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Comunicação: passeando entre

No documento Enraizados: os híbridos glocais (páginas 190-198)

classes

Ao começar o meu próprio negócio,

descobri que você pode ter a maior ideia do mundo. Mas não vai chegar a lugar nenhum

se não conseguir vendê-la às outras pessoas.

— Roger von Oech

No fi m de 2006 fi zemos uma festa na casa da Rosinha e entregamos os certifi cados dos Agentes Cultura Viva que resistiram fortemente até o fi m do projeto. Para a nossa felicidade fi cou uma menina chamada Patrícia Ximango, que entrou para o Enraizados a convite do Léo da XIII e continuou mesmo depois do auxílio do governo ter acabado. Ninguém imaginava que a Patrícia fi caria no projeto. Ela era roqueira, não suportava rap, chegava às reuniões toda vestida de preto, com piercings e tudo mais. Quem diria que dois anos mais tarde ela trabalha- ria conosco como auxiliar administrativa.

A cada ano a organização crescia mais. O Dumontt dizia que crescíamos uns 500%. A Rede Enraizados estava em dez estados com instituições e nos 27 estados com artistas e pessoas que nos procuravam querendo ajuda, espaço e atenção. Nós nos autoanalisávamos sempre para entender o que realmente éramos. Tudo acontecia rápido demais. Eu e Dumontt trabalhávamos como men- tores, fi nanciadores e carregadores. Fazíamos o traba- lho intelectual e braçal.

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Nosso portal beirava os 600 mil acessos mensais. Deze- nas de pessoas no bairro falavam o tempo inteiro de nós. Tínhamos força política na cidade e conhecíamos pessoas do Brasil inteiro, além das que moravam em outros países. Mas não sabíamos nos defi nir bem, éra- mos mutantes.

Oferecíamos atenção às pessoas que nos procuravam e espaço no Portal Enraizados. Uma de nossas caracterís- ticas era tratar todos de forma igual, não importava se o cara era famoso ou anônimo, o espaço era o mesmo. E isso a gente mantém até hoje, é uma identidade. Nós tínhamos muitos contatos. A gente tinha o hábito de compartilhar de tudo, e começamos a compartilhar os contatos também, apresentar pessoas, fazer com que gente que podia se ajudar se conhecesse conforme a necessidade de cada um.

Com isso a Rede Enraizados crescia ainda mais. Até hoje utilizamos todas as ferramentas gratuitas de comunica- ção da internet para particar a Cyber Militância, e ensai- návamos os outros a fazer isso também. A partir daí, universitários, tanto alunos como professores, nos pro- curavam para entender como tudo funcionava. Quando nós contávamos de forma simples e objetiva, a reação deles era de espanto.

O ano de 2007 nos preparava uma grande surpresa. Além de militantes e artistas do hip-hop do Brasil inteiro, a gente também teria mais próximo pessoas e organiza- ções bastante infl uentes, que nos ajudariam a encarar a nova fase da nossa vida. Bem no início do ano, eu e Dumontt conhecemos o Aercio, da Fase. Um dia ele ligou e marcou uma conversa. Fomos ao encontro dele num bar em Nova Iguaçu. Lembro que eu e Dumontt demos uma mancada, pedimos uma cerveja mas o cara não bebia. Todos bebemos água.

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Não lembro muito bem para que o Aercio marcou a reu- nião, mas sei que a gente queria se aproximar da Fase porque diziam que ela ajudava as organizações que estavam começando. Eu acho que ele nos fez um convite para participarmos de um projeto de juventude chamado “Derechos e direitos”, que aconteceria durante dois dias na Cáritas, em Nova Iguaçu. Participaram deste projeto, além de nós dois, a Gil Torres e o Eliel Garcia.

