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descobrimos a imprensa

No documento Enraizados: os híbridos glocais (páginas 86-96)

Não há opinião pública, há opinião publicada.

— Winston Churchill

No dia 26 de novembro de 2001 aparecemos pela pri- meira vez num jornal, “O São Gonçalo”, e em 2002 está- vamos tocando em rádios comerciais e principalmente rádios comunitárias. O ano de 2002 foi repleto de apre- sentações artísticas. Nosso nome circulava como nunca no cenário hip-hop brasileiro. Com o dinheiro das minhas férias fi z mais uma coletânea do Movimento Enraizados: “Dudu de Morro Agudo apresenta: A Banca”. A Banca, na nossa gíria, signifi ca os amigos mais próximos.

Impulsionado pela venda dos CDs, me reuni com os outros camaradas da organização e propus confeccionarmos algumas blusas do Enraizados. A ideia era criarmos uma sociedade, cada um entraria com uma parte do dinheiro e receberia algumas blusas para vender, uma porcentagem voltaria para a organização, para fazer- mos mais blusas, e o restante fi cava com a galera que investiu. O objetivo era gerar uma renda complementar, pois todos já tinham um trabalho formal, e ainda divul- gar a organização.

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Deu tudo muito certo, vendíamos muitas blusas e dis- cos, conseguíamos visualizar o Movimento Enraizados nas ruas, principalmente nas noites de sexta-feira na Lapa. Comecei a fazer algumas viagens para São Paulo, fi cava hospedado na casa do Rodrigo Oliveira, o Dime- nor, primeiro integrante do Movimento Enraizados, e foi nessa época que conheci o maranhense Lamartine Silva, integrante do grupo de rap Clã Nordestino. Fiquei admi- rado com seu jeito de falar. Ele tinha o dom, ou a prática, da oratória. Logo que nos conhecemos fi camos até de madrugada conversando em uma praça próxima à casa do Dimenor. Bebemos e falamos muito, até que começou a amanhecer e o Lamartine disse que teria que ir embora. Trocamos telefones, ele tinha uma agenda velha, muito velha. Anotou meu número no meio da agenda e eu pen- sei que ele nunca mais iria achar aquela anotação. Quando menos esperávamos aconteceu o inevitável, a gente começou a aparecer nos veículos de comunicação convencionais. A ONG Viva Rio tinha um site chamado Viva Favela e fi zeram uma matéria bem legal conosco. Lembro que eu não tinha muita experiência e eles me ligavam toda hora querendo marcar a entrevista. Só podiam fazer no horário comercial, mas eu não podia porque trabalhava no supermercado. O fotógrafo Walter Mesquita foi até minha casa fazer umas fotos. Na época eu morava num quarto de 9m², com minha esposa e minha fi lha.

Achei que ele não acreditaria na minha história. Como um cara que vende tanto CD e roupa mora num lugar tão pequeno e pobre? Acho que eu também não acredita- ria. No fi nal de 2002, exatamente no dia 10 de dezem- bro de 2002, recebi a ligação do Bruno Porto, do jornal “O Globo”, querendo saber a opinião do Movimento Enraiza- dos sobre o crescimento do hip-hop em 2002. Quando a matéria saiu na revista Megazine, de “O Globo”, vi o nome

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do Movimento Enraizados ao lado de Jorge de Sá (fi lho da cantora Sandra de Sá) e Elza Cohen (produtora da tra- dicional festa Zoeira, que acontecia na Lapa), e percebi a importância dessa matéria para a organização, porque muitas pessoas em todo o Rio de Janeiro leriam:

O crescimento do hip-hop também pode ser conferido em sites dedicados ao tema, como o do Movimento Enrai- zados (www.enraizados.com.br). “O hip-hop brasileiro nunca cresceu tanto como em 2002” – diz o rapper Dudu de Morro Agudo, fundador do Movimento Enraizados, da Baixada Fluminense.

Nenhum de nós sabia bem o que estava fazendo, cada um tinha um motivo próprio para estar na organização. Alguns porque gostavam de cantar rap, outros porque queriam estar mais próximos e adoravam a bagunça que rolava todo fi m de semana, e ainda outros curtiam fi lo- sofar e discutir sobre os mais variados assuntos. Não tínhamos um objetivo claro, éramos jovens que deseja- vam se divertir e praticar arte. Eu particularmente tinha aversão a tudo o que se inclinasse para política partidá- ria, talvez por isso sempre utilizei o dinheiro das minhas férias ou o décimo terceiro salário para realizar as ações do Movimento Enraizados.

