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Ousando em novos territórios

No documento Enraizados: os híbridos glocais (páginas 156-160)

As riquezas deste mundo pertencem, com efeito, àqueles que têm a ousadia de proclamar-se seus donos.

— Georges Duhamel

Em abril de 2006, aconteceria a primeira edição do evento Teia, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. O Teia reuniu os Pontos de Cultura participantes do Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania – Cultura Viva, do Ministério da Cultura. O MHHOB estava organi- zando o Espaço Preto Ghóez, que aconteceria durante o Teia. Todos os integrantes do MHHOB no Brasil enviaram representantes para as reuniões que aconteceriam em paralelo ao evento, e a principal pauta das reuniões era a discussão sobre os Pontos de Cultura, que estavam mais próximos de virar realidade para nós.

Alguns ônibus levariam os integrantes dos Pontos de Cultura para São Paulo, mas eu e Dumontt não pudemos ir porque era dia de semana e horário comercial. O Gil BV (Teresina-PI) me ligou dizendo que o ônibus passaria às 9h na rodovia Presidente Dutra para buscar os integran- tes do Movimento Enraizados. Porém não havia ninguém para ir, muitos eram menores de idade, outros estuda- vam e trabalhavam. Rapidamente liguei para o Léo da XIII e disse que tinha uma missão pra ele. No Enraizados, quando há uma missão, é impossível dizer não.

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O Léo saiu de casa às 8h30 e o ônibus só passou às 11h da manhã. Ele tinha apenas dez centavos na carteira e ia pela primeira vez para São Paulo, encontrar pessoas que nem conhecia. Para piorar a situação, o motorista do ônibus levou o Léo para o hotel errado, largou ele lá e foi embora. Quando foi fazer o chek-in não havia reserva em seu nome. Eu acompanhava tudo por tele- fone, ligando para o Gil BV e para o Lamartine, mas eles não tinham notícias do Léo.

Por sorte o Léo vestia uma blusa do Movimento Enrai- zados e a Mary Monteiro, do Núcleo Cultural do América Futebol Clube, em Juscelino, no Rio de Janeiro, começou a conversar com ele pra saber mais a respeito da orga- nização que tanto ouvira falar. Durante a conversa o Léo disse que o ônibus o havia deixado no hotel errado, e ele precisava ir para outro hotel, na rua Augusta. Mary tam- bém estava indo para lá de táxi e ofereceu uma carona. Quando chegou ao hotel, todos o procuravam. Final- mente me ligaram, informando que ele estava bem. Dois dias depois fui para São Paulo participar do evento. Quando cheguei ao hotel onde Léo da XIII estava, todos falavam maravilhas dele. Faltavam adjetivos para defi nir sua atuação na Teia.

Rolaram até algumas piadas por causa do seu excesso de vontade de cantar rap. Diziam que ele ajudava todo mundo, mas não podia ouvir um cara martelando um prego na madeira, porque se ouvisse o barulho tum, tum, tum, já começava a rimar.

Muitos passaram pelo Espaço Preto Ghóez, e o Enraiza- dos SP estava bem representado pelo Rodrigo Dimenor, presente com sua esposa e fi lho, pelo Terno e, é claro, pelo Alessandro Buzo, que daria uma palestra. Outras personalidades das periferias brasileiras estiveram ali,

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marcando presença. Os escritores Sérgio Vaz e Dinha, e muitos integrantes do MHHOB, como Adonias Luz (jor- nal “Estação Hip-hop”), Lamartine, Gil BV, Robson Codó, Saroba e Jackson.

Nas reuniões do MHHOB fi quei sabendo que os kits dos Pontos de Cultura estavam no Parque Ibirapuera, e que a gente já poderia levar dali os equipamentos. O Movi- mento Enraizados era um dos contemplados para rece- ber o kit dos Pontos de Cultura. Apesar de não ter onde colocar os equipamentos, eu queria levá-los para Nova Iguaçu de qualquer maneira naquele dia.

A gente se reunia, conversava, tentava imaginar alguma solução, mas nada era possível. O Gil BV disse que tal- vez pudéssemos colocar os equipamentos no ônibus que ia para o Nordeste, e quando ele passasse por Morro Agudo a gente pegaria, mas não deu certo. Tentei con- tratar uma empresa para pegar o material no Ibirapuera e entregar em Morro Agudo, mas o valor que a transpor- tadora cobrava era muito alto, cerca de R$800, um valor inviável de a gente arrumar.

Liguei para o Dumontt, que era o cara que realizava o impossível. Ele disse que era pra eu arrumar uma trans- portadora e quando a mercadoria chegasse ao Rio de Janeiro ele dava um jeito de pagar. Tentei de todas as formas, mas não consegui. Fomos pra casa com as mãos abanando e com a promessa de que o Ministério da Cul- tura entregaria os equipamentos em Morro Agudo no máximo em quinze dias.

Eu sabia que os equipamentos do MHHOB do Piauí che- gariam com certeza. A articulação da organização local com o Ministério da Cultura era muito grande, e o Cen- tro de Referência do Hip-Hop seria o lugar onde have- ria, entre outras, uma formação de metarreciclagem

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(reaproveitamento de computadores velhos) do MinC. Eu não tinha tanta certeza de que o nosso chegaria, por isso queria trazer embaixo do braço. Quando vi a quan- tidade de caixas, recuei e só tive a opção de esperar os dias que o MinC pediu.

O kit do Ponto de Cultura era composto por um computa- dor multimídia, um terminal burro (sem HD), uma fi lma- dora handcam da Sony, uma máquina fotográfi ca digital, um MD portátil, um microfone lapela, uma impressora jato de tinta, uma impressora a laser, um scanner, uma mesa de som de seis canais, um amplifi cador, dois kits de três microfones e cabos de rede. Imagina um bando de garotos que produziam com apenas um computador Pentium 100 e um teclado velho emprestado com todo esse equipamento nas mãos?

Voltando para Nova Iguaçu contamos as novidades aos nossos camaradas. Eles fi caram felizes, mas não fi ze- ram nenhum estardalhaço. Esses equipamentos já esta- vam para chegar há tanto tempo que ninguém mais acre- ditava no envio.

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