Nesse primeiro projeto encontramos alguns amigos que já trabalhavam com hip-hop. A galera do Setor BF, organização de hip-hop de Mesquita, liderada por Mad, Sebá e Nego Joe, que já eram nossos amigos. Conhece- mos também outros jovens, que não trabalhavam com hip-hop, mas com circo, mobilização comunitária, tinha também um pessoal de São João de Meriti que mexia com griot, além de alguns jovens que não eram tão orga- nizados, mas já exerciam uma atividade de liderança em sua comunidade.

Depois deste projeto com a Fase o Movimento Enrai- zados passou a direcionar mais as atividades. A gente entendeu o que signifi cava exigir direitos e o que signifi - cava direitos humanos. A partir de então tudo o que faze- mos tem como base a exigibilidade de direitos humanos, e utilizamos a nossa arte como ferramenta.

A população de Morro Agudo já conseguia enxergar o Movimento Enraizados como uma organização de juven- tude do bairro. Eles não sabiam de onde vínhamos, nem onde estávamos, parecíamos fantasmas que sumiam, de repente apareciam para balançar o bairro, depois desapareciam novamente e deixavam como marca uma mudança signifi cativa. Como muitos estudiosos, jornalis- tas e representantes de organizações sociais e culturais começavam a frequentar Morro Agudo para conhecer os meninos que mobilizavam pessoas no Brasil inteiro, os comerciantes tentavam dar informações sobre nós.

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Os visitantes perguntavam: — Você conhece os Enraizados? — Sim, conheço.

— Onde é a sede deles?

— Ah! Isso eu não sei, senta ali na praça que daqui a pouco passa um deles por aqui, com uma camisa que tem um desenho igual ao daquela pintura que tem lá na praça, é só você prestar atenção.

— Tudo bem, obrigado. — De nada.

Quando a gente passava os comerciantes comentavam. — Ei, rapazinho!!!

— Ôpa, fala aí!

— Apareceu um pessoal do jornal aqui procurando vocês e eu falei pra eles que vocês de vez em quando passam ali na praça. Ele conseguiu achar vocês? — Sim, conseguiu. Obrigado!

— De nada.

Era tudo muito divertido. Eu pensava que isso só acon- teceria num futuro bem distante, mas já era a nossa realidade. Além disso, outro acontecimento anormal no bairro era a presença de pessoas de outros países. Nós começamos a receber a visita de pessoas de diversos países, como a Audrey, da França, que veio nos conhecer e mostrar sua arte. Ela trabalha numa organização cha- mada Meninos de Rua, na França.

O ano de 2006 foi certamente um ano de muitas ativi- dades, em que nos dividíamos para conseguir dar conta de tantos compromissos. Mas em 2007, como já tínha- mos um escritório, começamos a receber visitas de pessoas importantes.

O Dumontt mais uma vez tinha razão, era fundamental termos um lugar para receber as pessoas.

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Em meados de fevereiro de 2007 conhecemos algumas pessoas que trabalhavam numa nova secretaria da pre- feitura de Nova Iguaçu, a Secretaria de Valorização da Vida e Prevenção da Violência. Conhecemos o Tiago Borba e conversamos com ele sobre a quadra do Ciep 117. A gente não desistia da ideia de ocupar aquele lugar. O Tiago foi conosco até Morro Agudo conhecer o local. Pulamos o muro e entramos na quadra. Ele fi cou impres- sionado. Também não entendia como um local daquele tamanho poderia estar sem utilidade, ao mesmo tempo que a comunidade não tinha equipamento público para prática de esporte e cultura.

Eu, nessa época, não acreditava mais que existissem pessoas de bom coração. O Dumontt acreditava menos ainda, mas a gente reparou que o Tiago era diferente. O cara tinha um ar de sinceridade, de positividade. Nessa época também conhecemos o Luiz Eduardo Soares, antropólogo e cientista político brasileiro, que era o secretário de Valorização da Vida e Prevenção da Violên- cia da prefeitura de Nova Iguaçu. Ele ligou e marcou uma conversa conosco, em nosso escritório. Queria conver- sar, começaria a atuar na cidade e gostaria de conhecer as organizações culturais e de juventude.

