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Representações de gênero e o paradoxo da separação das esferas

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O GÊNERO E A RELIGIÃO NA GESTÃO DA SUBJETIVIDADE NO TRABALHO 4.1 Introdução

5.2. Representações de gênero e o paradoxo da separação das esferas

No contexto ocidental capitalista pode-se dizer que as organizações empresariais são parte do grupo hegemônico. Na medida em que a cultura de uma sociedade é construída em base à “hegemonia de um grupo e dos conflitos entre as forças mestras no curso de seu desenvolvimento histórico” (Miceli In BOURDIEU, 1974:LII), ainda que não se possa simplesmente justapor cultura nacional à cultura organizacional (Helena HIRATA, 2002:115), é de se supor que esta revele traços não apenas da cultura, mas também dos conflitos e contradições presentes na sociedade na qual atua. Estes se configuram a partir de relações sociais assimétricas, podendo conjugar/sobrepor diversas hierarquias – econômicas, geopolíticas, de classe, de sexo e/ou opção sexual, de raça/etnia, nacionalidade

e religiosas – que resultam no acesso e divisão desigual do trabalho e dos benefícios materiais e de reconhecimento auferidos pelos sujeitos trabalhadores. No contexto contemporâneo de alta diferenciação, tais assimetrias - entre países/regiões geográficas e/ou entre indivíduos/grupos sociais – assim como a capacidade de resistência/luta podem se expressar de diversas formas. A dominação social se reveste de um caráter mais diversificado, “o que explica que a defesa contra essa dominação já não possa mais apelar a uma comunidade ou a uma profissão, como ainda era possível nas sociedades industriais e pré-industrial” (TOURAINE, 1979:413). Ela tende muito possivelmente a extrapolar a condição de classe, que até recentemente constituía o prisma principal de abordagem da divisão social (Nancy FRASER, 2009), passando a engajar e/ou sobrepor outras formas de divisões, operadas a partir das posições relativas que os indivíduos/grupos ocupam nos diversos âmbitos da escala social. Tal é o caso, por exemplo, das lutas feministas que, não podendo ser reduzidas à luta de classes, se colocam numa perspectiva de combate não apenas às desigualdades de gênero- incluindo as relativas à divisão sexual do trabalho- mas também de outras formas de injustiça social. Assim, por exemplo, os estudos feministas da religião, através da “crítica às categorias dominantes utilizadas pelos estudos de religião [... têm] explicitado a particularidade dessas categorias, seu caráter sexista, ideológico, etnocêntrico e, conseqüentemente, identitário e excludente” (Sandra DUARTE de Souza, 2010:329). Da mesma maneira, as feministas têm se recusado a identificar as injustiças econômicas exclusivamente com desigualdade de classe, não para descartá-las, mas para ampliar sua perspectiva crìtica: “focando não apenas o gênero, mas também classe, raça, sexualidade e nacionalidade, elas foram pioneiras de um „interseccionismo‟ alternativo, que hoje é amplamente aceito” (Nancy FRASER, 2009:103). Colocaram-se também numa perspectiva crítica do ocidentalismo, não obstante a ambigüidade e nuances que, de acordo com Nancy FRASER (2009), marcaram eventualmente tal crítica.

Da mesma maneira BERNOUX (1985) considera que numerosos conflitos no âmbito organizacional têm sua origem ou motivação em questões identitárias. Ele cita como exemplos, na França, a greve de mulheres no banco Crédit Lyonnais, ocorrida em 1976, e a de imigrantes, representada pela greve de lixeiros parisienses em 1974, além das greves na montadora de automóveis Citroën, em 1982, desencadeadas por operários marroquinos não

sindicalizados e que não teriam visado apenas obter vantagens específicas, mas que tratava- se, inicialmente, de buscar reconhecimento e legitimidade social (1985:200). Para o autor, as múltiplas raízes da identidade do sujeito trabalhador fazem com que um tipo de comportamento possível não exclua outros:

“um pequeno grupo de trabalhadores imigrantes dentro de uma grande empresa composta na maioria de trabalhadores franceses pode vivenciar comportamentos de dois níveis diferentes[...] Ele se adaptará a certas normas de comportamento de produção dos trabalhadores franceses, ele criará possivelmente outras específicas ao seu grupo de imigrantes se ele se sentir suficientemente forte para fazê-lo” (BERNOUX, 1985:201).

