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A praça é nossa

No documento Enraizados: os híbridos glocais (páginas 175-182)

Praça é uma coisa que não tem perto da minha casa Aqui em Morro Agudo não se vê nem com

telescópio da Nasa

Se procurar na Baixada talvez encontre alguma Mas se juntar todas elas, acho que não dá uma Na Zona Sul vi gangorra e escorrega

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Mas aqui em Nova Iguaçu só tem viela e beco Na praça dos grã-fi nos tem quiosque, cê pode crer E as biroscas de Morro Agudo atrapalham nosso lazer Político vai, político volta, com promessa que revolta Mas pra pisar em Morro Agudo tem que vir com escolta Quem destrói a praça não merece ser chamado de animal Porque os bichinhos não destroem seu habitat natural O galante perde a inspiração pra dizer que ama Como o aposentado perdeu seu assento e o tabuleiro de dama

Enquanto os pela-sacos vêm quebrando tudo O Enraizados revitaliza a praça de Morro Agudo Não é praça Mauá, Quinze e nem Onze

Aqui não tem chafariz e nem escultura de bronze A comunidade divide lugar com a sujeira

Pois a praça parece hotel de mendigo e depósito de feira Urinas em praça transbordam em metros cúbicos A praça que era nossa agora é banheiro público Isso não é rebeldia e nem pirraça

Porém só vamos nos calar no dia em que tivermos verdadeiras praças

Autores: Movimento Enraizados – Núcleo Morro Agudo A ideia desta vez era fazermos um Encontrão de grafi te, para dar um colorido naquele muro cinza e trazer alegria para o lugar. Ligamos para o Helvio Lessa, do jornal “O Dia”, e informamos que faríamos o evento. Ele colocou uma nota na capa do jornal e publicou a seguinte maté- ria, de uma página:

Hip-hop e muito mais

Evento vai reunir o melhor da cultura popular na praça de Morro Agudo

O Movimento Enraizados de Nova Iguaçu, que promove a cultura hip-hop, vai realizar no próximo sábado a 5ª edi- ção do Encontrão Cultural. O evento acontece a partir das 14h na Praça de Morro Agudo, e vai reunir jovens de

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várias partes do estado para praticar, aprender e ensi- nar culturas populares, além dos quatro elementos do hip-hop (rap, DJ, break e grafi te), para jovens moradores da comunidade.

O evento vai pegar uma carona no projeto Cinema nos Bairros, que acontece na praça aos sábados, quando será projetado um fi lme no meio da rua, além de exibição de clipes de rap nacional e um longa-metragem.

O Movimento Enraizados mantém um portal de hip-hop (www.enraizados.com.br), um dos maiores do gênero na América Latina, passando dos 300 mil acessos mensais. Helvio Lessa, jornal “O Dia”, 24 de setembro de 2006 Toda a correria para fazer o Encontrão já tinha sido feita. Como as nossas reuniões estavam cada vez mais cheias, e pela primeira vez o número de homens e mulheres era próximo, dividimos bem as tarefas. A Rosinha cedeu a cozinha da casa dela para que nós fi zéssemos a comida para a equipe que trabalharia no evento. Mas a uma semana do evento ainda não tínhamos o principal mate- rial: o spray. Foi aí que descobrimos que havia um grupo novo no bairro: o Amigos do Enraizados. Liderados pelo Paulô, vários moradores nos ajudaram doando uma lata de spray. Assim conseguimos uma quantidade conside- rável de spray, só não sabíamos que os sprays doados não eram apropriados para o grafi te.

No dia do evento, quando os grafi teiros chegaram (Short, Dante, Kajaman e Tihkin), a gente apresentou as tintas que havíamos recebido como doação dos moradores. Eles nos olharam com uma cara de quem não acredi- tava no que estava acontecendo. Eu perguntei qual era o problema e eles informaram o tamanho do problema. Tentamos trocar as tintas em algumas lojas de material de construção do bairro, mas não conseguimos. Como todos os grafi teiros haviam trazido tinta, eles mistura- ram as tintas boas com as ruins e começaram o trabalho.

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Os moradores paravam para olhar. Ficavam dezenas de minutos parados, somente observando, alguns fi caram horas. Outros não resistiam e perguntavam.

— Quem é que está fazendo isso aí? — Somos nós do Movimento Enraizados. — É da prefeitura?

— Não, é o Movimento Enraizados. — Mas quem tá dando o dinheiro? — É o Movimento Enraizados!

— Vocês estão gastando o dinheiro de vocês pra fazer isso aí? Vocês são malucos.

— Por quê? Tá feio?

— Não, está muito bonito, mas isso é trabalho para a prefeitura fazer.

Dezenas de pessoas vestindo a nossa blusa. Eu comen- tava com o Dumontt que a ideia tinha sido boa. Quase sempre a gente cruzava com alguém vestindo a blusa, e nem sempre a gente conhecia a pessoa. O tempo inteiro chegava gente ao evento. A chuva ameaçava cair, mas São Pedro a segurava lá em cima. O grupo de rap Família MDG, de Itaboraí, e o grupo O Bando, de Irajá, estiveram presentes, sem contar, é claro, o Ultimato à Salvação, Fator Baixada, Léo da XIII, eu e Marcio RC.

Quando começou a anoitecer as pessoas chegaram para assistir ao fi lme que passaria. Mas, para frustra- ção geral, a empresa que traria o telão não apareceu em Morro Agudo. Dezenas de pessoas fi caram frustra- das, homens e mulheres, crianças, adultos e idosos. Eu sabia que havia pessoas ali que nunca tinham pisado no cinema. Quando questionamos sobre o cinema, a empresa respondeu que a prefeitura estava devendo, e por isso eles decidiram não ir.

Naquele dia eu disse pro Dumontt que a gente, de uma vez por todas, não poderia mais depender de ninguém, deveríamos ter nossos próprios equipamentos para

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fazer as atividades, e ele concordou. Para compensar o furo, começamos a rimar. Muitos shows acontece- ram, os b. boys dançavam na praça, no chão, enquanto a gente rimava. Até hoje, 2010, a praça de Morro Agudo está grafi tada. A tinta está meio fraquinha, porque não era de qualidade, mas está bem melhor do que era antes da nossa interferência.

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Dinheiro: solução ou

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