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Ousadia: deixe-me ir, preciso andar

No documento Enraizados: os híbridos glocais (páginas 116-138)

Aos que me perguntam o motivo de minhas viagens, geralmente lhes respondo que sei bem do que fujo, mas não o que busco.

— Michel de Montaigne

O ano de 2005 foi um ano de mudanças consideráveis para o Movimento Enraizados, e eu também estava disposto a mudar. O ano começou com muitas propostas, e uma delas foi participar do Trocando Ideia, evento produzido pela Fabiana Menini, em São Luís, no Maranhão. Nós do Enraizados éramos responsáveis pelas artes-fi nais que sairiam na revista “Rap Brasil”, blusas, cartazes e fl yers. Eu nunca fui designer, nem sequer fi z curso de Corel Draw ou Photoshop, apenas aplicava os ensinamentos que o Wilson Neném me passou, com um pouco de criatividade que só pode ser coisa de Deus. Também fomos convida- dos a fi nalizar e atualizar o site do Trocando Ideia. Aceitamos, mas eu é que fi caria semanas na frente do com- putador. Trabalhei pesado e apliquei um pouco daquele conhecimento no nosso Portal. Na verdade não sabia muito bem o que faria, peguei o projeto do site e comecei a analisar os códigos. Como não conseguia começar o trabalho, peguei o recurso que a Fabiana Menini havia me adiantado, cerca de R$800, e comprei um monte de livros para estudar e fazer o site ao mesmo tempo.

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Com tudo pronto e aprovado pela diretoria do Trocando Ideia, que era apenas a Fabiana, me prepararei para via- jar pela primeira vez para São Luís. Tive que inventar muita história na empresa onde trabalhava, porque eles não me liberariam se eu dissesse a verdade e eu decidi- damente necessitava fazer aquela viagem. Agora havia chegado a minha vez.

No dia de viajar para o Maranhão eu estava muito tenso, era a minha primeira viagem de avião. Não tinha dinheiro nem para ir ao aeroporto. Lembrei que o Marquinhos, irmão do Marcio Periquito, trabalhava em uma agência de locação de automóveis, a Localiza, no aeroporto. Fui à casa dele e toquei o interfone pronto para fazer um pedido quase desesperado:

— Marquinhos, posso falar contigo um minuto, meu parceiro?

— Quem é? — É o Dudu.

— Claro, entra aí. O que tá acontecendo?

— Boa noite, meu parceiro. Tô dependendo de sua ajuda e se você não puder me ajudar eu não tenho mais a quem recorrer.

— Calma, cara, fala o que você precisa, se eu não puder resolver talvez um outro amigo possa.

— Você ainda trabalha no aeroporto?

— Sim, trabalho na Localiza. Aquela empresa que aluga carros.

— É porque eu tô precisando ir para o aeroporto amanhã de manhã, mas não tenho o dinheiro da passagem e queria ir de carona contigo.

— O que tu vai fazer no aeroporto? — Vou viajar pro Maranhão, a trabalho. — Qual o horário do teu voo?

— É 10h, mas eu tenho que chegar às 9h. — Dudu, tá tranquilo, meu parceiro, mas só tem um problema.

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— Fala aí, qual o problema?

— A gente vai chegar lá às 6h da manhã.

— Marquinho, isso não é problema nenhum, o pior seria se eu chegasse atrasado.

— Então tá tranquilo, amanhã cedo você brota aqui em casa e a gente vai.

— Valeu, camarada, muito obrigado. Tu tá ligado que se precisar de qualquer parada, é nós.

Como ele havia afi rmado, chegamos às 6h no aeroporto. Fiquei lá sentado, sem saber o que fazer, até que chega- ram meus camaradas Fábio ACM e Def Yuri. Eles me orien- taram em todo o processo. Fomos beber cerveja e por pouco não perdemos o voo. Eu achei aquilo muito compli- cado. Check-in, revista, portões, embarque, e certamente se eles não estivessem ali eu não conseguiria chegar a São Luís sozinho. Para mim tudo era novo. O hotel onde nos hospedamos era lindo, tinha uma piscina gigante e logo depois da piscina era a areia da praia. A maré subia três vezes por dia, em alguns momentos a água do mar quase entrava no hotel, em outros o mar sumia, parecia um deserto, com algumas piscinas naturais.