Enfim, conflitos identitários, dentre os quais podemos destacar aqueles relativos ao gênero e à pertença religiosa, perpassam o cotidiano da vida organizacional. A capacidade de controle e ocultamento dos conflitos no ambiente organizacional depende da possibilidade de expressão e de ação dos/as trabalhadores/as sobre estes. Tal possibilidade é sempre presente, ainda que em graus e formatos variados, podendo assumir formas mais explícitas, em circunstâncias de grupo e/ou ambientes que assim o favoreçam, ou de resistência em ambientes mais coercitivos (BERNOUX, 1985; MORGAN, 1996). Embora possam assumir contornos diferenciados de acordo com o contexto, certas características gerais, constitutivas da divisão social do trabalho e, dentre elas, da divisão sexual do trabalho na modernidade capitalista são, elas mesmas, focos de contradições e conflitos. Assim, a própria forma segmentada de constituição do trabalho produtivo, remunerado, e do trabalho reprodutivo, gratuito – em esferas separadas e atribuídos de modo desigual aos sexos – é reveladora de relações de poder desigual. Elas são naturalizadas, no entanto, por representações sociais do trabalho e de gênero que mascaram, em certa medida, o seu caráter conflitivo.

De fato, no plano das representações, o mundo organizacional e do trabalho nas modernas sociedades capitalistas são regidos pela separação das esferas da vida (Helena HIRATA e ZARIFIAN, 2009) e pela racionalização. Esta é entendida tanto em termos de objetividade das técnicas e/ou das formas de sistematização do trabalho, quanto em termos do aspecto impessoal do qual o mundo organizacional e o mundo do trabalho assalariado se revestiriam. A objetividade e a impessoalidade garantiriam a impermeabilidade entre as

esferas, possibilitariam manter à distância as paixões, preocupações e interesses pessoais, das quais fariam parte, dentre outras, a fé religiosa e o mundo doméstico e familiar. A funcionalidade e plausibilidade do sistema dependeria dessa possibilidade/capacidade de manter à distância tudo o que é avesso ao cálculo. Embora essas idéias se apresentem como um todo coerente, elas estão permeadas de contradições e conflitos (Marilena CHAUÍ, 1981). De fato, muito embora o trabalho doméstico, ao contrário do trabalho assalariado, seja realizado na esfera privada, seja avesso à mensuração e seja tido como atividade própria das mulheres, ele não passa de modo algum ao largo do sistema produtivo. Ao contrário, ele é continuamente integrado no e pelo sistema, que se beneficia tanto do caráter gratuito de que ele se reveste, quanto das competências aí adquiridas pelas mulheres, por força das formas modernas de divisão sexual do trabalho, mas também das emoções e afetos, das formas de sociabilidade, dos saberes e do poder.

No que concerne à separação das esferas em si, a atribuição da responsabilidade pela reprodução às mulheres permite excluir ou desconsiderar os custos daí decorrentes dos salários dos homens. Se por um lado tal situação pode remeter a um conflito de classes, na medida em que permite ao empregador se apropriar dessa parcela não atribuída ao salário masculino, por outro lado ele não pode ser reduzido apenas a esse aspecto, mas deve ser compreendido a partir das assimetrias de gênero, na medida em que cabe às mulheres arcar com os custos da reprodução. De acordo com Laís ABRAMO e Rosalba TODARO

“nas atuais circunstâncias do mercado de trabalho e da configuração familiar, os custos derivados da maternidade e do cuidado das pessoas são associados diretamente às mulheres trabalhadoras. A suposição implícita é que esses custos não existem quando as mulheres não se incorporam ao trabalho remunerado. Mas a realidade é que, nesse caso, tais custos são absorvidos pelo trabalho exercido pelas mulheres no âmbito doméstico, ou não mercantil, e pelo salário masculino” (In: Albertina COSTA et al., 2008:143).