Eu era um líder que não sabia muito bem para onde ir, apenas seguia o fl uxo e, na maioria das vezes, meu cora- ção. Ainda em 2002 conheci a Giordana Moreira, e ela me chamou para participar de algumas reuniões porque queria fazer, em janeiro de 2003, o Fórum Carioca de Hip-Hop, levantando algumas propostas para o Fórum Social Mundial. Começamos a produzir o Fórum Carioca de Hip-Hop juntos, com reuniões que me tiravam do sério, pois não avançavam. Sempre tinha um que chegava, fazia a reunião regredir e depois ia embora, o que me irritava.

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Eu e a Giordana não concordávamos apenas em um ponto. Ela queria fazer discussões e mais discussões dentro de uma sala de aula e eu queria fazer um evento cultural, com música, dança e grafi te. Eu tinha certeza que se chamássemos jovens para discutir dentro de uma sala de aula não daria certo, teria uma grande evasão, mas se mesclássemos com algum divertimento talvez pudesse funcionar.

Chegamos num acordo e nos dias 11 e 12 de janeiro de 2003 fi zemos o Fórum Carioca de Hip-Hop, no Sesc de Nova Iguaçu e no Colégio Rangel Pestana. O jornal “Inverta” (PC) cobriu o evento e publicou uma matéria falando muito bem. Acho que foi a Giordana quem escre- veu a matéria. De qualquer maneira, o evento foi real- mente um sucesso, as discussões foram legais e a parte artística fi cou ótima. O ano de 2003 marcou a história do Movimento Enraizados. Fizemos um grande esforço para trazer a revista “Rap Brasil”, única do gênero no nosso país, para fazer uma matéria com os grupos de rap do Rio de Janeiro. Conversamos com o Alexandre de Maio e ele disse que seria uma revista especial Rio de Janeiro, com todos os grupos que conseguíssemos encontrar. Foi muito trabalhoso fazer a matéria. Não tínhamos tempo e nem dinheiro para dedicar ao Alexandre. Como todos trabalhavam, havia um revezamento de horários. Eu tentava deixá-lo à vontade, mas não tinha como fi car à vontade com o cara da revista “Rap Brasil”. Ainda mais quando a grana podia acabar a qualquer momento. Fazíamos ligações para marcar com o maior número de grupos possível no mesmo lugar, para não gastarmos com condução. Eu saía todos os dias de Morro Agudo, ia para Vila Valqueire e de lá partia para São João de Meriti, onde fi cava o estúdio do DJ Criolo, ponto de encontro para as entrevistas. Não aceitava a ideia de que alguns

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grupos de rap não conseguiam chegar ao local no horário marcado. Se eu conseguia fazer todo esse malabarismo e chegava no horário, por que os outros grupos que mui- tas vezes moravam próximo não conseguiam?

Quando a revista foi publicada o Enraizados fez uma festa. No total 38 grupos de rap foram contemplados: NRC, Fúria Brasileira, Delano, O Bando, P10, Literarua, B32, GBCR, Slow da BF, Força Hip-hop, LC Fidalguia, Nove Balas, Kapella, Kwanza, Poder Consciente, Fator Bai- xada, Rodrigo RG, Criolo, Tropeço, Aliados 021, Mistura Racial, Reis, Oeste Selvagem, Última Trombeta, Punho Cerrado, Papo Reto, Descendentes da Ralé, Negresoul, Consciência e Verdade, Contenção, Família Tiro Verbal, Re.Fem, Ciência Rimática, Gás-Pa, Don Negroni, B Negão, Inumanos, e nós do Movimento Enraizados. Muitos gru- pos se desfi zeram menos de um ano depois de publicada a revista, mas outros sobrevivem até hoje.

Um fato negativo foram os comentários maldosos que fi zeram. Mesmo sendo contemplados com a matéria alguns grupos se sentiram prejudicados e tentaram espalhar o boato que a gente fazia panela para favore- cer certos grupos. Mas nós nem tínhamos acesso a isso, essa parte era toda com o Alexandre. Ele fazia as per- guntas e decidia o tamanho da matéria. No começo isso me deixou chateado, mas depois percebi que à medida que a gente ia crescendo, por mais que tentássemos, agradar a todos seria cada vez mais difícil.

A matéria na “Rap Brasil” abriu algumas portas para os que participaram da edição, e nos tornamos mais conhe- cidos em todo o território nacional. Nessa época a gente só conseguia ver um lado da imprensa, a parte que falava a verdade e nos dava notoriedade. Anos depois, apesar de mantermos bons contatos com alguns jornalistas, passamos por maus momentos quando uma pessoa que

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se dizia amiga publicou inverdades sobre a organização, mostrando o nível do seu profi ssionalismo. Não tivemos muitos problemas porque o veículo de comunicação que ela trabalhava não atingia um grande número de pes- soas, mas mesmo assim esse fato serviu para que nós aprendêssemos a abrir o olho com a imprensa.

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2003: um ano

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