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A RENDA MÍNIMA DE INSERÇÃO (RMI) FRANCESA

Pela sua história, a França instituiu as primeiras medidas de assistência social no pós-revolução Francesa, assim foram criadas no então Estado democrático francês ações para amenizar a situação da população mais vulnerável. Em 1890, já havia na França os princípios do Estado de bem-estar social, implantado tardiamente se comparado aos demais países europeus em 1928/30, com a garantia dos direitos do cidadão. No período do pós- segunda guerra, o Estado-Providência francês ampliou seu conjunto de benefícios pela incorporação de categorias e o aumento de beneficiários.

Em 1989, foi criado o programa Renda Mínima de Inserção (RMI), como uma tentativa de incentivar a reinserção profissional, social e econômica. O modelo francês é caracterizado pela combinação de inserção profissional e a articulação de renda mínima com outros programas e serviços de proteção social como direito a todos os cidadãos,

96 Estatística apresentada pela OCDE no período de 2004 a 2011. Para mais informações acesse:

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independente de sua condição pessoal ou socioeconômica. O programa é nacional, a transferência de renda é assegurada pelo governo central com contrapartida explícita dos departamentos que devem investir o equivalente a 20% do total dos benefícios concedidos pelo Estado em políticas locais de inserção profissional e capacitação para a população-alvo (LAVINAS, 1998).

Segundo Lavinas (1998) em 1996, 1/3 dos desempregados franceses recebiam renda de subsistência em decorrência das mudanças introduzidas no seguro-desemprego, cujo valor mensal foi reduzido de 75% para 65% do último salário e cujo tempo de permanência neste sistema não poderia ultrapassar a um ano. Aqueles que não conseguissem se recolocar e permanecerem sem meios de obtenção de renda deveriam ser alocados no programa da subsistência.

O sistema de segurança social francês abrange cinco regimes principais: o regime geral, que cobre a maioria dos trabalhadores bem como outras categorias de pessoas (estudantes, beneficiários de certas prestações, residentes); os regimes especiais dos trabalhadores, alguns dos quais cobrem todos os riscos e outros unicamente o seguro de velhice (os nacionais estão cobertos pelo regime geral em relação aos outros riscos); o regime agrícola que cobre todos os riscos com duas vertentes distintas: os agricultores e os trabalhadores agrícolas; os regimes dos trabalhadores independentes não agrícolas: três regimes autônomos de seguro de velhice (artesãos, comerciantes e industriais, profissões liberais) e um regime de seguro de doença; os regimes de seguro de desemprego e os regimes complementares de pensões obrigatórios. São organizados em quatro ramos: prestações por doença, maternidade, invalidez e morte; prestações por acidentes de trabalho e doenças profissionais; prestações por velhice; prestações familiares (MISSOC, 2012b).

Na França, há várias prestações de recursos mínimos para as pessoas com residência estável e efetiva em França, cujos recursos não ultrapassem um determinado limite, tais como: rendimento de solidariedade ativa97; subsídios para portadores de deficiência;

97 O rendimento de solidariedade ativa (revenu de solidarité active - RSA) visa complementar o rendimento

profissional daqueles que com rendimento insuficiente, garantir um rendimento mínimo às pessoas sem recursos e promover a atividade profissional, lutando simultaneamente contra a exclusão. Destinado à pessoas com mais de 25 anos (ou menos de 25 anos se tiverem a seu cargo, pelo menos, um filho, incluindo nascituros, ou se puderem provar um período mínimo de atividade). Os beneficiários do RSA são obrigados a

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subsídios de solidariedade para idosos e subsídio complementar de invalidez; subsídio de solidariedade específica98; e subsídio temporário de espera99.

Os indivíduos beneficiados pelo programa de renda de inserção recebem também o auxílio-moradia e a cobertura integral de saúde através do sistema público, ainda que não seja contribuinte. H a obrigatoriedade de que todos os beneficiários participarem de contratos de inserção - colocar-se à disposição do governo municipal para a obtenção de um emprego ou à realização de algum curso de treinamento e capacitação.

A permanência no programa está vinculada à supressão automática, mas não imediata, quando se obtêm condições consideradas mínimas de sobrevivência, isto é, uma renda monetária familiar superior a € 1 mil100 (salário mínimo) ou um emprego (via de regra, o exercício de uma atividade remunerada por mais de 750 horas consecutivas). Isso leva a que 1/3 dos beneficiários permaneça menos de um ano no sistema, usufruindo temporariamente dessa política de solidariedade, que funciona para muitos como uma espécie de “colete salva-vidas”. Somente 8% dos cadastrados lá estão desde o início do programa (1989) e podem ser considerados estruturalmente pobres (LAVINAS, 1998, p.9).

Ainda que a abrangência do programa seja considerável – atendendo os grupos marginalizados (homens adultos solteiros sem apoio familiar); grupos assistidos socialmente (mulheres chefes de família pobres); e, os grupos mais fragilizados (mais vulneráveis ao desemprego e/ou à instabilidade social) - o programa de renda de inserção não abrange jovens com idade inferior a 25 anos – até essa idade não podem requerer a RMI nem tampouco usufruir de nenhuma outra política social compensatória em moldes

procurar trabalho, a tomar as providências necessárias para criar a sua própria atividade ou a seguir as atividades de integração estipuladas (MISSOC, 2012b, p.23).