Lembro que no dia marcado, meia hora antes do horário, ele ligou para o Dumontt e avisou que se atrasaria um pouco. O Dumontt comentou comigo que havia gostado da atitude dele, nós estávamos acostumados a pes- soas que marcavam, chegavam atrasadas e nem sequer pediam desculpas. Conversamos algumas horas com o Luiz Eduardo e percebemos que as pessoas que traba- lhavam com ele tinham essa mesma energia positiva. Ele nos tratou de igual para igual, assim como as outras pessoas que passaram por ali. A diferença é que ele nunca foi embora, está até hoje de olho na gente.

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Luiz Eduardo disse que talvez alguns amigos pudessem nos ajudar, mas que não podia prometer nada. Entraria em contato com eles e, se houvesse uma resposta posi- tiva, nos comunicaria. Ficamos ansiosos pela resposta durante algum tempo. Enquanto aguardávamos o con- tato do Luiz Eduardo, as reuniões abertas realizadas aos sábados na casa da Rosinha deram lugar ao Cefam (Centro de Estudo e Formação de Ativismo e Militância). Conversamos com os meninos e meninas que partici- pavam das reuniões convencionais e explicamos o que era o Cefam. Dissemos que iríamos estudar, conversar e compartilhar tudo o que a gente aprendia com os nossos irmãos, família e amigos, além de identifi car a violação de direitos em nosso bairro e colocar em prática a exigi- bilidade de direitos humanos. Cerca de 15 pessoas topa- ram participar e todo sábado estavam presentes. Sempre com um ar meio profético, o Dumontt me per- guntou o que era importante a gente fazer para evitar que as pessoas se afastassem das reuniões do Cefam. Eu disse que seria legal a gente passar uns fi lmes, mas lembrei que não tínhamos televisão e nem DVD. Ele res- pondeu: “Vamos comprar esses equipamentos, eles são necessários. Depois a gente marca as sessões de cinema uma vez por mês.” Eu concordei, mas lembrei a ele que não tínhamos dinheiro nem para pagar o aluguel do escritório. Ele disse simplesmente que a gente com- praria o equipamento porque era necessário.

Fazíamos muita dinâmica, como nas reuniões conven- cionais. O Dumontt preparava o material para a aula de um sábado e eu preparava a do sábado seguinte. Junto com o Átomo, selecionamos os temas que seriam abor- dados ao longo do ano. Uma das dinâmicas deu resultado muito positivo. Li a cópia de um livro de dinâmicas pro- curando algo que pudesse fazer nas reuniões de sábado.

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Achei uma que era perfeita, mas precisava de algumas modifi cações. Pesquisei o nome de diversas lideranças negras brasileiras, confesso que da grande maioria eu nunca tinha ouvido falar. Coloquei o nome delas numa folha de caderno.

No sábado cada participante do Cefam escolheria um nome, e eu colocaria o nome do participante ao lado do nome escolhido. Uns escolheram o nome mais engra- çado, outros nomes parecidos com os deles, mas a mis- são era pesquisar sobre o nome escolhido, fazer um estudo e no sábado seguinte dar uma aula para os outros companheiros sobre quem era a liderança sobre a qual eles pesquisaram. Eu e Dumontt também participamos. Eu pesquisei Milton Santos e o Dumontt, Luiz Gama. O resultado foi surpreendente. Para pesquisar, os parti- cipantes do Cefam passaram a semana inteira no escri- tório do Enraizados, usando os computadores. Depois de pronta, a pesquisa foi para o Portal Enraizados. O exér- cito do Cefam era formado por: Dudu de Morro Agudo, Dumontt, Átomo, Willian Robson, Rafael, Mailini, Lisa Castro, Sidélia Cantuária, Eliel Garcia, Barraquinha, UR Clau, Marcela, Patrícia Ximango e Léo da XIII.

198

Se não

sonhássemos, não

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