria demasiado remoto e burocratizado, demasiado dependente de negociações e compromissos utilizando como instrumento elites políticas e tecnocratas. A despolitização é também intensificada pela transferência de algumas responsabilidades políticas para organismos regulamentares independentes e as chamadas comissões de peritos e o recurso cada vez mais frequente às autoridades judiciais e mesmo aos referendos populares para contornar a necessidade de uma tomada de decisão ao nível do próprio governo.

Assiste-se a uma tendência para os cidadãos se tornarem indiferentes aos partidos. Esta indiferença poderá converter-se também em indiferença perante a própria democracia. Neste contexto, qual o futuro dos partidos?

1º Parecem existir poucas perspectivas de reconstrução de fortes raízes partidárias na sociedade. O eleitorado e a sociedade, no seu todo, tornam-se cada vez mais individualizados.

2º Parecem existir poucas perspectivas para que os partidos desenvolvam uma identidade partidária suficientemente forte para garantir, por si só, legitimidade. A época dos fortes projectos também já passou.

3º É cada vez mais difícil conceber de que modo os partidos poderão fortalecer de forma significativa o reduzido papel representativo que desempenham actualmente (Andeweg, 1996).

Pode concluir-se que o papel mais significativo que poderá restar aos partidos, no futuro próximo, será de carácter procedimental. É o aspecto democrático da “democracia representativa”, mais do que o aspecto representativo, que caberá aos partidos.

Farelo Lopes (2004) reforça a ideia do carácter comum do papel dos partidos pelo facto de nas democracias as principais circunstâncias (sociais, económicas e governativas) serem também comuns. Ou seja, as circunstâncias estão cada vez mais estandardizadas (disponibilidade de recursos tecnológicos, impacto da globalização, processo de individualização e comunicação de massa). Por outro lado, os partidos ocupam governos que estão sujeitos a constrangimentos políticos idênticos, o que os obriga a perseguir estratégias políticas/eleitorais semelhantes. Assim, a distinção de Duverger (1951) entre “partidos de quadros” e “partidos de massas” vem sendo ultrapassada por este carácter comum dos partidos.

1.2.4. A questão da proximidade ao nível das autarquias e maior possibilidade