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Eis aí mais um critério distintivo entre Moral e Direito, considerando-se o valor do ato em virtude de ser ou não possível a intercorrência de coação sem

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 137-141)

O PODER SEGUNDO A DOUTRINA DE GEORGES BURDEAU

22. Eis aí mais um critério distintivo entre Moral e Direito, considerando-se o valor do ato em virtude de ser ou não possível a intercorrência de coação sem

mudança em sua essência, mas o assunto vai além dos limites d esta obra. (Cf.

Em verdade, o D ireito se constitui e se desenvolve porque os hom ens são desiguais e aspiram à igualdade, são diversos e sentem bem forte o imperativo da uniform idade, querem ser cada vez mais “eles m esm os” e, ao m esm o tem po, exigem que o todo seja por eles.

Através da história ora prevalece a tendência ao in d iv id u a lis m o

e, então, a sociedade é vista com o um m eio de realização dos fins

individuais; ora predom ina o s o c ie tis m o , e o indivíduo é considerado

um instrumento de realização dos fins da com unidade ou do Estado.

Entre esses dois extrem os há a c o n c ilia ç ã o n a v ir tu d e d o m e io te r ­

m o , o e q u ilíb r io e m m o v im e n to e a u n id a d e m u ltíp lic e , ou seja, os períodos orgânicos que vêm depois das grandes crises e marcam o alcance de m ais um a etapa tranqüila no progresso hum ano. Poder- se-ia pensar em tese, antítese e síntese, se a história, na riqueza de seus im previstos, p u d esse ser explicada p elo p oderoso p rocesso dialético de H egel. Pensam os, porém , com o já tivem os a oportunida­

de de expor em nossas liçõ es de F ilo so fia d o d ir e ito , que o processo

dialético de im plicação e polaridade, em cujo âmbito se contém a d ia lética dos a p o sto s, c o m o um a de su as p o s s ív e is varian tes, corresponde m elhor ao polim órfico desenvolvim ento da história.

O fato é que — em qualquer das direções acim a apontadas — o D ireito tem sem pre com o resultado uma com p osição de forças. É por isso que todo ideal p olítico ditatorial ou libertário perde m uito de autoritarism o ou de libertarism o desde o m om ento em que se concretiza sob a form a de ordenam ento jurídico p ositivo. O exercí­

cio do poder, na esfera do D ireito, não se opera sem d e lim ita ç ã o ,

de sorte que todo poder torna-se ju r íd ic o , isto é, subordina-se à

ordem jurídica, no instante m esm o em que declara a positividade de um sistem a legal.

C om o o D ireito representa um a com posição de forças segundo um imperativo ético, e com o não é possível pensar-se em acordo espontâneo entre os hom ens, com preende-se a necessidade do poder não só para a declaração da positividade do Direito, m as tam bém para a eficácia real do D ireito declarado positivo.

9 0 . D ireito P o sitiv o e Poder, por co n seg u in te, são term os

inseparáveis, sendo vão procurar reduzir o primeiro ao segundo, ou então, contrapor um ao outro. Isto tanto para o D ireito Positivo esta­ tal, com o para o não-estatal.

A solidariedade resultante da divisão do trabalho e o princípio de integração, que marca um a tendência geral no desenvolvim ento dos círculos sociais, são condições objetivas condicionantes da or­

dem jurídica positiva, m as não a realizam sem o poder, sem o e le ­

m e n to v o litiv o , representado pela d e c is ã o .

A regra de D ireito estatal é, também, o resultado de uma sele­ ção que não se produz espontaneam ente, m as é obra dos que exer­

cem o poder, quer o p o d e r de fato que instaura um a ordem jurídica

nova, quer o p o d e r d e d ir e ito que integra um a nova norma jurídica

no sistem a positivo vigente, garantindo-lhe eficácia real.

“A regra de D ireito”, escreve Hauriou, “não em ana dos fatos sociais do m esm o m odo que as leis físicas em anam dos fenôm enos físicos; ela é sem pre obra de um poder que, até certo ponto, a im põe

às forças sociais; e la te m n e c e s s id a d e d e s e r m a n tid a p o r e s te p o d e r

p a r a v e n c e r a s r e s is tê n c ia s q u e e n c o n tr a; convém desconfiar de to­ dos os sistem as que afirm am o im pério do D ireito... O D ireito não

reina por si m esm o... a tr á s d a re g ra d e D ir e ito é p r e c i s o e n c o n tr a r o

p o d e r q u e a sa n c io n a 'm .

P ode-se dizer que esta é a tese clássica sobre o poder com o elem ento essencial à ordem jurídica positiva. Encontramo-la nas obras da m aioria dos autores que subscreveriam estas palavras de Gény: “O D ireito não pode realizar o seu objetivo senão graças a um poder social capaz de domar as vontades rebeldes e de se impor às n ecessi­ dades p ela força”24.