98 O subsídio de solidariedade específica (allocation de solidarité spécifique - ASS) garante um rendimento

mínimo às pessoas com capacidade para o trabalho, mas que não preenchem as condições para a atribuição de uma pensão por inteiro. Os beneficiários são obrigados a envidar esforços para reingressar no mercado de trabalho (MISSOC, 2012b, p.23).

99 O subsídio temporário de espera (allocation temporaire d'attente - ATA) proporciona um rendimento

temporário a determinados candidatos a emprego (pessoas que aguardam a reintegração, requerentes de asilo, alguns estrangeiros) que não têm direito a subsídio de desemprego. Os beneficiários são obrigados a envidar esforços para reingressar no mercado de trabalho (MISSOC, 2012b, p. 24).

100 Valores de 1996 (LAVINAS, 1998, p.8), atualmente o valor do salário mínimo francês está em torno de

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semelhantes - apresentando um acúmulo de desvantagens aos grupos sociais mais jovens (inclusive altas taxas de desemprego) (LAVINAS, 1998).

Quanto aos impactos mais visíveis da RMI, segundo Lavinas (1998, pp.7-9) referem-se à combinação dos três tipos de auxílio integrados, o que torna o modelo francês um dos efetivos programas sociais de exercício da solidariedade, notadamente no âmbito das políticas públicas, mixando política social com direito social, rompendo com a lógica que vincula políticas sociais e emprego. Ao propor mecanismos de integração, ressocialização, reforço dos elos sociais e remobilização da rede pública social (descentralizada), a RMI francesa tem contribuído para ampliar o espaço de participação social dos pobres. Assim, o modelo francês parece ter estendido e consolidado formas e políticas inovadoras de enfrentamento da pobreza.

2.2.3 PAÍSES DA AMÉRICA LATINA

Para iniciar nossa análise das políticas de renda mínima na América Latina, cabe ressaltar que se trata de um conjunto de países com características e histórias diferentes entre si101. Diferentemente dos países da Europa que, de um modo geral, já possuíam Estados de bem-estar social fortemente estruturados, nos quais a implantação de políticas de renda mínima se parece mais com um “alargamento” de direitos e garantias sociais, na América Latina as políticas de transferência de renda surgem como uma “alternativa” de combate à pobreza em plena fase de afirmação do modelo neoliberal, conforme acordos firmados pelo Consenso de Washington.

Na mesma época em que se afirmava o modelo neoliberal, conforme o receituário do Consenso de Washington, a América Latina vivia uma fase de renascimento da democracia, que envolvia não apenas a instauração de um ambiente de liberdade política, mas também a ampliação de direitos sociais. Portanto, coexistindo com a agenda liberal de reformas pró-mercado, estava em pauta uma agenda democrático- social, com duas vertentes principais. Uma apontava para a expansão da cidadania, com ênfase na participação; a restauração do Estado de Direito se enriquecia com a perspectiva de uma democracia participativa a complementar as instituições representativas tradicionais. Outra vertente apontava para a universalização dos

101 “Desde seus primórdios, em meados da década de 1990,1 os [Programas de Transferência Condicionada]

PTCs se espalharam e, atualmente, estão presentes em vinte países da América Latina e Caribe, onde dão cobertura a mais de 120 milhões de pessoas, o que equivale a 20% da população da região, a um custo que gira em torno de 0,4% do produto interno bruto (PIB) regional.” (CECCHINI, 2013, p. 369).

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mecanismos de proteção social, com a modernização da estrutura de assistência, englobando a infância, os idosos e outros segmentos carentes de apoio (DULCI, 2009, p.5).

Dessa forma, as políticas sociais na América Latina mantêm características semelhantes por estarem vinculadas a programas de assistência social para atender aos segmentos pobres, apoiadas em formas mistas de parceria público/privada; situavam-se em sistemas decisórios fortes e nacionais; não contam com redes de interesses fortes de sustentação, salvo partidos e altas autoridades políticas, dado o potencial clientelista que detinham; tendiam a ser operados descentralizadamente (municípios, organizações de beneficiários e ONGs); as transferências de recursos governamentais tendiam a ser fracas e insuficientes; e eram focalizados, ainda que variassem muito os critérios de focalização (Draibe, 1997, p. 241-242).

Os primeiros programas de renda mínima da região foram implantados no México e no Brasil, tornando-se assim, pontos de referência dessa modalidade de políticas sociais, não apenas para os demais países da América Latina, mas para o mundo inteiro. Para darmos seguimento à nossa pesquisa, selecionamos duas experiências distintas de transferência de renda, o modelo mexicano e a proposta argentina. Ressaltamos que a experiência brasileira será tratada de forma mais aprofundada no próximo capítulo.

O DEBATE ARGENTINO E A CRIAÇÃO ASIGNACIÓN UNIVERSAL POR HIJO