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CONCEPÇÃO POLÍTIÇACHJ SÓCIO-JURÍDICO-POLÍTICA DA SOBERANIA

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 164-168)

111. D epois das considerações expendidas nos núm eros anteri­ ores, parece-nos ter tom ado bem claro que a questão da soberania é parcialmente jurídica, assim com o é parcialmente histórico-social ou política. Som ente a doutrina política da soberania, ou seja, da Teoria do Estado é capaz de abranger o fenôm eno do poder no Esta­ do M odem o em todos os seus m om entos e aspectos, e isto m esm o

depois da prévia análise filosófica do p o d e r em g e ra l.

13. Vide, infra, caps. IX e X.

14. Gény, La notion de droit en France, Arch. de Philos. du D r. et d e Soc. Jur.,

U m a concepção exclusivam ente jurídica da soberania seria tão falha com o uma outra puramente social. N a verdade, o problema é sócio-jurídico-político, ou melhor, não é de Direito Constitucional nem de Sociologia Política, mas sim de Teoria do Estado e, prelim i­ narmente, de Filosofia do Direito.

Soberania é tanto a força ou o sistem a de forças que decide do destino dos povos, que dá nascim ento ao Estado M odem o e preside ao seu desenvolvim ento, quanto a expressão jurídica dessa força no Estado constituído segundo os imperativos éticos, econôm icos, reli­ giosos etc., da com unidade nacional, mas não é nenhum desses e le­ m entos separadamente: a soberania é sempre sócio-jurídico-políti- ca, ou n ã o é so b e r a n ia . E e s ta n e c e s s id a d e d e c o n sid e r a r concom itantem ente os elem entos da soberania que nos permite dis-

tingui-la com o uma forma de p o d e r peculiar ao Estado M odem o.

Quando dizem os geralm ente que a vontade do povo se faz von­ tade do Estado, não fazem os senão dar uma feição racional e sim ples a um fenôm eno com plexo e profundamente intrincado, o da progres­ siva atualização das forças sociais no plano do Direito.

Quando dizem os que a opinião pública é a so b e r a n ia d e f a to ,

cujas aspirações se traduzem em lei, lim itam o-nos a olhar a face m ais aparente, m ais sim ples do problema da soberania e do Direito Positivo.

N ão som os dos que se iludem com a apresentação de soluções unilineares e simétricas para a explicação de assuntos sociais e p olí­ ticos. O racionalism o político do século passado sim plificou as li­ nhas do Direito Constitucional, e este ganhou em simetria o que per­ deu em profundidade, e o resultado fo i que os seus institutos, pam asianam ente polidos, não souberam corresponder a um a reali­ dade estuante de fatos novos e imprevistos.

A teoria clássica da soberania nacional, explicando que a s o b e ­

ra n ia , s u b sta n c ia lm e n te d a N a ç ã o , s e co m u n ic a a o E s ta d o , reduz a uma fórmula sim ples, quase esquemática, uma grande verdade.

U m a análise aprofundada dos fatos nos mostra o alcance dessa fórmula, uma vez bem entendida, pois ela é exata do ponto de vista histórico-sociológico, m as não o é com o explicação da ordem estatal nos m oldes do racionalism o individualista.

112. Levando em conta os diferentes aspectos do problema do

poder do Estado, dam os aqui a seguinte noção genérica ou P o lític a

da soberania: S o b e ra n ia é o p o d e r q u e tem u m a N a ç ã o d e o rg a n iza r-

s e liv rem e n te e d e f a z e r v a le r d e n tro d e se u te r r itó r io a u n iv e r s a lid a ­

d e de suas decisões p a r a a r e a liz a ç ã o d o b em com u m .

A nalisem os a definição dada. Ela pode ser desdobrada da se­ guinte maneira:

a ) Soberania é o poder que possui uma sociedade historicam en­

te integralizada com o N ação de se constituir em Estado independen­ te, pondo-se com o pessoa jurídica (é a apreciação genética ou histó- rico-social da soberania).

b) Soberania é o poder de uma N ação juridicam ente constituí­

da, é o poder da pessoa jurídica estatal na forma do ordenamento jurídico objetivo que se concretiza com o expressão do m áxim o grau de positividade (é a apreciação técnico-jurídica).

c ) Soberania é o m eio indispensável à realização do bem co ­

m um em toda convivência nacional (é a expressão ético-política).