No que concerne ao trabalho remunerado, portanto, o trabalho masculino tende a ser considerado, a priori, menos oneroso do que o das mulheres, já que é sobre elas que recaem os custos não salariais associados à reprodução (licença-maternidade, creches, etc). No entanto, o “argumento recorrente de que os custos da mão-de-obra feminina são superiores aos da mão de obra masculina, apesar de as remunerações das mulheres serem em média significativamente inferiores às dos homens” (Laìs ABRAMO e Rosalba TODARO, In:

Albertina COSTA et al., 2008:142), não corresponde à realidade. Ao menos no caso de países da América Latina, dentre os quais o Brasil, a pesquisa de Laís ABRAMO e Rosalba TODARO indica que os custos adicionais para o empregador (1,2% no caso do Brasil) na contratação de mulheres são “muito reduzidos e não explicam a persistência das desigualdades de remuneração entre homens e mulheres, assim como a falta de oportunidades iguais de acesso ao emprego, à capacitação e aos postos de maior responsabilidade e hierarquicamente superiores” (In: Albertina COSTA et al., 2008:150).

Os benefícios que o capital retira da divisão sexual do trabalho não se restringem à não contabilização dos custos possibilitado pela separação das esferas, mas se estendem também ao trabalho remunerado das mulheres. Assim, a integração de capacitações adquiridas na esfera doméstica às quais, por outro lado, as mulheres são continuamente associadas, favorece e justifica uma segmentação da sua atividade profissional em determinados setores e funções, aos quais geralmente se atribui menor remuneração. É óbvio que tal segmentação não é decorrente de uma incapacidade inata dos homens em assumir tarefas tidas como femininas (como freqüentemente as representações poderiam nos fazer crer) e/ou vice-versa, mas que ela é socialmente construída. Nesse sentido, ela também não deve ser vista em termos de complementaridade- isto é, não se trata de afirmar que há uma especialização dos sexos e que o problema a sanar estaria na valorização diferenciada dos papéis e atributos associados a um e outro sexo. Trata-se de afirmar, isso sim, que, uma vez que não há especialização de acordo com o sexo nem complementaridade de atividades e/ou afetos entre os sexos, responsabilidades e direitos devem ser atribuídos de forma igualitária, independente do sexo, e é sobre esse pressuposto que as políticas de promoção da igualdade deveriam se apoiar.

Na verdade, a recusa à responsabilização exclusiva das mulheres pela reprodução constitui um pressuposto básico das lutas feministas e, nesse sentido, pode-se considerar que aquele da co-responsabilidade dos sexos está sim na base das reivindicações, ao menos no plano da argumentação feminista. Ocorre que, em virtude tanto da centralidade que se atribuiu ao trabalho remunerado como meio de liberação feminina, quanto do intuito de evitar que a atribuição direta dos custos sociais de reprodução aos empregadores prejudicasse o acesso

ao emprego e o salário das mulheres, prevaleceu a tendência de privilegiar equipamentos públicos e/ou substitutos de mercado. Ademais, diante do risco de reafirmar a segmentação como “natural” e tendo em vista que as mulheres são as principais injustiçadas, as políticas igualitárias freqüentemente focaram sobretudo as mulheres e os meios e medidas julgadas necessárias para que estas tivessem condições de acesso igualitário ao emprego, particularmente no que diz respeito à conciliação com as responsabilidades familiares. Tal abordagem, no entanto,

“é fortemente sexuada, visto que define implicitamente um único ator (ou atriz) dessa conciliação, as mulheres, e consagra o status quo segundo o qual homens e mulheres não são iguais perante o trabalho profissional. Na própria essência dessa política aninha-se um paradoxo: a vontade de chegar à igualdade pela promoção da conciliação” (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008)

De fato, tal estratégia não foi suficiente para evitar os temidos efeitos nocivos sobre a empregabilidade e os salários femininos e tampouco para promover uma redistribuição igualitária das tarefas no âmbito familiar/doméstico. Até porque ela mesma contribuiu, em certa medida, para a desvalorização do trabalho doméstico, tanto em virtude da sobrevalorização do papel atribuído ao trabalho profissional quanto da exclusão dos homens da problemática da conciliação vida familiar/vida profissional (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008). Conseqüentemente, não obstante a maior participação no mercado de trabalho tenha contribuído para modificar as relações de força entre os sexos, questões relativas às responsabilidades domésticas ainda precisam ser administradas pelas mulheres, não raro através de disputas e negociações no plano das relações pessoais. O resultado de tais negociações para as mulheres pode ser, por sua vez, o ter de abrir mão do emprego, dos estudos e/ou de promoções, conforme pudemos constatar junto a algumas de nossas entrevistadas. Assim, por exemplo, enquanto a adjunta de chefe de caixa Danièle se viu na contingência de interromper o trabalho, em virtude da maternidade, a caixa Noemi teve de abrir mão de seus estudos:

