121. Dizer, com o acim a foi dito, que, nos intervalos de com o
ção revolucionária, a soberania não está concretizada numa dada for m a jurídica não é dizer, entretanto, que esses períodos não sejam suscetíveis de qualificação jurídica.
Insuscetível de qualificação quanto ao Direito Positivo estatal, contra o qual se m anifesta o ato revolucionário, não o é relativam en te ao Direito, uma vez que a revolução culm ina sempre na afirmação de novo ordenamento, de nova positividade jurídica.
Cabe aqui uma observação sobre a soberania e o Estado vistos p elo historiador e vistos p elo jurisconsulto.
Quem estuda a história dos acontecim entos políticos não pode deixar de negar continuidade ao processo de form ação dos Estados e dos ordenamentos jurídicos, tantas são as rupturas que lhe é dado analisar, as transform ações bruscas, as m udanças inesperadas, as im previstas subversões da ordem , sem que os m otivos se vislum brem nos antecedentes conhecidos. À luz da história, o aparecimento dos Estados surpreende, e as m utações de sua estrutura não são cau sas de menor perplexidade. Form am -se, desenvolvem -se, afirmam- se na coercitividade plena das normas positivas e na eficácia dos atos de im pério, e depois, de im proviso, quase tão m isteriosam ente com o nasceram, transmudam-se em outras formas de Estado para o es plendor de u m an ova positividade jurídica transitória. E há Estados que surgem d^sqfe lo g o abrangendo dom ínios territoriais im ensos e duram enquanto dura o esplendor de uma espada; outros nascem com o por acaso de um fato a que se não deu importância inicial e crescem lentam ente com o uma árvore, alastram as raízes profundas, abrem a ramada milenar e estendem a sombra da paz romana sobre dezenas de nações e de povos; outros ainda são Estados prematuros, m eninos prodígios da fam ília internacional, cuja vida é fazer às pressas o que
Internacional pressupõe o Direito Público intemo como condição, não só da sua existência, como ainda da possibilidade de sua prática” e que o Direito Internacional é “também por seu turno uma condição da existência e da prática do Direito Público intemo”. P rincípios d e direito internacional, Rio, 1902, v. 1, p. 30. A teoria dualista é a que está mais de acordo com as exigências lógicas do Direito e com os fatos concretos da história. Vide o cap. VI, in fine.
os outros viveram no m étodo das experiências consuetudinárias; e outros m ais são Estados que surgem sobre as m esas dos diplomatas q ue a ca len ta m a ilu s ã o de d eclarar so b era n ia s para E sta d o s nascituros...
O historiador vê o fato do poder assum ir as formas m ais diver sas e contraditórias, o reinado da força sucedendo ao do Direito, e o da força gerando um D ireito novo; dessarte, não pode admitir que entre uns e outros períodos, entre um e outro Estado haja continuida de jurídica, desde que, é claro, não se ponha a fazer F ilosofia da história.
E é certo. M as a apreciação da soberania pela História, que é ciência dos fatos que foram, não pode ser igual à feita p elo Direito,
que é ciência dos fatos q u e s ã o en q u a n to d e v e m s e r . O historiador
olha os fatos de maneira especial, que não se confunde com a do jurista, o qual, com o dizia Papiniano, não pode limitar-se a saber o que se faz em Rom a porque lhe cabe considerar especialm ente o que deve ser feito em Rom a.
122. Estudando o aparecim ento dos Estados, verificando que
eles nascem m ais de guerras e de golpes de força do que de tratados e de pacíficas decisões populares, o historiador é levado a acreditar que há m om entos ou intervalos em que não existe Direito, não há nada que não seja mera expressão da força.
Outra pode ser, no entanto, a conclusão do jurista.
Pode acontecer, em verdade, que — narrando o historiador atos de violên cia praticados nas crises revolucionárias — esteja o jurista vendo n esses atos a torm entosa form ação de um Direito novo. Pode ainda dar-se o caso do historiador estar apontando certo sistem a jurí dico com o nascido da força, ao passo que o jurista com preende que o
ideal jurídico foi p r im u s em relação à violência praticada, isto é, que
o Direito não se originou da violência, m as, ao contrário, deu lugar a ela por um fato qualquer contingente que se tenha levantado com o em pecilho ou im pedim ento ao processo de positivação das normas jurídicas.
É por esses m otivos, porque pensam os que antes dos fatos há uma atm osfera p sicológica que os prepara, um com plexo de ideais jurídicos, um conjunto de aspirações coletivas que querem se tradu
vem os no nascim ento do Estado um sim ples fato insuscetível de qua lificação jurídica.
“Antes do fato histórico”, escreve Georges Burdeau, “existe uma atmosfera p sicológica — na qual as representações jurídicas ocupam, com o já fizem os notar, um amplo espaço — que prepara tal fato, e que o faz legítim o. Eis porque é inexato ver, no nascim ento do Esta do, concom itante à sua prim eira organização, um sim p les fato, insuscetível de qualificação jurídica. Trata-se, sim , de um fato, um nascim ento, do ponto de vista histórico, mas, no plano jurídico, tra- ta-se de uma conclusão, porque a instituição dos órgãos do Estado é a conseqüência lógica da existência de uma regra de Direito anterior, à qual esses órgãos vêm atribuir forma e figura”25.
O Direito, em verdade, não vem depois do Estado, nem por este é inteiramente criado, mas esta é uma questão da qual trataremos m ais a fundo em lugar apropriado, dada a sua alta relevância.