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Representações da religião: tensões entre arcaísmo e modernidade, alienação e contestação

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O GÊNERO E A RELIGIÃO NA GESTÃO DA SUBJETIVIDADE NO TRABALHO 4.1 Introdução

5.4. Representações da religião: tensões entre arcaísmo e modernidade, alienação e contestação

Nas sociedades modernas, concebidas a partir da ruptura com a concepção do mundo como divinamente instituído, as religiões são representadas como pertencendo ao mundo antigo, como arcaicas, patriarcais, conservadoras, imutáveis.

“Sua abordagem mais simples, tanto no caso liberal quanto no marxista, sugere que a religião é patriarcal, planejada por homens, executada por homens, legitimando interesses masculinos, e subjugando mulheres material e ideologicamente (através da falsa consciência)” (Linda WOODHEAD, 2002).

Num contexto em que a estabilidade e fixidez dos conceitos, até mesmo científicos, é freqüentemente criticada (ao menos pelas teorias feministas), tais concepções das religiões são, contraditoriamente, indicativas não apenas de uma percepção destas como unívocas, unas e fixas, como de uma perspectiva redutora das religiões à instituição religiosa. No entanto, as religiões – tanto as instituições quanto os fenômenos religiosos- não são fatos independentes do contexto, razão pela qual elas não só não se constituem como um bloco único como também mudam; tanto há variabilidade (diacrônica e sincrônica) dentro de cada religião como entre as religiões, embora elas possam possuir certos aspectos em comum, no que concerne ao seu estatuto. De fato, dentre os sistemas simbólicos a religião possui um estatuto privilegiado enquanto lócus de produção e reprodução de uma determinada ordem social - e sexual - em face tanto de sua capacidade de abrangência, de integrar “os fenômenos humanos em um quadro cósmico de referência” (BERGER, 1985:48), quanto do caráter sagrado que confere a tal ordem. É o poder de legitimação do arbitrário contido na religião, de sancionar e santificar a ordem vigente que, de acordo com BOURDIEU

(1974), torna a religião predisposta a assumir uma „função ideológica‟, isto é, de reforço do capital simbólico passível de ser mobilizado por um grupo ou classe na justificação e legitimação dessa ordem.

Nesse sentido, argumentos religiosos têm sido efetivamente freqüentemente mobilizados, sobretudo por instituições religiosas, mas não apenas por estas, para impedir a adoção de políticas de igualdade entre os sexos. Esse foi o caso, por exemplo, do debate na 4ª Conferência mundial sobre o direito das mulheres em Pequim (1995) em torno do termo “igualdade”, e que determinados grupos pretendiam substituir por “equidade” em respeito a religiões, tradições e costumes de determinados povos ou nações, substituição essa considerada injustificável e perigosa pelo relatório de 2002 da comissão de direitos humanos da ONU (Florence ROCHEFORT, 2010; Françoise GASPARD, 2007). De acordo com tal relatório “a existência de várias leituras possìveis dos textos religiosos dentro de uma mesma confissão revela o peso das culturas patriarcais cuja origem não é estritamente religiosa” (Florence ROCHEFORT, 2010:1109). Da mesma maneira, “toda uma nebulosa de movimentos pró-vida, de caráter mais ou menos confessional [...] se mostra muito ativa na sociedade civil, na rede da internet e junto a instituições e parlamentares” (Florence ROCHEFORT, 2010:1109). Tendo sido lançados por católicos e agregando protestantes conservadores, eles compõem uma importante parcela da direita religiosa nos Estados Unidos, país onde elas mais têm se desenvolvido (Florence ROCHEFORT, 2010). Também no Brasil observou-se nas eleições presidenciais de 2010 o mesmo fenômeno, ou seja, a tentativa de grupos pró-vida no interior da direita religiosa de influenciar os resultados das eleições por meio de mobilizações de apoio a candidatos de direita pela internet.