23. Hauriou, P récis de droit constitutionnel, Bordéus, 1. ed., p. 8-9. Na 2.a edição dessa obra (1929, p. 4), o ilustre mestre do institucionalismo vai mais longe, dizendo o seguinte: “A criação do Direito por um poder político dotado de uma certa autonomia não é menos necessário ao Direito Positivo, o qual pode renunciar à soberania absoluta do poder público, mas não à sua soberania relati­ va. O governo dos grupos humanos, que não se exerce senão para a criação contí­ nua da ordem e do Direito, exige que os que governam p o ssa m eles m esm os criar D ireito". Idêntica afirmação é feita em sua monografia Aux sources du droit,

C ahiers d e la N ouvelle Journée, n. 23, p. 74. Nós veremos no cap. VIII que esta afirmação de Hauriou não pode ser tomada ao pé da letra.

24, F. Gény, La notion de droit en France, A rchive d e P hilosophie du D roit, v. 1 -2, p. 18, e também Science e t technique en d ro itp riv é p o sitif, cit., v. 4, p. 159 e s. Examinando as definições do Direito e da lei é que vemos como a doutrina clássica não vê antítese entre Direito e poder. Note-se, dentre muitas, esta definição de Planiol:

Foi Jhering quem m ais ardorosamente procurou apontar a au­ sência do poder material com o “o pecado mortal do Estado”, dando- nos a tão expressiva im agem da espada que sem a balança é a força bruta, e da balança que sem a espada é a im potência do D ireito, pro­ clam ando que só há ordem jurídica perfeita onde a energia co m que a justiça brande a espada é igual à habilidade com que ela usa da balança25.

A liás, Pascal, na síntese de seu estilo inigualável, já nos deixara esta lição inesquecível: “A justiça é im potente sem a força; a força sem a justiça é tirânica. A justiça sem a força é contestada, porque sempre há os maus; a força sem a justiça não é aceitável. E preciso, pois, alinhar conjuntamente a justiça e a força, para fazer com que seja forte o que é justo ou que seja ju sto o que é forte”26.

Seria fácil m ultiplicar os exem plos dos autores que não se dei­

xam impressionar pelas palavras e com preendem que p o d e r não sig­

nifica força bruta e que, sem o poder, não é p ossível ordem jurídica.

91. Em segu n do lugar, é p reciso notar que o p ro cesso de

p o s itiv a ç ã o é tam bém um processo de c la r ific a ç ã o o u d e d e c a n ta ­ ç ã o do Direito.

Com efeito, as representações jurídicas, as idéias e sentim entos de Direito produzem esb oços grosseiros da regra cuja positividade o Estado declara.

A positividade, em todos os seus graus até à “objetividade esta­ tal”, representa sempre um a clarificação do Direito, um a passagem do indistinto para o distinto, do im preciso ou vago para o formal. Positivada objetivam ente a regra jurídica, desaparecem as dúvidas e

“A lei pode ser definida como uma regra social obrigatória, estabelecida de modo estável pela autoridade pública e sancionada pela força; trata-se, pois, de uma disposição geral que tem por fim a regulamentação do füturo”. Traité, cit., v. 1, p. 87. Todas correspondem, no fundo, à doutrina de Dabin, segundo a qual regra positiva é toda regra integrada na ordem jurídica em vigor sob a sanção de uma coação prevista e organizada pela autoridade (La ph ilosoph ie d e 1'ordre ju ridiqu e po sitif, cit., p. 34 e s.).

25. Jhering, La lutte p o u r le droit, trad. de Meulenaere, Paris, 1890, p. 2. 26. Pascal, Pensées, edição dirigida por Victor Giraud, Paris, 1924, art. V, n. 298. Na edição Havet, com pequena variante, art. VI, n. 8.

as incertezas sobre a sua vigência, alcançando-se um a estabilidade de maior ou m enor duração.

N o Estado o Direito tom a-se f o r m a , é conteúdo em forma pre­

cisa. D esliga-se, de certa maneira, do suporte das consciências e, independe da apreciação im ediata dos obrigados passando a ter vida

autônoma, com o b en efício da legitim idade preliminar (le b é n é fic e

du p r é a la b le , com o diz Hauriou).

E quando um a n o rm a c o n s u e tu d in á r ia vale por força de lei,

adquire as características form ais da lei, no m om ento de sua aplica­ ção ao caso particular.

D o s sentim entos e interesses até às representações jurídicas, e

destas até à n o rm a ju r íd ic a p o s itiv a o b je tiv a , há um processo de cla-

rificação, de precisão de elem entos distintivos. Em poucas palavras,

o D ireito vai adquirindo e stru tu ra f o r m a l e g e n e r a lid a d e n o r m a tiv a

à m edida que se processa a sua positivação plena.

O processo de positivação do Direito não seria possível auto­ m aticam ente, isto é, sem a interferência criadora do poder. A sobera­ nia, por conseguinte, acom panha todo o processo de positividade, de form ação e de eficácia do Direito Objetivo e tem em sua origem e em seu exercício um fundam ento só: o bem com um com o ordem social que a virtude de Justiça visa realizar.

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 137-141)

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