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AS DOUTRINAS ORGÂNICAS DO ESTADO

39. Já encontramos, por conseguinte, em Aristóteles e Santo

Tomás, os princípios de uma teoria que colhe as características es­

senciais desta realidade s u i g e n e r is que é o Estado.

A pós um intervalo de puro racionalism o, durante o qual se pre­ tendeu ingenuam ente “construir a sociedade e o Estado” associando indivíduos com o a psicologia analítica associava im agens, e com o reação n ecessá ria contra as arbitrariedades do con tratu alism o jusnaturalista dominante no século XVIII, teve início no século pas­

sado uma volta salutar às antigas concepções sobre a natureza da sociedade dos homens.

Com preende-se, dessarte, o alto valor dos estudos elaborados por quantos se em penharam em renovar as análises aristotélico-

21. Comm. Eth. L. I, lec. I. Cf. Louis Lachance, loc. cit.

22. Louis Lachance, op. cit., p. 368. Cf. S. Deploige, Le conflit d e la m orale et d e la sociologie, Paris, 4. ed.

tom istas, fornecendo elem entos preciosos à Jurisprudência e esclare­ cendo o significado do processo de integração na formação do Esta­ do e da ordem jurídica.

Sem nos esquecermos da contribuição notável de H egel, deve­

m os nos referir, embora sumariamente, à corrente dos o rg a n ic ista s

que — originando-se em parte da Escola Histórica de Savigny e Puchta — com preende diversas escolas, em geral caracterizadas por não re­ duzirem o todo social às suas partes com ponentes, embora descambem às vezes para o errp oposto de sacrificar o indivíduo pelo todo.

Seria tarefa das m ais d ifíceis e ingratas tentar uma classificação das teorias orgânicas do Estado23, mas para as finalidades de nosso

23. A dificuldade da classificação está na variedade de critérios adotados pe­ los vários organicistas, de sorte que, não raro, os que rejeitam o organicismo bioló­ gico chegam (como Bluntschli, Schâffle e Lilienfeld) a exageros que nem mesmo os mais fascinados pelas ciências naturais seriam capazes de sustentar, tais como, por exemplo, estabelecer sexos para o Estado e a Igreja, descambando para o terreno ilusório das metáforas antropomórficas. Explica-se, por isso, a divergência dos ex­ positores, que ora colocam determinado autor em uma escola, ora em outra, quando não o fazem aparecer em todas as tendências simultaneamente. A única diferença que existe entre certos o rg â n ico -ético s e orgân ico -b io ló g ico s é que os primeiros forçam o paralelismo entre o homem e a sociedade ou o homem e o Estado sabendo que estão usando de metáforas elucidativas, ao passo que os outros aceitam as seme­ lhanças com o expressão de uma identidade real. Cf. Getell, que distingue o organicism o p s íq u ic o (Stahl, Gierke, Gores), o b io ló g ic o (Zaccharia, Fratz, Bluntschli), o so c ia l (Comte, Saint Simon, Spencer), não se sabendo bem como classifica Novicow, Lilienfeld, Schâffle, Worms, Fouillée, Lester Ward etc. (Getell,

H istória d e las ideas p o líticas, trad. de Gonzales Garcia, Barcelona, Buenos Aires, 1930, v. 2, p. 256 e s. Arnaldo de Valles, em sua Teoria giu ridica delia organizzazione dello Stato, Pádua, 1931, v. 1, p. 15 e s., discrimina as teorias orgânicas em biológi­ ca, psicológica, ética (nesta categoria incluindo Bluntschli e Lilienfeld...), histórico- orgânica e social, mas sem pretender dar uma verdadeira classificação. Cf. ainda Jellinek, D ottrina generale, cit., p. 320 e s.; Fischbach, Teoria general d e l E stado,

trad. de Luengo Tapia, 2. ed., Barcelona, Buenos Aires, 1920, p. 25 e s.; Duguit,

Traité d e droit constitutionnel, 3. ed., Paris, 1927-1928, v. 1, p. 612 e s., v. 2, p. 19 e s.; Squillace, Le dottrine sociologich e, Milão-Palermo, 1903, p. 70 e s.; e Kelsen,