« Et puis, bien, j‟ai travaillé à Hypermarché, donc je suis à Hypermarché depuis 24 ans, dans la même boîte à Saint-Denis. Et je m‟y plais ! J‟aime bien ce que je fais d‟ailleurs. Maintenant au niveau des études, j‟ai un bac plus 2. Ensuite, qu‟est-ce que j‟ai fait ensuite, j‟ai fait pas mal de trucs, je me suis arrêtée pendant deux ans pour m‟occuper de ma fille, ensuite j‟ai repris le boulot, avant je travaillait à Casino, c‟est

une société aussi. Casino, une société de supermarchés. » (Danièle, Hypermarché França)

« Maintenant ça fait quatre ans que je suis ici et donc j‟ai continué mes études en même temps que le travail. Cette année je n‟ai pas repris mes études parce que j‟ai eu un petit garçon. » (Noemi, Hypermarché França)

Diante da prevalência desse padrão da mulher como principal cuidadora e da insatisfação feminina com a conciliação, coloca-se portanto o desafio de construir outros paradigmas “que passariam também por rearticular o lugar da convivência privada, do cuidado e do trabalho como esferas igualmente relevantes da vida e das relações sociais” (Clara ARAÚJO, Felícia PICANÇO e Celi SCALON In: Albertina COSTA et al., 2008:242). Não seria o caso, portanto, de considerar o trabalho doméstico problemático em si mesmo. Até porque tanto as próprias atividades domésticas quanto as relações interpessoais e afetivas às quais elas estão ligadas podem ser “igualmente fontes de prazer” e podem “evidenciar outra finalidade possìvel para a atividade humana” (Eleni VARIKAS, 1996:18). A atribuição exclusiva das responsabilidades familiares às mulheres é sim problemática na medida em que repousa numa visão essencialista e reproduz a ordem instituìda do “time is money. Com a diferença, considerável, que seu tempo freqüentemente não é seu dinheiro” (Eleni VARIKAS, 1996:18). Contudo, a sobrevalorização da atividade profissional pode ter também esse mesmo efeito, na medida em que não só toma “os homens como parâmetro da igualdade que as mulheres devem atingir” (Diane LAMOUREUX, 2002 :11), como

“subordina o acesso aos direitos à capacidade de trabalho produtivo, concepção que, infiltrada na visão crítica do socialismo, estabeleceu afinidades inconfessadas com o liberalismo clássico. Essas afinidades relacionam-se com a rejeição para fora ou para as margens do político de campos inteiros de relações de dominação e dos pontos de vista plurais da liberdade e da justiça aos quais tais relações dão lugar” (Eleni VARIKAS, 1996:17).

Laís ABRAMO e Rosalba TODARO (In: Albertina COSTA et al., 2008) consideram que um sistema flexível de licença parental, isto é, que alcance indistintamente pai ou mãe além do estímulo à adoção de políticas de recursos humanos que promovam maior equilíbrio entre o trabalho e a família e da extensão dos serviços de cuidado infantil a todos os trabalhadores com responsabilidades familiares, de ambos os sexos constituiriam um

avanço importante em termos de legislação não discriminatória (2008). Ela obrigaria a rever o paradigma do “trabalhador normal”, que

“é extremamente parcial e dissociado, já que supõe um indivíduo que não tem uma vida pessoal para cuidar fora do trabalho remunerado e que, portanto, deve ter disponibilidade total para este e nenhuma possibilidade ou necessidade de realizar qualquer tipo de trabalho, esforço ou dedicação no universo familiar” (Laìs ABRAMO e Rosalba TODARO In: Albertina COSTA et al., 2008: 154).

Embora em certa medida tal paradigma possa ser considerado universal no mundo capitalista, ele se apresenta mais ou menos problemático para as mulheres de acordo com o contexto. Diferenças entre a França e o Brasil nesse sentido são identificadas pelo expatriado brasileiro Ângelo (Textile francesa). Ele considera que, além da maior prioridade dada à família na França - eventualmente explicável por políticas visando enfrentar a preocupação com mudanças no comportamento reprodutivo das mulheres nos países europeus (Laís ABRAMO e Rosalba TODARO In: Albertina COSTA et al., 2008) - o fato do custo de contratação de uma babá lá ser maior do que no Brasil levaria os homens, principalmente os divorciados, a um maior engajamento no cuidado dos filhos. A tal ponto que abrir mão de tarefas e mesmo de reuniões de trabalho para atendê-los em caso de necessidade não seria ali uma prerrogativa exclusivamente feminina. Já no seu caso pessoal ele afirma que o fato de não poder contar com uma empregada na França, ao contrário do que ocorria quando estavam no Brasil, tem provocado conflitos relativos à distribuição das tarefas domésticas entre ele e sua esposa, mesmo que ainda não possuam filhos/as.

