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A SOBERANIA À LUZ DA HISTÓRIA E DO DIREITO

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 176-178)

121. Dizer, com o acim a foi dito, que, nos intervalos de com o­

ção revolucionária, a soberania não está concretizada numa dada for­ m a jurídica não é dizer, entretanto, que esses períodos não sejam suscetíveis de qualificação jurídica.

Insuscetível de qualificação quanto ao Direito Positivo estatal, contra o qual se m anifesta o ato revolucionário, não o é relativam en­ te ao Direito, uma vez que a revolução culm ina sempre na afirmação de novo ordenamento, de nova positividade jurídica.

Cabe aqui uma observação sobre a soberania e o Estado vistos p elo historiador e vistos p elo jurisconsulto.

Quem estuda a história dos acontecim entos políticos não pode deixar de negar continuidade ao processo de form ação dos Estados e dos ordenamentos jurídicos, tantas são as rupturas que lhe é dado analisar, as transform ações bruscas, as m udanças inesperadas, as im previstas subversões da ordem , sem que os m otivos se vislum ­ brem nos antecedentes conhecidos. À luz da história, o aparecimento dos Estados surpreende, e as m utações de sua estrutura não são cau­ sas de menor perplexidade. Form am -se, desenvolvem -se, afirmam- se na coercitividade plena das normas positivas e na eficácia dos atos de im pério, e depois, de im proviso, quase tão m isteriosam ente com o nasceram, transmudam-se em outras formas de Estado para o es­ plendor de u m an ova positividade jurídica transitória. E há Estados que surgem d^sqfe lo g o abrangendo dom ínios territoriais im ensos e duram enquanto dura o esplendor de uma espada; outros nascem com o por acaso de um fato a que se não deu importância inicial e crescem lentam ente com o uma árvore, alastram as raízes profundas, abrem a ramada milenar e estendem a sombra da paz romana sobre dezenas de nações e de povos; outros ainda são Estados prematuros, m eninos prodígios da fam ília internacional, cuja vida é fazer às pressas o que

Internacional pressupõe o Direito Público intemo como condição, não só da sua existência, como ainda da possibilidade de sua prática” e que o Direito Internacional é “também por seu turno uma condição da existência e da prática do Direito Público intemo”. P rincípios d e direito internacional, Rio, 1902, v. 1, p. 30. A teoria dualista é a que está mais de acordo com as exigências lógicas do Direito e com os fatos concretos da história. Vide o cap. VI, in fine.

os outros viveram no m étodo das experiências consuetudinárias; e outros m ais são Estados que surgem sobre as m esas dos diplomatas q ue a ca len ta m a ilu s ã o de d eclarar so b era n ia s para E sta d o s nascituros...

O historiador vê o fato do poder assum ir as formas m ais diver­ sas e contraditórias, o reinado da força sucedendo ao do Direito, e o da força gerando um D ireito novo; dessarte, não pode admitir que entre uns e outros períodos, entre um e outro Estado haja continuida­ de jurídica, desde que, é claro, não se ponha a fazer F ilosofia da história.

E é certo. M as a apreciação da soberania pela História, que é ciência dos fatos que foram, não pode ser igual à feita p elo Direito,

que é ciência dos fatos q u e s ã o en q u a n to d e v e m s e r . O historiador

olha os fatos de maneira especial, que não se confunde com a do jurista, o qual, com o dizia Papiniano, não pode limitar-se a saber o que se faz em Rom a porque lhe cabe considerar especialm ente o que deve ser feito em Rom a.

122. Estudando o aparecim ento dos Estados, verificando que

eles nascem m ais de guerras e de golpes de força do que de tratados e de pacíficas decisões populares, o historiador é levado a acreditar que há m om entos ou intervalos em que não existe Direito, não há nada que não seja mera expressão da força.

Outra pode ser, no entanto, a conclusão do jurista.

Pode acontecer, em verdade, que — narrando o historiador atos de violên cia praticados nas crises revolucionárias — esteja o jurista vendo n esses atos a torm entosa form ação de um Direito novo. Pode ainda dar-se o caso do historiador estar apontando certo sistem a jurí­ dico com o nascido da força, ao passo que o jurista com preende que o

ideal jurídico foi p r im u s em relação à violência praticada, isto é, que

o Direito não se originou da violência, m as, ao contrário, deu lugar a ela por um fato qualquer contingente que se tenha levantado com o em pecilho ou im pedim ento ao processo de positivação das normas jurídicas.

É por esses m otivos, porque pensam os que antes dos fatos há uma atm osfera p sicológica que os prepara, um com plexo de ideais jurídicos, um conjunto de aspirações coletivas que querem se tradu­

vem os no nascim ento do Estado um sim ples fato insuscetível de qua­ lificação jurídica.

“Antes do fato histórico”, escreve Georges Burdeau, “existe uma atmosfera p sicológica — na qual as representações jurídicas ocupam, com o já fizem os notar, um amplo espaço — que prepara tal fato, e que o faz legítim o. Eis porque é inexato ver, no nascim ento do Esta­ do, concom itante à sua prim eira organização, um sim p les fato, insuscetível de qualificação jurídica. Trata-se, sim , de um fato, um nascim ento, do ponto de vista histórico, mas, no plano jurídico, tra- ta-se de uma conclusão, porque a instituição dos órgãos do Estado é a conseqüência lógica da existência de uma regra de Direito anterior, à qual esses órgãos vêm atribuir forma e figura”25.

O Direito, em verdade, não vem depois do Estado, nem por este é inteiramente criado, mas esta é uma questão da qual trataremos m ais a fundo em lugar apropriado, dada a sua alta relevância.

CONCEPÇÃO POLÍTICA E CONCEPÇÃO JURÍDICA

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 176-178)

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