Eu me sentia mal por não poder fi car no sol, na piscina, na praia. Havia dito aos meus superiores no trabalho que estava doente, como poderia voltar queimado de sol? Nessa viagem, além do Fábio ACM e do Def Yuri, estavam Alexandre de Maio (SP), Fabiana Menini (RS), Nando (MA), Lamartine (MA), Edjales Fama (RO), Saroba (RS), Filho (PI), Patrícia (RS), Paulinha (RS), DJ Morce- gão (AP), DJ Juarez (MA), e vários outros parceiros que ainda reencontraria no futuro. Durante o Trocando Ideia, houve batalha de break, shows, palestras e reuniões do MHHOB, além de uma apresentação do projeto “Hip-hop na linha de frente contra o tabaco”, mas depois que o Ghóez morreu nada era como antes no MHHOB.

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O ano de 2005 estava apenas começando e eu já tinha envolvido o Movimento Enraizados em muitas parcerias. Já no dia 14 de janeiro outro integrante do Enraizados participaria de um projeto a convite do Fábio ACM, o “Hip-hop mandando fechado em saúde e sexualidade”. O Fábio não queria que eu fosse, porque eu já havia par- ticipado do projeto anterior, mas insisti muito e ele aca- bou liberando. Este projeto foi realizado bem perto da minha casa, em Nova Iguaçu, no bairro Tinguá, eu saía do trabalho e ia direto.

Eu deveria chegar na sexta-feira pela manhã, assim como todos os outros participantes, mas estava no tra- balho e não poderia inventar outra história uma semana depois da viagem para São Luís, seria muita cara de pau da minha parte. Tinha comprado uma moto YBR, zero quilômetro, e fui com ela para Tinguá. Rolou um bochi- cho dentro do Movimento Enraizados falando que eu tinha comprado a moto com dinheiro da organização. Mas quem falou isso estava tão distante que não sabia que o Enraizados só me dava lucros de realização pes- soal. Sentia-me realizado em fazer as atividades, mas fi nanceiramente era um prejuízo atrás do outro, nem no zero a zero fi cava. Tinha comprado a moto em 36 vezes e pagava com o dinheiro da passagem de ônibus. Vendi a moto meses depois porque caí umas três vezes.

Chegando na pousada em Tinguá, procurei os amigos. Fiquei impressionado com o lugar, era muito especial, muito verde, pra onde eu olhasse via árvores, grama e cerca. Mais acima, na casa onde comíamos, tinha uma piscina. Eu estava começando a curtir esses encontros, sempre com piscina e comida da melhor qualidade, mas não me encantava muito porque na segunda-feira a vida voltava ao normal, e a realidade era triste.

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Foi nesse dia que conheci o Japão (DF), a gente trocou muita ideia e fi camos amigos na hora. Há tempos ele cantou no grupo do GOG e a história de vida dele den- tro do hip-hop é muito importante. Eu não o conhecia, fi quei até envergonhado. Apesar de cantar rap há algum tempo, só conhecia os grupos que ninguém conhecia, os que começaram a cantar comigo e aqueles com quem eu tinha um contato via carta ou e-mail. Mas o Japão tam- bém não me conhecia e fi cou tudo no zero a zero. Esse projeto foi importante porque eu comecei a pen- sar sobre a questão de gênero, dar mais valor e atenção para as mulheres. Percebi o quanto eu era homofóbico e o quanto a maioria das pessoas do hip-hop ainda é. Vi que as minas tiravam de letra, mas os caras não. A maio- ria queria saber se havia algum homossexual dentro do hip-hop, mas só apareceram as minas. Se havia algum homossexual no dia fi cou quieto, até mesmo por receio. Não era medo de apanhar, porque acredito que ninguém chegaria a esse ponto, mas a encarnação, as fofocas. Como era costume em outros projetos do Fábio, a gente fez músicas baseadas nos temas propostos. Nenhum cara quis fazer música falando de homossexualidade. Dias depois o Cacau, do grupo Baixada Brothers, me ligou e falou:

— Dudu, vamos fazer um som juntos? — Claro, meu parceiro, vamos sim.

— Vamos falar de homossexualismo. Vou convidar outros caras pra fazer também.

— Por mim tudo bem, cara.

