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3. Estrutura da tese

3.1. Enquadramento histórico, político e conceptual do OP

3.1.4. Perspectivas teóricas em torno do conceito do OP

A diversidade do conceito de OP

Como já se fez referência, o OP nasceu de um projecto político do PT que visava a democratização da esfera pública e a inversão na hierarquia de prioridades, tradicionalmente seleccionadas em programas governamentais. Por trás desta ideia encontrava-se um objectivo político do partido que era a redistribuição da renda através do Estado. A estratégia que melhor reflecte esta intenção é o estímulo à participação das camadas mais carentes da população fornecendo os mecanismos

necessários à intervenção dos moradores na definição das escolhas governamentais no que se refere aos investimentos públicos.

É consensual considerar que o OP pode ter várias definições. Ele vem sendo teorizado como um “espaço público não estatal”, como “democracia participativa”, como uma “instituição redistributiva” como uma “instituição de delegação de poder” como “metodologia” e como “forma de planeamento” (Wampler, 2007).

O OP é uma emanação da teoria da democracia participativa, ou seja, assenta na ideia de que os cidadãos devem participar directamente nas decisões políticas e não apenas na escolha dos decisores políticos. É ao mesmo tempo um processo regularizado de intervenção permanente dos cidadãos na gestão municipal. Segundo uma metodologia formalizada, os cidadãos reunidos em assembleias e reuniões preparatórias, estabelecem prioridades temáticas para a distribuição dos investimentos municipais (Santos, 2002). Este autor, denomina o OP como uma concepção distributiva da democracia caracterizando-o a partir de três elementos.

O primeiro elemento relaciona-se com o facto de todos os cidadãos terem o direito de participar; o segundo elemento refere-se ao facto da participação ser dirigida por uma combinação de regras de democracia directa e democracia representativa; no terceiro elemento é referido o facto dos recursos de investimentos serem distribuídos de acordo com um método objectivo baseado na combinação de critérios gerais e de critérios técnicos.

O OP como uma concepção de democracia social dos grupos marginalizados

Navarro (1997) denomina o OP como uma concepção afirmativa de democracia e caracteriza-o como uma prática que permite aos grupos sociais marginalizados adquirirem as mesmas capacidades e direitos que aqueles localizados no topo da estrutura social. Abers (2002) aborda o OP na perspectiva de uma reinvenção da democracia local. Para esta autora, a inovação central gerada pelo OP a nível local é a criação de uma sinergia entre Estado e sociedade civil, tendo nalguns casos os participantes do OP poder de decisão em relação a investimentos públicos. Nesta mesma linha Gret e Sintomer (2002) consideram que se criou em muitos dos casos um quarto poder, face aos três já existentes: Executivo, Legislativo e Judiciário, o dos cidadãos que assumem directamente o processo de tomada de decisão.

Os autores são unânimes em considerar no OP os seguintes elementos: um aumento da participação na decisão sobre a distribuição dos recursos orçamentários; um aumento de acesso a recursos públicos e direitos; um aumento da capacidade de decidir e uma certa capacidade de determinar a regra do processo deliberativo (Avritzer, 2003:19).

OP como política de participação

O OP pode considerar-se uma política que intervém no papel do Estado na regulação da economia pelo social. Como? Moldando a política social pública, pela activa intervenção cidadã nas prioridades; ligando a vontade cidadã com as decisões legislativas e executivas; retomando agora parte do poder delegado e relocando-o directamente na fonte dos orçamentos públicos; reduzindo as distâncias entre governantes e governados e introduzindo um nível intermediário entre a representação clássica em vias de esgotamento e a democracia directa sonhada, mas não realizável. Através da prática da deliberação o OP reforça grandemente a participação, além de restaurar a confiança na política como actividade popular e como autoconstrução cidadã (Oliveira, 1993).

O OP é um processo de construção de políticas que modifica as práticas anteriores de planeamento e de elaboração orçamentária. Como uma instituição de elaboração de políticas públicas, o OP tem o potencial de tornar mais eficiente o uso dos recursos escassos em função da criação das comissões que capacitam os cidadãos a monitorar a qualidade das obras e o gasto específico de cada projecto.

OP: Transformação social através da vertente educativa

Definir o OP como “transformação social” é reconhecer que ele é parte de uma trajectória histórica de mudança social e política mais ampla, com potencial para educar, transferir poder e socializar os participantes. Encaixa-se na rubrica geral da cidadania dado que o OP foi fundado, em parte, como uma esfera institucional capaz de estender os direitos social, político e civil aos cidadãos (Genro, 1997).

O OP assume uma dimensão de “escola” onde os cidadãos adquirem uma compreensão sobre o que os governos fazem, sobre o que os governos não podem fazer e sobre como eles, cidadãos, podem apresentar os seus interesses e demandas

para os representantes públicos. Sectores excluídos da população, frequentemente destituídos de poder em função da ausência de garantias claras sobre os seus direitos políticos e civis, ganham a oportunidade de participar directamente na escolha de obras do domínio público.

OP: instituição democrática inovadora

O OP é também uma instituição democrática inovadora que amplia os limites da democracia representativa. Diferentes actores políticos, com interesses diversos, são forçados a negociar no seu interior. O OP inova a democracia na medida em que ele incorpora os cidadãos directamente no processo de tomada de decisão e, simultaneamente, estimula a delegação de autoridade.

Os cidadãos têm a oportunidade de participar individualmente durante dois estágios: ao estabelecer um conjunto de prioridades para o município e ao seleccionar os projectos específicos de obras públicas a serem implementados. Este processo é claramente o aspecto mais “participativo” do OP, através do qual os cidadãos têm a oportunidade de influenciar directamente os resultados políticos (Luchmann, 2002).

O OP pode igualmente ser definido como uma esfera pública que possibilita a deliberação, a negociação e o monitoramento. A deliberação pública permite que um conjunto amplo de questões, frequentemente questões contenciosas, seja colocado na agenda. A negociação pública faz com que os grupos de interesses entendam melhor quem obtém o quê durante a fase de planeamento do orçamento. O monitoramento público aumenta a oportunidade de transparência e estabelece as bases iniciais para o processo de accountability.

As múltiplas dimensões do OP

Finalmente, o OP apresenta-se como um processo de “múltiplas dimensões”, na medida em que se constitui como uma prática de discussão e definição de problemas e prioridades que envolve diferentes interesses, actores e espaços públicos e sociais. A dimensão de publicidade e de colectividade no tratamento das questões que tradicionalmente têm sido prerrogativa unilateral do Estado, proporcionada pelo OP, vem motivando um conjunto de avaliações acerca do carácter e do potencial democrático desta experiência (Luchmann, 2002).

Os Orçamentos Participativos podem ser definidos como um processo que produz transformação social, como uma instituição democrática e como uma instituição inovadora de elaboração de políticas públicas. Devem-se incluir diversos indicadores para verificar o impacto que o OP tem, na participação, nos governos, nos partidos, na sociedade civil e nas instituições em competição.