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POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA

No capítulo anterior buscamos identificar os elementos condicionantes que influenciaram a implantação das políticas sociais de combate à pobreza – em síntese, podemos dizer que os elementos econômicos (modelo de acumulação/modo de produção) e políticos (intervenções do Estado) ocorreram em movimentos históricos e cenários diferenciados, considerando o cenário mundial e o cenário da América Latina. A questão que se coloca é: como diferentes cenários resultam em modelos diferentes, e mais, o que define a necessidade de ação estatal no combate a pobreza em cada cenário.

Assim, seguindo nosso trabalho, nesse segundo capítulo analisaremos algumas experiências de implantação de políticas de combate à pobreza via transferência de renda. Inicialmente, buscaremos a definição dos principais modelos de políticas de combate e/ou erradicação da pobreza debatidas nas últimas décadas (renda mínima, imposto negativo, transferência de renda).

Com o intuito de construirmos um quadro analítico, faremos uma seleção das experiências que se apresentam como pontos estratégicos, tais como: para analisarmos as experiências de Políticas de Transferência de Renda (PTR) nos países centrais – EUA e países da União Europeia (levando em consideração que os EUA62 não apresenta essa modalidade de política), escolhemos dois países da UE que apresentam modelos diferenciados, a Alemanha e a França. Quanto às experiências da América Latina, optamos por analisar os modelos adotados pelo México e, para atendermos a América do Sul, analisaremos o modelo adotado pela Argentina.

62 Nos EUA, em 1974 foi criado o Crédito Fiscal como um imposto negativo sob a remuneração recebida

(Earned Income Tax Credit – EICT), destinado às famílias mais pobres, que apesar de empregadas não conseguem atingir o padrão de subsistência determinado. Na década de 1990 houve uma considerável expansão com de benefícios em famílias monoparaentais (mães de baixa renda e escolaridade). Vinculados a contrapartidas como o work fare – uma série de obrigações de trabalhos (MARTHIS e MARTHINS, 2008, p.4).

83 2.1 CONCEITO DE POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA

DÊEM A TODOS os cidadãos uma renda modesta, porém incondicional, e deixem-nos completá-la à vontade com renda proveniente de outras fontes. Esta ideia extremamente

simples tem uma origem surpreendentemente variada. Ao longo dos dois últimos séculos, ela tem sido concebida de maneira independente sob uma variedade de nomes – “dividendo territorial” e “bônus estatal”, por exemplo, “demogrant” e “salário do cidadão”, “benefício universal” e “renda básica” –, na maioria dos casos sem muito sucesso. Porém, nas duas últimas décadas, ela aos poucos se tornou o assunto de uma discussão pública nunca vista e que se expande rapidamente. Alguns a consideram um remédio crucial para muitos males sociais, inclusive para o desemprego e a pobreza. Outros a denunciam como uma proposta louca, economicamente falha, eticamente censurável, a ser esquecida o mais breve possível e jogada de uma vez por todas na lata de lixo da história das ideias. (VAN PARIJS, 2000, p. 179, grifos do autor).

A pobreza é abordada de diversas formas – a partir da subsistência, das necessidades básicas, até abordagens mais subjetivas -, variando conforme o contexto histórico-social em que são adotadas políticas de combate e/ou erradicação. Dessa forma, as políticas de combate à pobreza tendem a apresentar modelos variados especialmente quanto aos tipos diferenciados de transferência de renda. Uma série de proposições passaram a ser apresentadas a partir dos anos de 1980 e 199063 que podem ser compreendidas em dois modelos gerais: o imposto negativo e a renda mínima64 em forma de transferência de renda com ou sem condicionalidades, cada um dos modelos apresentando variações conforme o contexto de implantação (DRAIBE, 2003). Ambas as propostas podem ser enquadradas no que ficou conhecido como Rendimento de Cidadania65. Tais modelos atendem ao principio liberal de igualdade, já que não focalizam um público alvo específico, todos os cidadãos teriam direito ao benefício. Porém, devido às variações de implantação de tais políticas, em especial as referentes à segunda proposta (a garantia de uma renda mínima), a maioria dos

63 Cabe observar que proposições sobre renda social são encontradas nas obras de pensadores como Thomas

More (1516), Juan Luis Vives (1526), Thomas Paine (1795), Berthrand Russel (1918), entre outros.

