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O DEBATE ARGENTINO E A CRIAÇÃO ASIGNACIÓN UNIVERSAL POR HIJO PARA PROTECIÓN SOCIAL EM

A implantação de políticas de renda mínima na Argentina remonta ao ano de 1957, com a criação dos primeiros subsídios familiares. Esses subsídios se mantiveram mais ou menos estáveis até a década de 1990, quando sofreram várias reformas. A primeira grande reforma data de 1991, com a criação do sistema único de seguridade social, o qual dissolveu as caixas de subsídios familiares existentes. Em 1996, com o Decreto de

Necessidad y Urgencia, buscou reformar todo o sistema de asignaciones familiares

(COSTA, 2013, p.219-220).

Ao final da década de 1990, encontrava-se em discussão na Argentina um projeto de lei que previa a criação de um Fundo de Renda Cidadã para a Infância (Fincini), a proposta

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era a criação um abono mensal (Incini ou Ingreso Ciudadano de la Niñez) de valor único, contemplando a totalidade de meninos e meninas argentinos até os 18 anos de idade. Não estava previsto nenhum tipo de condicionalidade para obtenção de tal benefício, nem por parte das crianças, nem tampouco por parte das famílias. Assim, tratava-se de um benefício universal, sem focalização ou corte por nível de renda, não implicando obrigatoriedade de frequência escolar102 ou contrapartidas impostas aos pais (LAVINAS, 1998).

Além do debate de criação de um projeto nacional, encontramos na Argentina ações voltadas para o combate à pobreza em nível provincial, assemelhando-se a programas de transferência de renda às famílias carentes. Por exemplo, em Mendoza, foi implementado em 1998 um programa piloto, atendendo inicialmente a 5 mil famílias dentre as 44 mil que, de alguma maneira, já eram beneficiárias de outros programas sociais e, por isso mesmo, foram cadastradas pela Secretaria de Desenvolvimento Social (LAVINAS, 1998).

Outra experiência limitada à Província de Buenos Aires é o programa Ciudadania

Porteña criado em 2005, é um programa de transferência de renda que visa reduzir as

desigualdades oferecendo subsídios mensais que permitam às famílias pobres comprar alimentos, produtos de higiene e gás de cozinha; está condicionado às responsabilidades de saúde e da educação, que são principalmente a escola e assistência à saúde para crianças pequenas (LAVINAS, 1998).

Segundo Lavinas (1998), existe ainda na Argentina um programa de prestações familiares (Asignaciones Familiares), que consiste em um seguro de pagamento mensal de um benefício aos trabalhadores assalariados, acrescido de um adicional anual para cada filho menor de 18 anos que frequente a escola. Tal subsídio cobre aproximadamente apenas 45% das crianças de pais que se encontram no mercado formal de trabalho, excluídos os dependentes dos trabalhadores informais, assalariados não-registrados. Em 2011, o programa foi expandido para gestantes. O projeto para criação do Incini partiu justamente da filosofia desse programa já existente: a ideia é de estendê-lo a todos os jovens do país, sem distinção, promovendo uma reestruturação do conjunto das atividades desenvolvidas à

102 Cabe salientar que na Argentina a escola obrigatória estende-se atualmente por nove anos, com cobertura

quase completa (97% das crianças concluem o ensino básico). Daí não ter sido considerado essencial vincular- se no projeto de lei do Fincini concessão do benefício com obrigatoriedade de frequência à escola (LAVINAS, 1998, p.10).

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população em situação de risco. O objetivo é integrar as distintas prestações sociais num só benefício.

Na Argentina, assim como no Brasil, há diversas políticas de combate à pobreza, mas esse quadro é considerado excessivamente fragmentado, necessitando de uma reconcentração de esforços e recursos em alguns programas de maior alavancagem e impacto (LAVINAS, 1998, p.11).

O debate sobre a universalização dos programas de renda mínima gerado entre o governo nacional e as pressões das organizações sociais, culminaram com a emergência de novos programas, como o Plan Familias (2004). Assim, o governo argentino, reconhecendo a relevância de um programa de renda mínima - embora não concordando com o enfoque universalista, mas sim focalizado na pobreza – criou várias redes de segurança social – incluindo serviços a grupos específicos vulneráveis, mulheres, crianças e idosos; e, programas de renda mínima para famílias de baixa renda. Os programas nacionais de renda mínima são: Programa Jefes de Hogar103 – criado em 2002 pelo Ministério do Trabalho e da Seguridade Social, com o objetivo de promover a inclusão no mercado de trabalho de chefes de família desempregados, visando construir uma rede de seguridade social, com pagamentos mensais por um período mínimo de 4 horas de trabalho diário - e o Plan Nacional Familias104 – uma extensão do Jefes de Hogar destinado às mulheres; assim os beneficiários do primeiro programa com mais de três filhos com menos de 18 anos, podem solicitar o Plan Nacional Familias com um acréscimo de 50% dos benefícios (MARQUES, 2013).

O projeto de criação de um programa nacional de renda mínima na Argentina finalmente se realiza em 2009 com a criação da Asignación Universal por Hijo para

Protección Social (AUHPS) como parte do subsistema não contributivo do regime de Asignaciones Familiares, após a retomada da responsabilização do Estado pela garantia da

103 Os requisitos necessários para se candidatar ao benefício são: ser argentino nato ou naturalizado, ou

estrangeiro radicado no país; ser chefe de família e estar desempregado; ter pelo menos um filho menor de 18 anos, ou encontrar-se grávida, ou ter filhos em qualquer idade com deficiência; filhos com idade escolar devem ser alunos regulares; filhos devem cumprir o calendário de férias obrigatório.

104 Apesar dos avanços conquistados pelo programa Jefes de Hogar, devido à falta de recursos, o programa foi

encerrado em 2002. Porém, em 2003 o governo nacional decidiu assumir e dar continuidade implantando reformas, as quais resultaram em fortes pressões de organizações sociais pela universalização da assistência conferida aos desempregados, o que resultou na adoção dos princípios de territorialidade e de integridade nacional (COSTA, 2013).

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proteção social, iniciado com a (re)estatização das aposentadorias, pensões e demais benefícios, em dezembro de 2008105.

Segundo Marques (2013), o programa materializa o debate sobre o Fincini, com um benefício pago às crianças e adolescentes menores de 18 anos, residentes no país, ou incapacitados sem limite de idade, que sejam argentinos natos ou naturalizados ou com residência legal no país mínima de 3 anos; pertencentes a famílias cujos pais se encontram desempregados, exerçam atividade doméstica ou exerçam atividade na economia informal. No caso dos desempregados, não podem estar recebendo o seguro desemprego e, no caso dos dois últimos, a remuneração não pode ser superior a um salário mínimo106 (MARQUES, 2013, p.306). Os valores do benefício são pagos de forma condicionada: 80% são pagos diretamente e 20% são depositados em uma conta, podendo ser retirados uma vez ao ano desde que comprovada à frequência escolar e o cumprimento do calendário de vacinação, além dos demais controles de saúde definidos pelo Ministério da Saúde (MARQUES, 2013, p.307).

De um modo geral podemos averiguar que, assim como ocorre em boa parte dos países, a Argentina encontra-se no limiar das discussões sobre a implantação de programas de renda mínima como direito universal (de todos os cidadãos, não apenas destinados a grupos em situação de pobreza). Porém, a opção Argentina, bem como em outros países da região, ainda está focada em públicos-alvos seletivos, compreendidos não como direitos sociais, mas como políticas de combate à pobreza.