Contudo, embora a laicidade, ao contrário da religião, seja freqüentemente vista, inclusive pelos movimentos feministas, como promotora da igualdade entre os sexos, tal associação nem sempre é verdadeira ou tão simples de se estabelecer. Assim, por exemplo, enquanto a Dinamarca, paìs no qual não há separação entre Igreja e Estado, “está entre os mais permissivos em matéria de liberdade de costumes” (Florence ROCHEFORT, 2010), a França, de forte cultura laica e que ratificou a Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres (CEDAW) da ONU em 1983, mantém ainda

“reservas” em relação ao seu artigo 16, sustentando uma legislação discriminatória em relação a direitos civis das mulheres quanto ao casamento46 (Françoise GASPARD, 2007). Nesse sentido, a não aplicação seletiva da CEDAW não é uma prática restrita “a paìses de cultura muçulmana, nem de países que não conhecem a separação das Igrejas e do Estado, ou ainda de países em desenvolvimento nos quais coabitam sempre um direito civil e um direito de costumes” (Françoise GASPARD, 2007:177). Do mesmo modo o direito laico, sobre o qual feministas do século XIX fizeram repousar sua esperança de uma sociedade mais justa (Françoise GASPARD, 2007), pode eventualmente se mostrar mais reticente em relação a liberdades sexuais do que determinadas correntes religiosas, conforme se depreende de exemplo fornecido por COULMONT (2007): nos Estados Unidos, não obstante ministros religiosos pudessem oficiar casamentos civis de casais heterossexuais, o oficial do estado de Nova York considerou que os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, efetuados por um padre ortodoxo e um pastor episcopal entre 1970 e 1973, desafiavam o código penal e, portanto, não poderiam ter valor civil. Assim, se a religião jogou e joga um papel na subordinação das mulheres, isso não se passa sem contradições e resistências e a própria laicidade, embora pretensamente liberadora, também continuou cumprindo um papel de subordinação das mulheres.

Por outro lado, BERGER chama a atenção para o fato de que, se a religião tende a exercer um papel alienante do ser humano de si mesmo, uma vez que opera “a transformação de facticidades humanas em supra-humanas ou não humanas” (1985:102), por outro lado ela possui um potencial desalienante. Isto porque o mesmo caráter eterno de que se reveste pode remeter ao caráter temporal e, portanto, precário, relativo, humanamente construído do mundo social: tanto as instituições, quanto os papéis representativos destas e,

46 Esse é o caso, de acordo com Françoise GASPARD, da questão da “idade de casamento que é diferente para os meninos (18 anos) e para as meninas (15 anos, se os pais concedem a autorização para celebração)” (2007:177). Ainda de acordo com a autora “o Senado, em 2005, adotou uma proposta de lei para remediar essa discriminação em virtude dela favorecer os casamentos ditos „forçados‟” (2007:177, nota 28). Ela destaca contudo que, até o momento em que o artigo foi escrito a Assembléia Nacional ainda não havia inscrito a proposta na ordem do dia. Outro aspecto discriminatório do referido artigo 16 que a autora destaca é a do “nome patronìmico pois que, a despeito de uma reforma recente, é o nome do pai que é automaticamente dado às crianças se há desacordo entre os esposos. Além disso, nos seus territórios ultramarinos, em virtude do artigo 75 da Constituição os autóctones podem sempre escapar ao Código civil e solicitar a aplicação de seu direito religioso ou de costume” ( Françoise GASPARD, 2007:177). Embora uma lei de julho de 2004 tenha proibido o reconhecimento pelo Estado das uniões poligâmicas, os efeitos daquelas contratadas antes de janeiro de 2005 permanecem (Françoise GASPARD, 2007:177, nota 29).

“paradoxalmente, toda a teia de mistificações religiosas jogada sobre a ordem social pode, em alguns casos, ser drasticamente removida – por meios religiosos – deixando que aquela ordem seja novamente apreendida como apenas um artifìcio humano” (BERGER,1985:111,112). Mesmo nesse caso, em termos práticos, ela poderia assumir um caráter revolucionário e transformador (mandato antinomista), ou adquirir um caráter conservador (tolerante). Enfim,

“pode-se dizer que a religião aparece na história quer como força que sustenta, quer como força que abala o mundo. Nessas duas manifestações ela tem sido tanto alienante quanto desalienante. É mais comum verificar-se o primeiro caso [...], mas há exemplos importantes do segundo” (BERGER,1985:112).

Deve-se considerar, ainda que, em primeiro lugar, as religiões não se constituem como blocos uniformes, mas encontram-se freqüentemente divididas em diversas correntes, mais ou menos conservadoras e mais ou menos liberais. E, se o seu poder de sacralização a torna eficaz como fonte legitimadora da ordem estabelecida, este também pode ser mobilizado pelas perspectivas mais liberais e/ou transformadoras. Como afirma Marilena CHAUÍ “assumindo ou não uma forma messiânica e profética, a contestação social de origem religiosa é radical, pois sendo a religião contato com o absoluto, a transformação exigida por ela é a de que o mar vire sertão e o sertão vire mar” (1981:78). Em segundo lugar, se as correntes conservadoras têm tido mais espaço – de fato ou na mídia - do que as liberais, há que se questionar até que ponto isso não se deve exatamente ao papel ideológico que outros setores conservadores da sociedade pretendem que elas cumpram e/ou que pretendem lhes imprimir. Em terceiro lugar, se por um lado as religiões constituem a cultura, elas estão também sujeitas a mudanças de acordo com o contexto histórico e social, de modo que a crítica das religiões é necessariamente crítica da própria modernidade, da qual ela são parte constitutiva e constituinte.