Passaram-se alguns dias e eu não tinha feito a minha parte ainda. O Cacau já estava com a base produzida, me ligou e perguntou:

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— Dudu, a letra da música tá pronta? — Tá sim, Cacau.

— É que eu tô escrevendo a parte de todos os partici- pantes pra ver quais se encaixam e colocar em ordem. Tem como você me mandar a sua parte agora? — Claro que tem, mano, me liga daqui a pouco que eu te falo.

— Tudo bem, daqui a cinco minutos eu te ligo. — Beleza!

Fiquei doido, peguei papel e caneta e comecei a escrever desesperadamente, mas como iria falar de homossexu- alismo? Resolvi falar para as pessoas não serem precon- ceituosas, fi z comparações e alusões. Trinta minutos depois e o Cacau já tinha me ligado umas dez vezes, ele estava me pressionando e eu já estava fi cando irritado. Pensei em desistir, mas consegui terminar a letra. Ele anotou tudo e depois me ligou.

— Dudu, aqui é o Cacau de novo. — Eu sei, fala tu!

— Você já viu a parte do Mad no rap que a gente tá fazendo?

— Não!

— Esta semana a gente vai gravar e tu vai ver. — Ficou maneira, Cacau?

— Sim, fi cou muito maneira.

O Mad é um cara que eu conheço há muito tempo, mas não lembro quando foi a primeira vez que a gente trocou ideia. Sempre foi nosso camarada, mas hoje está bem mais próximo do Enraizados. Ele fez parte dos primeiros b. boys e MCs do Rio de Janeiro, cantou funk também. É polêmico e não se preocupa com o que as pessoas falam. O negócio dele é tacar lenha na fogueira. O Mad fez a música em primeira pessoa, dando a entender que era homossexual. Quando eu ouvi, não sabia o que dizer. Achei incrível a atitude e resolvi ligar para ele.

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— E aí, Mad, tudo bem? Aqui é o Dudu. — Fala aí, piranha.

— Mano, achei irada a tua letra. — Pô mano, tu gostou mesmo?

— Sim, cara, gostei muito. Gostei mais ainda da tua atitude. Expor sua vida assim, falar da sua homossexua- lidade numa música.

— Mas espera aí, Dudu, eu não sou homossexual! — Aaaaaah, é sim!

— Não, não sou não.

Então nós começamos a rir muito! E ele indagou: — Você faz música dizendo que dá tiro e nem por isso é bandido.

— Mas Mad, uma coisa é você dar tiro e outra é dar a capital da Coreia do Sul.

Nós rimos mais ainda, um provocando o outro.

Foi uma letra precursora, que se tornou eterna abor- dando um assunto jamais falado dentro do hip-hop. E o mais maneiro é que ele teve a iniciativa que nenhum homossexual havia tido, apesar de ele ser heterosse- xual. Veja a parte do Mad na letra “O julgamento”:

A vida passa, o mundo gira e vê que nada mudou E vê que o novo pensamento ainda não se formou A ignorância, o preconceito, sai do escuro e mostra a cara Sua face é violenta e despreparada

Que vai no fundo da alma e corta a calma

Transforma a luta da igualdade num sonho sem causa O seu olhar de reprovação me traz indignação Torna mais forte a minha posição

Vocês não sabem como é difícil enfrentar O julgamento desse seu olhar

Quando não quero que me entenda Só quero o seu respeito

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Deixe-me em paz, deixe-me sorrir ou chorar Me lambuzar de prazer ou me penalizar A opção é minha, então vamos por parte Respeite a minha individualidade

Que movimento é esse que estamos participando Que agride outros seres humanos

Que porra de cultura é essa que estamos formando Ao invés de unir estamos segregando

Na semana seguinte, dia 28 de janeiro, eu voava de novo para Porto Alegre, para participar do Fórum Social Mun- dial e do MHHOB Mundi, evento do MHHOB que fazia parte do calendário do Fórum. Ainda não me sentia seguro em viajar sozinho de avião, por sorte o Def Yuri também estava indo para Porto Alegre, fi caríamos na casa da Fabiana Menini. A viagem foi tranquila.

