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Ao final do ano de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito Presidente do Brasil, governando o país em dois mandatos consecutivos (2003-2006 e 2007-2010), tendo como compromissos: o controle da inflação; preservação do superávit primário; e, crescimento econômico com justiça social (pela da geração de empregos, melhoria da distribuição de renda e criação de mercado para o consumo de massa). Ao assumir, o presidente Lula cria o Programa Fome Zero, com ênfase na questão da segurança alimentar, reunindo “[...] cerca de 30 tipos de ações de natureza diversa focados nos pobres.” (ROCHA, 2013, p.80).

Associado com as medidas econômicas, em especial no segundo mandato do governo de Lula, o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento Econômico (PAC) a partir de 2007, com investimentos em obras de infraestrutura, desoneração tributária em alguns setores, medidas ambientais, estímulo ao financiamento e ao crédito, medidas fiscais, geração de empregos, entre outras. Posteriormente, no governo de Dilma Rousseff, em 2011 é lançado o PAC 2, mantendo as medidas econômicas já existentes e aumentando a responsabilidade de estados e municípios, com enfoque mais regional.

No âmbito da política fiscal, o governo Lula, notadamente no 1º mandato, manteve o

démarche do governo anterior, qual seja: o crescimento sustentável passa pelo ajuste

definitivo das contas públicas, o que significa medidas destinadas à geração de superávits primários suficientes para reduzir a relação dívida/PIB. Esse reducionismo da política fiscal – que implicitamente significa preservação da riqueza financeira – limitou a capacidade do Estado em ampliar os investimentos públicos.

No 2º governo Lula verificou-se certa flexibilização da política econômica por meio (i) da adoção de medidas voltadas à ampliação do crédito ao consumidor e ao mutuário, (ii) do aumento real no salário mínimo, (iii) da adoção de programas de transferência de renda direta, (iv) da criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e da ampliação da atuação do BNDES para estimular o investimento público e privado; e v) das medidas anticíclicas de combate a crise internacional, a partir de 2009. (TEIXEIRA e PINTO, 2012, p.17).

Já em sua implantação, o Fome Zero tornou-se uma marca poderosa com grande potencial de mobilização160. Como descreve Rocha (2013, pp.87-88):

160 Vale como registro que esse trabalho de pesquisa teve início pela forte motivação social do período de

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A bandeira de luta contra a fome e a convocação para que a sociedade se mobilizasse em torno desse objetivo foram anunciadas com fortes tintas populistas, de modo que as ações iniciais do governo federal acabaram afogadas no processo. Todos queriam participar da corrente de solidariedade. Famosos soavam joias, mas como transformá-las em recursos para o programa? Em locais diversos e por ocasião de eventos de toda natureza eram recolhidas doações de alimentos não perecíveis – um quilo de alimento por pessoa -, que, frequentemente, se perdiam sem encontrar destinação. Afinal, quem se encarregaria da triagem, empacotamento e transporte? Para quem doar os alimentos e onde armazenar, tanto na origem como no destino? O que fazer com tantas doações de pacotes de sal, o alimento perecível mais barato? Ninguém havia pensado nos custos relativos a logística necessária para atender ao objetivo de distribuição de alimentos, cuja doação tinha custo irrisório para a maioria dos doadores, e como consequência alcançavam volumes impressionantes. Havia, ainda, uma confusão evidente entre o que deveria ser a ação do Estado e da sociedade civil. Assim, o governo perdeu um tempo precioso tentando pôr ordem no caos da boa vontade.

No entanto, o programa enfrentou dificuldades operacionais, sem contar o fato já indicado da superposição de ações governamentais dirigidas a famílias pobres161. Tais vicissitudes levaram o governo em outubro de 2003 a dar uma guinada que se revelou estratégica: aglutinar as modalidades existentes de transferência de renda em um novo programa condicional denominado Bolsa Família. Essa inovação constituía a ampliação e síntese da trajetória anterior (DULCI, 2009, p.7-8). A partir daí, o projeto deslanchou e hoje atende a mais de 16 milhões de famílias.