64 “[...] a renda mínima é entendida como uma transferência monetária a indivíduos ou a famílias, prestada

condicional ou incondicionalmente, complementando ou substituindo outros programas sociais, objetivando garantir um patamar mínimo de satisfação de necessidades básicas.” (SILVA, 1996, p.06).

65 É este um rendimento de base, universal, pago a todos os cidadãos, sem contrapartida, composto por uma

quantia suficiente para existir e participar na sociedade. Todos os outros rendimentos privados (principalmente os advindos do trabalho) são adicionados a esse rendimento mínimo. O rendimento de cidadania é inalienável e incondicional (em oposição ao subsidio de desemprego, condicionado ao fato de procurar um trabalho), pago às pessoas, não às famílias, de modo a promover a autonomia dos indivíduos. O rendimento de cidadania é entendido também, como uma contrapartida monetária criada e distribuída a todos os cidadãos da área monetária de referência, a título de participação nos lucros produzidos pela atividade económica da comunidade, obtidos com a exploração dos recursos naturais do território. Sobre o tema ver SUPLICY (2007).

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países que adotaram uma modalidade de transferência de renda a direcionaram a uma parcela específica da população (pobres, em situação de vulnerabilidade, idosos, crianças, entre outras).

Outra forma de entendimento, apresentado por Lavinas (1999), identifica basicamente dois tipos de programas de renda mínima: um baseado na garantia de um imposto de renda negativo a todos aqueles que não dispõem do mínimo para sua sobrevivência; e outro, a Renda Mínima Universal (RMU), que tem como objetivo a transferência incondicional de uma renda básica de mesmo valor a todos os indivíduos. Segundo essa compreensão, a diferenciação entre os modelos está na abrangência e na forma de como é calculado o valor do benefício: enquanto na renda mínima o benefício é universal, no imposto negativo o calculo é feito em valores individuais para atingir um determinado patamar mínimo.

Seguindo a bibliografia, outra distinção preliminar e generalizada das diferentes tipologias das políticas sociais de atendimento à população em situação de pobreza pode ser assim resumida: políticas redistributivas com o objetivo de redistribuir renda na forma de recursos e/ou de financiamento de equipamentos e serviços públicos; políticas distributivas com objetivos mais pontuais ou setorizados ligados à oferta de equipamentos e/ou serviços públicos; e políticas regulatórias com o objetivo de regular o funcionamento dos serviços e equipamentos públicos (FREY, 1999).

Outra forma de distinção entre as modalidades de transferência de renda toma por base as proposições de Van Parijs (2002), em síntese, podemos distinguir três argumentos existentes no debate sobre as políticas de renda mínima: o argumento do bem comum, o qual compreende o rendimento de cidadania como um novo direito que seria acompanhado por deveres como a escolarização ou voluntariado; o argumento liberal que compreende a renda de cidadania como geradora de consumo o que garantiria a todos uma participação social; e o argumento socialista o qual compreende que a produção da riqueza deveria ser distribuída como uma renda social universal.

Assim, observamos que não há consenso quanto à distinção das modalidades de programas de transferência de renda. De um modo geral, tais políticas podem emergir tanto impulsionadas por pressões sociais, como podem fazer parte de propostas mais liberais - ainda que os programas de distribuição de renda pertençam a uma espécie de ações que

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afrontam princípios liberais fundamentais, pois tocam em temas como os direitos de propriedade, aumentam o poder do governo e a moral antiliberal (a riqueza produzida é um direito de todos). Por exemplo, a perspectiva de renda mínima como a do imposto negativo foram criadas e teorizadas por economistas “ultraliberais”, como veremos em seguida.