Assim que entrei no portão da escola onde a maioria das pessoas do MHHOB estavam hospedadas topei com o Gilberto Gil, então ministro da Cultura. Na pressa, ele apertou a minha mão e foi embora. A galera olhou a cena e achou que éramos relacionados, e algumas pessoas que nem me conheciam começaram a se chegar.

Como participava ativamente do MHHOB, fui convidado para dar palestra sobre Software Livre na mesa “Comu- nicação popular e cultura hip-hacker” junto com o Cláu- dio Prado, do Cultura Digital, do Ministério da Cultura, e a Fernanda Weiden, criadora do projeto “Software Livre mulheres”. Apesar de eu não saber absolutamente nada de Software Livre, na época era o cara do MHHOB que mais entendia de tecnologia. Estudei um pouco antes de viajar e preparei um discurso bem básico e superensaiado. Participei de todas as discussões, mas não falava muito, apenas observava, tentando absorver o máximo do que os experientes diziam. Reparei que quando dava uma opi- nião, uma maioria sempre concordava comigo, e vi que um

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questionamento meu podia mudar algo no rumo da histó- ria. Mas não questionava muito porque não queria ser o centro das atenções. Na verdade, minha vontade era pas- sar despercebido. Desejava que ninguém fosse à pales- tra, ou que ela tivesse sido cancelada por algum motivo. Mas nada disso aconteceu. No dia e na hora marcada, cerca de 20 pessoas sentadas em círculo esperavam as sábias palavras de Dudu de Morro Agudo, Cláudio Prado e Fernanda Weiden. Nunca vou esquecer o que o Cláudio Prado fez por mim aquele dia. Como a Fernanda não apareceu, ele fez questão que eu falasse primeiro, pois certamente se ele começasse não haveria chance de eu falar depois.

Meu discurso começou bem técnico, falando das dife- renças entre o Windows e o Linux. Depois parti para a discussão ideológica, e de maneira abrupta terminei a longa palestra de dez minutos. Foram os dez minutos mais longos da minha vida. As 20 pessoas me olharam com cara de espanto, sem acreditar que eu realmente tinha terminado a palestra. O Cláudio olhou pra mim e disse a todos os presentes:

— A ideia do Software Livre é justamente essa que o Dudu acabou de falar, agora eu vou apenas complementar.

Ele falou durante duas horas, e eu aprendi bastante sobre Software Livre. Depois desse dia estudei muito. Precisaria saber a respeito porque as discussões sobre os Pontos de Cultura estavam aceleradas e eu era a pessoa que participava dos grupos de discussão com o Ministério da Cultura, representando o MHHOB. Nas reuniões do MHHOB durante o V Fórum Social Mun- dial falava-se muito sobre a Conferência do MHHOB que aconteceria em Teresina, no Piauí, em fevereiro daquele mesmo ano.

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Assim que cheguei ao Rio de Janeiro recebi uma ligação da Fabiana Menini informando que a Conferência seria durante o carnaval, a partir do dia 5 de fevereiro de 2005. Eu tinha acabado de chegar e já me preparava para mais uma viagem, dessa vez para o Piauí. Eu sabia que as dis- cussões teriam dois eixos muito importantes: a apro- vação dos Pontos de Cultura e a institucionalização do MHHOB por meio de um braço jurídico chamado Instituto Ruas. Minha participação era muito importante nas duas discussões. Não viajei sozinho, levei mais dois integran- tes do Movimento Enraizados, achava importante que essa galera estivesse viajando e conhecendo gente nova. Não poderia imaginar que essa viagem mudaria total- mente o rumo do Movimento Enraizados no Rio de Janeiro. Todos os participantes da Conferência se hospedaram em um hotel perto do Centro de Teresina. Era um hotel duas estrelas, mas era bem confortável e os funcionários muito gentis. Faziam de tudo para nos agradar.

Os trabalhos e reuniões aconteciam no Centro de Refe- rência do Hip-Hop, na sede da ONG Questão Ideológica, também fi liada ao MHHOB, uma escola abandonada que foi ocupada por eles. Quando cheguei ao Centro de Refe- rência do Hip-Hop e vi de perto a organização daqueles jovens, fi quei deslumbrado. Não somente com o tama- nho do local, mas também com os equipamentos que eles tinham ali e mais ainda com a administração. A média de idade era no máximo 25 anos.