Só a teoria p o lític a da soberania envolve a totalidade desses

pontos ou aspectos, pois com preende e integra os conceitos social, jurídico e político do poder.

D e fato, há três conceitos técnicos esp ecíficos da soberania, e o jurista não os pode ignorar, especialm ente quando seu objetivo é pe­ netrar na essência dçi Estado e do seu poder.

A concepção política da soberania é conhecim ento preliminar para todo jurista que não reduz o D ireito ao seu elem ento formal. Este princípio é tão verdadeiro com o o outro que considera o m o­ m ento jurídico da própria essência da soberania, o seu m om ento cul­ minante, único capaz de diferenciar a soberania das dem ais formas históricas do poder político.

Foi, aliás, a importância fundamental do aspecto jurídico que induziu a uma plêiade de ilustres juristas a apreciar a soberania com o

conceito e x c lu siv a m e n te ju r íd ic o , e até m esm o com o qualidade abs­

trata do poder, ou com o categoria jurídica pura.

113. Já observam os que não é possível uma concepção pura­ m ente social ou puramente jurídica da soberania, de sorte que a cha­

A lém desta observação, uma outra deve ser feita e de não m e­ nor importância.

Estaria falseado com pletam ente o nosso pensam ento se se en­

tendesse que, em um dado m om ento, o p r o c e s s o s ó c io -p o lític o do

poder se converte todo em p r o c e s s o ju r íd ic o .

A plena conversão de um processo no outro é ideal irrealizável, pois haverá sempre necessidade de novas decisões perante fatos no­ vos não previstos p elo ordenamento legal, e cada nova decisão sobre

a positividade jurídica im plica uma d e lib e r a ç ã o p o lític a , em razão

das forças sociais, uma apreciação de fins, o que quer dizer que im ­ plica um processo não jurídico, metajurídico.

O m om ento da juridicidade do poder ou da soberania não re­ presenta uma conversão absoluta e definitiva do poder em Direito, m as sim uma conversão formal do poder em poder de direito, à m e­

dida que o seu conteúdo político-social se revela com o f o r m a ou

m o d e lo d e n a tu reza ju r íd ic a .

Quando dizem os, por conseguinte, que o poder, de força social que é a princípio, se ordena juridicamente, querem os nos referir a uma realização progressiva do poder em formas de Direito. Ilusório é dizer que o poder do Estado pode-se m over em um a atmosfera puramente jurídica, p ois não é exato afirmar que, uma vez constituí­ do o Estado, as suas funções se circunscrevam a editar leis e executar leis. Embora os atos dos governantes devam sempre se subordinar aos preceitos legais, segundo a ordem das com petências, não é dito que o Estado não possa inovar, dando novas formas jurídicas de ga­ rantia e de tutela às transformações que se operam no seio do grupo.

A lém do mais, o fato de estar vigente um a constituição não importa na paralisação da evolução social e econôm ica. A verdade é

que as leis devem acompanhar p a r i p a s s u as transformações sociais,

ajustando as leis existentes com oportunos com plem entos, e facul­ tando às autoridades que as aplicam o poder de colocá-las em con so­ nância com as exigências da sociedade. A vida do direito é toda feita, ou melhor, toda se desenvolve no sentido de um perene ajuste entre o sistem a das normas e os processos econôm icos e sociais, sempre tendo em vista os imperativos éticos que se concretizam na idéia fundamental do justo. Pode-se m esm o dizer que, em sua essência, a D em ocracia se realiza tão-som ente quando há correspondência entre

os cód igos e a vida, e existe possibilidade de não se estancar nunca esse processo de perene ajuste entre a lei e as aspirações coletivas, os valores que se objetivam em cada m om ento da história da cultura.

O processo político-social — isto é, o processo social que se desenvolve no seio de uma coletividade segundo os m otivos ético- políticos — acom panha sem pre a atividade do Estado, de sorte que o

m o m e n to ju r íd ic o do poder não é m o m e n to r e la tiv a m e n te à to ta lid a ­ d e d o p r o c e s s o p o lític o - s o c ia l, m a s sim re la tiv a m e n te a um d o s m o ­ m e n to s d e s s e p r o c e s s o , relativamente àqueles elem entos que por m eio desse processo se impuseram com o valores m erecedores da tutela estatal15.

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 164-168)

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