Teoria general d el E stado, cit., p. 13 e s. Note-se que as mais disparatadas conclu­ sões políticas foram tiradas da concepção orgânica do Estado, desde o individualis­ mo de Spencer à tese da soberania do monarca, sustentada por Zaccharia. Nem seria possível estabelecer limites precisos entre as múltiplas correntes que se formaram no próprio organicismo naturalista, onde se notam a tendência biorganicista de Worms, Schâffle, Lilienfeld (teoria da herança, das raças, da seleção etc.), a evolucion ista, de Spencer, Lester Ward, Espinas, e a darw inista, de Gumplovicz e Ratzenhofer etc.

trabalho bastará acentuar os pontos essenciais, e especialm ente aquele que foi posto em relevo por Gierke, cuja posição, aliás, não se con ­ tém plenam ente nos lim ites do organicism o.

Costumam os autores distinguir la to sen su , o o rg a n ic ism o é tic o

do o rg a n ic ism o b io ló g ic o , com a primeira dessas expressões abran­ gendo os estudos que não partem da consideração do Estado com o um

o rg a n ism o b io ló g ic o , mas, sim, do Estado com o um o rg a n ism o d e o rd em é tica , isto é, com o uma unidade superior que integra os indiví­ duos e que não pode ser explicada pela vontade, pelos interesses, pelos comportamentos ou pelas finalidades individuais. O núcleo central dessa tendência, de que Gierke é o m áxim o intérprete, abstração feita dos exageros em que muitos incorrem, consiste em reconhecer que a socie­ dade e o Estado não são form ações artificiais, admitindo-se a existên­ cia real de um todo coletivo com o uma espécie de unidade viva forma­ da por hom ens solidarizados e orientados segundo fins com uns que ultrapassam os fins do “ indivíduo com o indivíduo”.

Esta doutrina teve o mérito de pôr em relevo a natureza históri-

co-cultural do Estado e a característica s u i g e n e r is da realidade so­

cial, não obstante as suas com parações forçadas e a am bigüidade do conceito de organism o. Reforçou e com pletou as afirm ações da Es­ cola Histórica sobre a natureza real da nação ou do povo, reagindo ao m esm o tem po, poderosam ente, contra o apriorismo contratualista24.

O que, porém , m ais de perto n os interessa é notar que o

organicism o lançou nova luz sobre o p r o c e s s o d e in te g ra ç ã o a que

24. Bluntschli reconhece expressamente esses méritos à Escola Histórica, apresentando-a como antecedente imediato do organicismo. Em verdade, o con­ ceito de que a Nação é uma realidade distinta, irredutível aos seus elementos componentes, assim como a idéia de que o Estado é um todo que se deve conceber como uma pessoa, encontra-se amplamente desenvolvido na obra de Müller, de Savigny etc. Cf. a obra de Alexandre Correia, C on cepção h istórica d o direito,

onde se apontam os méritos e os exageros da escola sobre a “consciência nacio­ nal”, e a concepção orgânica do Estado, e de Del Vecchio, Filosofia d el derecho

etc., v. 1, p. 153-260 e 292 e s., e de Miguel Reale, Fundamentos do direito, cit., cap. II. Vide também Icilio Vanni, I giuristi delia scuola storica in Germania, in

Saggi d i F ilosofia S o cia le e G iuridica, Bolonha, 1906. Neste ensaio, o jurista italiano põe em evidência os elementos de organicismo da Escola Histórica, e„ embora pretenda provar o contrário, no-la apresenta como precursora da Filosofia Positiva, pelo menos em sua aplicação nos domínios do Direito.

obedece um a sociedade determinada à m edida que os fins se tom am mais preciosos e a solidariedade se faz m ais íntima.

Os teóricos do organicism o souberam, em suma, dar valor à

concepção do povo com o uma u n id a d e d e o rd e m , com preendendo,

com o dissera Em anuel Kant, repetindo ensinam entos de A ristóteles

e de Santo Tomás de Aquino, que “p r o d u to o r g a n iz a d o d a n a tu re za é

a q u e le n o q u a l tu d o é f im e re c ip ro c a m e n te ta m b é m m e io ”25.

POSIÇÃO DE SPENCER

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