Ou seja, a temporalidade atinge a própria mensagem religiosa que, até mesmo devido à função ideológica que cumpre em favor dos grupos sucessivos que a adotam, está necessariamente sujeita a reinterpretação (BOURDIEU, 1974). Assim, se por um lado as representações de gênero que circulam no conjunto da sociedade são informadas por valores religiosos, por outro os indivíduos e a instituição religiosa, ainda que procurem manter e confirmar a sua identidade, estão eles mesmos sujeitos à influência da cultura

circundante, que lhes exige mudanças. Ademais, fatores relativos à própria possibilidade da religião manter-se fiel à sua tradição, e mesmo quanto ao poder dela impor normas de conduta ao fiel, podem intervir nas respostas dos sujeitos religiosos à sociedade em mutação. De fato, o processo de secularização dá lugar à crescente autonomização das diversas esferas sociais, e também das diferentes dimensões da identidade religiosa. No mundo moderno os próprios sujeitos tratam de construir a sua identidade religiosa, já não mais pela referência a uma tradição, mas pela „colagem‟ dos referenciais disponìveis na montagem de sua própria concepção do ser religioso. As possibilidades que tal processo oferece são múltiplas, tanto em termos da opção e possibilidade de exercício da autonomia, quanto em termos dos referenciais mobilizados na construção da identidade religiosa individual e coletiva. Isso não significa necessariamente que um ethos religioso tradicional ou conservador não seja jamais “reproduzido por sujeitos que, mesmo admitindo-se religiosos, não possuem vìnculo formal com nenhuma instituição religiosa” (Sandra DUARTE de Souza, 2010:335). Mas indica sim que não se pode reduzir uma religião à instituição religiosa e nem mesmo a mensagem religiosa àquela propagada pelas correntes dominantes e/ou mais visíveis de um determinado grupo religioso.

Nesse sentido, as relações que as mulheres estabelecem com as religiões também não podem ser tomadas de forma simplista, como se o papel das religiões fosse sempre e unicamente o de reforçar o patriarcado (Linda WOODHEAD, 2002), ao qual as mulheres simplesmente se submetem ou são submetidas através dos preceitos religiosos que se lhes impõem. Ainda que poucas vezes possa se constituir de fato como liberadora, a religião pode oferecer meios de resistência e de análise crítica das desigualdades de gênero. Assim, por exemplo, na medida em que as formas e tipos de acesso ao espaço público são usualmente diferenciados de acordo com o sexo, a participação religiosa das mulheres pode ser fortemente influenciada pelo acesso a espaços sociais que a religião ou símbolos religiosos podem lhe proporcionar em determinados contextos, pela relação entre a “habilidade das religiões em lhes prover um espaço social que não lhes seria disponìvel de outra maneira [... e os] espaços sociais disponìveis para elas em uma sociedade particular” (Linda WOODHEAD, 2002:2). Mesmo nas religiões mais tradicionais os símbolos religiosos tanto podem adquirir diferentes significados em diferentes contextos, quanto

podem ser instrumentalizados pelas mulheres na busca de maior espaço social (Linda WOODHEAD, 2002; Maria José WEREBE, 2007). Aqui o véu islâmico – “polissêmico e paradoxal” (Françoise GASPARD, 2006:89) oferece um bom exemplo: se ele é o sìmbolo de uma dominação sexual masculina, particularmente no contexto das nações islâmicas (não laicas), o seu sentido varia de acordo com o tempo e lugar de sua utilização: usado tanto como símbolo político de afirmação identitária e contestação social quanto como instrumento de afirmação de uma certa autonomia, uma vez que lhe possibilita ocupar um espaço público, estudar, viajar, como também proteger-se “num contexto de controle territorial exercido por homens” (Françoise GASPARD, 2006: 90).