Verifica-se portanto que, se a necessidade de administração individual, no plano pessoal e afetivo, da distribuição das responsabilidades domésticas abrange seguramente a maioria das mulheres em todo o mundo capitalista, os recursos de que estas dispõem para enfrentar a desigualdade não são necessariamente os mesmos em todos os países e nos diversos segmentos da escala social. Helena HIRATA, em suas pesquisas comparativas internacionais conclui que há uma correlação entre a evolução das relações sociais de sexo na sociedade como um todo e as modalidades que a divisão sexual do trabalho assume em cada paìs e que existe “uma correspondência entre a hierarquia na famìlia, na profissão e na sociedade que produz configurações extremamente diferentes nos status sociais e nas relações de poder” (2002:286). De fato, se por um lado as assimetrias de gênero não podem

ser reduzidas à luta de classes, por outro lado elas se desdobram em novas configurações das hierarquias sociais, na medida em que mulheres ocupando postos de prestígio passam a delegar as tarefas domésticas a mulheres de classes menos favorecidas (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008).

No Brasil, onde esse modelo de delegação já se fazia presente entre as camadas mais abastadas da população antes mesmo da entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho, o trabalho doméstico remunerado, que corresponde a cerca de 17% do emprego feminino (Cristina BRUSCHINI, Arlene RICOLDI e MERCADO In: Albertina COSTA et al., 2008), engaja sobretudo mulheres afrodescendentes provenientes das regiões mais pobres do paìs. Diante de equipamentos públicos insuficientes, a “rede informal de solidariedade bastante ampla que inclui famìlia, vizinhos, amigos, etc.” (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008:275) constitui outro importante recurso no Brasil, principalmente para as mulheres de baixa renda. Na França a adoção do modelo de delegação é recente e é delineado pelas novas configurações da divisão internacional do trabalho e conseqüentes mudanças nos fluxos migratórios (Helena HIRATA e Danièle KERGOAT In: Albertina COSTA et al., 2008:275), de tal modo que a raça/etnia, a origem nacional e a religião se conjugam aí ao gênero na definição dos padrões de exclusão social. Tais padrões de exclusão, alimentados em grande medida pela desvalorização do trabalho doméstico, são reafirmados no mundo organizacional.

A interseccionalidade de tais hierarquias no mundo do trabalho pode ser ilustrada pelas segmentações encontradas na Textile e no Hypermarché quanto à raça/etnia dos/as trabalhadores/as pesquisados/as. Enquanto na Textile- onde a maior parte dos empregos são masculinos e melhor remunerados - aqueles/as que se declaram brancos/as correspondem a 86,7% do total do universo pesquisado no Brasil, no Hypermarché (Brasil) esse percentual se reduz para 45,1% do total dos/as questionados/as. E, no próprio Hypermarché (Brasil), entre os/as questionados/as que trabalham na área de recursos humanos (RH) – correspondendo a postos melhor remunerados do que aqueles da grande maioria dos/as questionados/as das lojas - a proporção dos/as que se declaram brancos/as sobe para 70,6% contra uma proporção de 40% quando considerados apenas os/as questionados/as das lojas.

Na França, embora não tenham sido aplicados questionários, é evidente a disparidade entre a proporção de trabalhadores/as de origem estrangeira e/ou não-brancos no Hypermarché- constituindo a maioria dos/as entrevistados/as – e na Textile, onde os entrevistados além de brancos são todos franceses, exceto pelos/as expatriados/as brasileiros/as. Ademais, de acordo com a expatriada Flávia, as mulheres que podem ser identificadas como muçulmanas na Textile França são apenas as que trabalham na área de limpeza. E mesmo no caso dos homens, o expatriado Ângelo declara ter ciência de apenas um caso de executivo originário de um país árabe na Textile, o qual possui ademais um elevado nível

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