Eu teria que voltar para o Rio antes de terminar a Confe- rência. Algumas reuniões foram antecipadas para que eu participasse. Queria mais informações a respeito da ocu- pação da escola abandonada. Em Morro Agudo havia uma escola estadual abandonada havia mais de quinze anos, onde eu jogava bola quando era criança. O Gil BV, um dos coordenadores da ONG Questão Ideológica e a pessoa com

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que eu mais tinha contato no Piauí, me contou que eles estavam precisando de uma sede e identifi caram aquela escola. Organizaram-se e em apenas um dia ocuparam o espaço, colocaram luz, água, pintaram, grafi taram tudo e ainda começaram as ofi cinas de hip-hop.

A imprensa documentou as atividades, e o governo fez um acordo com eles, que permitia que fi cassem durante dez anos no local. O Gil BV me disse também que foi muito importante o apoio fi nanceiro da Fase, ONG do Rio de Janeiro, por meio de um fundo de apoio cha- mado Saap (Serviço de Análise e Apoio a Projetos). Foi o pontapé inicial, quando eles começaram uma nova fase em suas vidas.

Uma nova fase também começava na minha vida. Durante as reuniões soube que oito Pontos de Cultura poderiam ser aprovados para o MHHOB, e um deles iria para o Movimento Enraizados. Além disso, as negociações com o Instituto Ruas também avançavam. Fui embora de Teresina feliz, com uma força renovada, louco para chegar ao Rio e compartilhar com os companheiros do Movimento Enraizados as novidades. Em breve teríamos equipamentos novos para fazer nossas próprias produ- ções de música, vídeo, e tudo mais que tivéssemos von- tade e criatividade.

Depois que fui embora muita coisa ainda aconteceu em Teresina. A Fabiana Menini saiu do MHHOB. Acho que ela não queria, mas talvez tenha sido obrigada a dei- xar a organização. Isso nunca fi cou muito claro, cada um com uma versão diferente da história. Creio que foi uma guerra de egos, mas nada podia ser feito. A Fabiana integrou o MHHOB a convite de Preto Ghóez, e sem ele seria impossível mantê-la na organização. Mas a Fabiana continuou com êxito nos seus projetos na Trocando Ideia, sua organização.

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O Neoenraizados

Não estrague aquilo que você tem, desejando o que não tem; lembre-se de que o que você agora possui

um dia já esteve entre as coisas com relação às quais você só tinha esperança.

— Epicuro

Eu não parava de pensar no Centro de Referência do Hip-Hop. Se aqueles garotos conseguiam ter algo daquele tama- nho funcionando em Teresina, por que nós não conse- guiríamos fazer o mesmo em Nova Iguaçu? Fui várias vezes ao colégio abandonado pensando o que pode- ríamos fazer para ocupar o lugar, construir ali a nossa sede e colocar os equipamentos do Ponto de Cultura, que chegariam a qualquer momento. O local é a quadra de um Ciep com mais de 4.000m². O colégio pertence ao Governo do Estado do Rio de Janeiro e está até hoje murado nos quatro lados. Não há como entrar, não existe portão. A diretora da escola, por medo dos adolescentes que usavam a quadra para praticar esportes e usar dro- gas, pediu que murassem o espaço.

Nessa mesma época, o Dinho e o Jack, do grupo de rap Fator Baixada, compraram um transmissor FM e mon- taram uma rádio comunitária no terraço da casa do Dinho. Eles tinham um programa diário de rap que era sucesso absoluto no bairro. O Kall e o Jack eram os

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apresentadores e o Dinho cuidava da parte técnica. O programa era à noite, das 22h à meia-noite, e todos nós íamos ver a performance deles. Em pouco tempo eles compraram uma linha telefônica e ar-condicionado. Eu achava tudo muito legal, as pessoas ligavam querendo participar e a gente conseguia brindes para eles sortea- rem. Aos sábados o programa era de tarde. A gente com- prava cerveja e fi cávamos bebendo enquanto eles traba- lhavam. Sempre levávamos algumas pessoas do hip-hop para serem entrevistadas aos sábados. Uma vez convi- damos o Alessandro Buzo, que sempre estava no Rio de Janeiro, e fi zemos um churrasco na laje do Dinho. Entre uma cerveja e outra o Buzo respondia às perguntas.

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