De fato, o recurso a símbolos do universo religioso pode constituir uma estratégia consciente ou inconsciente de resistência e proteção contra o assédio sexual. Exemplo nesse sentido é o caso já mencionado de mulheres evangélicas no Brasil que, sendo identificadas pela forma de se vestirem, são consideradas impermeáveis ao assédio por parte dos colegas e chefes do sexo masculino. Não podemos afirmar que esse seja exatamente o caso das mulheres muçulmanas que trabalham nos caixas do Hypermarché na França e que costumam usar o véu ao encerrar o seu expediente, mesmo sendo impedidas de usá-lo no ambiente de trabalho. Mesmo assim não se pode descartar a possibilidade de que aí também tal atitude constitua uma estratégia de delimitação, e que não deixa de dar indicações quanto ao grau de (in)disponibilidade ao assédio. Pode-se supor que, mesmo aqui, talvez não se trate simplesmente de alienação ou de „escolher‟ a via religiosa, mas de saber, de ter conhecimento de causa das alternativas que se colocam no presente (Marilena CHAUÍ, 1981:77). Pois, se por um lado essas estratégias se desenvolvem dentro e a partir de um preceito religioso cujo intuito é o de controlar o corpo das mulheres, elas também constituem uma forma de recusa a outros tipos de controle sobre o corpo feminino – mais aceitáveis no contexto das sociedades ocidentais modernas, mas não menos violentas – seja ele o assédio ou a objetificação com finalidade comercial (sobretudo para agradar o cliente).

Da mesma maneira, Eliane M. da SILVA (2006) observa que a adesão de mulheres a fundamentalismos evangélicos no Brasil deve-se, em parte, às contradições presentes na

sociedade quanto às novas funções e papéis sociais atribuídos às mulheres. Ao mesmo tempo em que torna a auto-estima das mulheres dependente da boa-aparência e do trabalho bem-sucedido, a sociedade não lida na prática com todas as dificuldades que daí decorrem, como a questão salarial e do subemprego, além do desprestígio dos papéis domésticos tradicionais, pelos quais, no entanto, as mulheres continuam tendo que responder, uma vez que não se verifica uma mudança efetiva do comportamento masculino. O ambiente religioso lhes permitiria “lidar com as contradições do cotidiano” (Eliane M. da SILVA, 2006:21,22). Ali elas podem encontrar uma revalorização dos papéis tradicionais femininos, em alguns casos, mas também uma melhora da sua condição no contexto familiar, diante do compromisso ético que exige dos homens “amor, responsabilidade, compromisso com os filhos, abstinência e fidelidade” (Eliane M. da SILVA, 2006:22). E, “mesmo em núcleos familiares não convencionais, por exemplo, naqueles em que as mulheres são as „cabeça-de-família' o status feminino aparece como um antídoto contra o machismo culturalmente agressivo” (Eliane M. da SILVA, 2006:22).

Na perspectiva de Linda WOODHEAD, enquanto no mundo islâmico é o véu que permite passar da esfera doméstica para a esfera pública, no caso do Ocidente a única opção disponìvel para as mulheres de entrada no mundo público é pela adesão à “forma „racionalizada‟ e nos termos seculares masculinos, [o que implicaria em] deixar para trás aspectos vitais de sua identidade, incluindo sua religião” (2002:8). Nesse sentido, a adesão de mulheres a religiões mais tradicionais poderia constituir uma forma de reação ou protesto diante dessa necessidade de masculinização da identidade no trabalho, favorecendo “um „balanço‟ com o mundo austero das pressões competitivas do mercado e sua „gaiola de ferro‟ da racionalidade, e [...] um equilìbrio entre diferentes aspectos de suas vidas.” (Linda WOODHEAD, 2002:5). É interessante destacar que esse poderia ser o caso de Sophie (de origem portuguesa e de família católica) que, como tivemos oportunidade de observar no capítulo 1, é considerada e se considera uma exceção por ocupar um posto tido como masculino por excelência no Hypermarché França. Aparentemente consciente de que a identificação aos padrões/atributos masculinos permite valorizar sua identidade no trabalho, ela procura se assimilar a estes, mas ao mesmo tempo revelou que namora um rapaz muçulmano. Embora afirme que nem seu namorado nem ela própria sejam muito religiosos,

ele lhe ensina um pouco da religião muçulmana, usualmente tida como fortemente patriarcal e, portanto, afirmando uma identidade feminina bem distinta da masculina. Por outro lado, este mesmo exemplo de instrumentalização de referenciais religiosos contra uma discriminação sentida no meio social possibilita considerar que a participação religiosa, mesmo no caso daquelas religiões tidas como fortemente tradicionais e/ou patriarcais, não necessariamente implica na simples submissão/aceitação de suas prescrições por parte das mulheres que a elas aderem.