Os principais avanços institucionais apresentados pelo Fome Zero são: criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em 2004 – responsável pela Assistência Social, Bolsa Família, Segurança Alimentar e Nutricional, Inclusão Produtiva e Avaliação e Gestão da Informação; inclusão do direito à alimentação na Constituição Federal; a aprovação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN); a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN); a criação e implementação dos programas Bolsa Escola e Programa de Aquisição de Alimentos

161 “[...] o atual Programa Bolsa Família instituído pelo governo federal atende de maneira geral três grupos

de famílias, a saber: as famílias com baixo nível de escolarização, vivendo em condições precárias e chefiadas por mulheres; as famílias “novas”, compostas a partir da união com outras famílias; e as famílias mais estruturadas, que possuem alguma renda.” (OLIVEIRA, 2009, pp.50-51).

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(PAA162), e a nova Lei de Alimentação Escolar e o Programa Nacional de Alimentação

Escolar (PNAE163) (MENESES e SANTARELLI, 2012, p.17).

No âmbito do programa, foi criada uma rede de equipamentos públicos de alimentação e nutrição composta por Restaurantes Populares, Cozinhas Comunitárias e Bancos de Alimentos. Para situações de grave insegurança alimentar, foi criada a Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Específicos destinada a ações emergenciais em situações de calamidade, grupos remanescentes de quilombos, acampamentos do programa de reforma agrária, comunidades de terreiros, povos indígenas, atingidos por barragens, pescadores artesanais, entre outras. Outra ação vinculada ao Fome Zero de grande impacto social foi o Programa Cisternas, implantado no semiárido brasileiro objetivando amenizar o problema da seca, pela implantação de tecnologias populares de baixo custo para a captação de água da chuva para o consumo nos períodos de seca.

Ainda como parte do Programa Fome Zero, o governo federal criou em 2004 o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento, visando fortalecer e divulgar a economia solidária de forma a gerar trabalho e renda como inclusão social. Trata-se de um conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, destinado à organização do trabalho em cooperativas, de propriedade coletiva de bens e partilha dos resultados e responsabilidade solidária. O programa foi estruturado em quatro eixos de atuação: formação, incubação e assessoramento técnico164; organização da

162 O Programa de Aquisição de Alimentos articula os gastos públicos com alimentação à produção local da

agricultura familiar. Assim, os programas adquirem alimentos diretamente do agricultor familiar para o abastecimento da Rede de Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição, para a Rede Pública de Ensino, para a formação de Cestas de Alimentos e ainda para a formação de estoques públicos.

163 Consiste na oferta de refeições aos estudantes da rede pública de ensino durante o período escolar, visando

a contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de hábitos alimentares saudáveis. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) exige que, no mínimo, 30% dos recursos financeiros repassados pelo Governo Federal para a alimentação escolar aos governos estaduais e municipais fossem utilizados com alimentos adquiridos diretamente da agricultura familiar.

164 Exemplo de ação desenvolvida é o Projeto “Brasil Local”, no qual são capacitados agentes comunitários e

apoiadas incubadoras universitárias para o acompanhamento de empreendimentos econômicos solidários que atuam nas cadeias produtivas de artesanato, confecções, agroecologia, metalurgia, coleta e reciclagem de resíduos sólidos, entre outras (MENESES e SANTARELLI, 2012, p.25).

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produção e comercialização solidária165; fortalecimento das finanças solidárias e acesso ao

crédito166; fortalecimento institucional da economia solidária.

Assim, podemos dizer que, apesar de incluir uma série de ações no combate à pobreza - como apoio à agricultura familiar167, melhoria em saneamento básico, alfabetização, segurança alimentar, entre outras - o programa Fome Zero conferiu maior destaque ao mecanismo de transferência de renda – inicialmente pela criação do Cartão Alimentação (extinto no mesmo ano de sua criação, em 2003) e o Bolsa Família (lançado após a extinção do Cartão Alimentação), com o objetivo de unificar os programas de transferência de renda existentes.