De fato, os papéis tradicionais de gênero não são necessariamente aceitos sem resistência pelas mulheres religiosas. Esse parece ser o caso, por exemplo, de mulheres na França que, possuindo grau universitário e sendo financeiramente independentes, mesmo tendo sido educadas na religião muçulmana e não tendo abandonado a sua fé, reinterpretam „pessoalmente‟ em termos mais liberais as prescrições de sua religião no que concerne à sexualidade (Janine MOSSUZ-LAVAU:2005). O mesmo ocorre no Brasil, por exemplo, tanto em relação a mulheres que se declaram católicas, mas que não seguem os preceitos religiosos quanto ao uso de contraceptivos, quanto com mulheres que professam religiões protestantes, mas ressignificam “a partir da demanda de suas vidas cotidianas” os papéis sexuais que lhe são doutrinariamente atribuídos (Sandra Duarte de SOUZA, 2006:37). Tal fato pode ser exemplificado também pelos casos de mulheres evangélicas ligadas a igrejas ditas „de costumes‟ (que prescrevem o uso de saias, proìbem o uso de maquiagem, etc) no Brasil e de muçulmanas na França que decidem abrir mão dos preceitos religiosos para poder trabalhar no Hypermarché, tanto na França quanto no Brasil, conforme pode-se depreender de relatos de entrevistadas/os (já mencionados anteriormente).

Enfim, as resistências podem tomar formas variadas e se constituir tanto contra a doutrina e o contexto religioso quanto a partir destes. Dalva, por exemplo, gerente comercial em uma loja do Hypermarché e que se declara católica ativa, não só demonstra “perfeito conhecimento de causa” (Marilena CHAUÍ, 1981:77) quanto às assimetrias de gênero operantes no mundo do trabalho, tanto no Hypermarché quanto em outras empresas, quanto considera que a sua participação religiosa (embora considere que no caso de algumas religiões poderia se verificar o efeito oposto) favorece a desinibição e o desenvolvimento

de habilidades de liderança que contribuem para o exercício de suas funções gerenciais. Se a religião pode prover legitimação e justificativas para as assimetrias, ela pode também prover meios de ressignificar e/ou resistir à desigualdade sentida quer no meio religioso, quer na sociedade mais ampla. E, se em alguns casos a perspectiva crítica das contradições presentes na sociedade pode estar na origem da adesão religiosa de mulheres a determinadas religiões, em outros é a própria religião que parece fornecer o suporte crítico contra a dominação, seja ela dominação sexual, de classes ou étnica. Esse parece ser o caso por exemplo, de um trabalhador da Textile Brasil, conforme relato de Adilson, gerente de logìstica e serviços, que considera esse como mais um dentre outros casos de “radicalismo” que teriam causado problemas à empresa:

“É... tive outros exemplos assim, que aconteceu aqui nesse site. Nem sei qual era exatamente, a igreja da, do funcionário. Mas ele começou a é... agir de tal forma que ele começou é.., convencer outros funcionários até de empresas prestadoras de serviços nossos, a..., nos horários de almoço por exemplo, ele fechava o local, a área física lá daonde ele trabalhava, baixava a porta, e ele começou a fazer um tipo duma, duma, duma... pregação, começou a colocar, usar o microcomputador pra colocar hinos da igreja dele é..., juntos com os outros que também participaram da igreja dele, que ele começou, eu não sei como ele começou a descobrir esse pessoal aqui dentro que também faziam parte da mesma igreja. Talvez de outras, é... unidades mas, mesma, mesma igreja. E eles começaram a se reunir dentro e começar a cantar, rezar, e tal, começou a chamar muita atenção de outras pessoas e daqui a pouco todo mundo falou: “escuta, tá tendo um culto lá dentro, tal hora e tal, todo dia tá tendo...o pessoal fica rezando muito alto lá dentro e cantando não sei o que”. Começou a conturbar de certa maneira o ambiente por causa disso E aì, é...tá fazendo isso “olha, tá fazendo no horário de almoço dele”, então ele tinha o direito de fazer aquilo. Mas aì ele não tava indo almoçar, falou “ Não tô indo almoçar, a gente não vai almoçar e a gente fica aqui e faz isso” “Não tá indo almoçar e você tá se alimentando na hora, como é que cê

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