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NOVOS RUMOS DA DOGMÁTICA JURÍDICA

10. A s considerações feitas explicam as divergências havidas

entre os doutores quanto à maneira de conceber a D ogm ática Jurídi­ ca e os m étodos de estudo do Direito Positivo.

Segundo Gaetano M osca, dois m étodos disputavam a primazia na Ciência do Direito em geral e do Direito Público em particular: o

m é to d o té c n ic o -ju r íd ic o e o m é to d o h is tó r ic o - p o lític o 11.

A separação que o ilustre constitucionalista de Turim já assina­ lava, no princípio do século, está, em n ossos dias, m ais viva do que nunca, mas já se pode antever uma universalização de processos que, sem perderem a feição jurídica, atendam a exigências da vida políti­ ca e consultem os dados das ciências sociológicas, usando largamen­ te de seus m étodos e conclusões.

A crise m etodológica do D ireito apresenta universalmente os m esm os sinais e, em todos os países, tanto na Europa com o na A m é­ rica, os juristas se inclinam no sentido a que acima nos referim os.

N a Itália, especialm ente depois dos estudos de V olpicelli, D e Francisci, M aggiore, Capograssi ou Mortati, as análises sobre o m é­ todo adquiriram penetração admirável, embora as fontes d esse m o­ vim ento se devam procurar na França e na A lem anha 18.

17. Gaetano Mosca, Appunti di diritto costituzionale, Milão, 3. ed., 1921, p. 7 e s. 18. De Francisci, P er una nueva dom m atica giu rid ica (II diritto del lavoro, 1932) e A i giuristi italiani (Archivi Studi Corp., 1932, p. 269); Maggiore, La dottrina

São duas as p osições que se defrontam, com o assinala Giuliano M azzoni: “A primeira tendência (a técnico-jurídica) pressupõe a ciên ­ cia jurídica com o fim de si m esm a, isto é, com o ciência que pode e deve se limitar a estudar os institutos jurídicos em si e por si, segun­ do os princípios característicos a eles im anentes, com absoluta ex­ clusão de toda e qualquer relação com o conteúdo social a que ade­ rem”, de maneira que, segundo esse ponto de vista, “a apreciação jurídica pode e deve ser autônoma e absolutamente técnico-formalista, concebido o Direito com o um aparelho técnico protetor justaposto à concreta realidade da vida, funcionalm ente autônom a e qualitativa­ m ente distinta”... “A segunda tendência proclam a a necessidade de

infundir na doutrina jurídica o sentido da politicidade (p o litic itá), ou

seja, a necessidade de fazer com que a D ogm ática jurídica não perca o seu contacto com as m utáveis condições da vida, sem , com isto, se negar a autonom ia do Direito e a especialização do m étodo jurídico, afirm ando-se, porém , em con traposição à e sc o la tradicional, a m utabilidade dos seus m eios, das suas categorias, das suas ficções e construções” 19.

São duas as p o siçõ es, m as não se trata de um m é to d o s o c io ló ­

g ic o oposto a um m é to d o ju r íd ic o , m as, ao contrário, de um m é to ­

del metodo giuridico, R iv. Int. d i Fil. del. D ir., VI, 1926, p. 373 e s.; Volpicelli,

C orporativism o eproblem ifon dam en tali d i teoria generale d e l diritto (Archivi Studi Corp., 1932, p. 609). Cf. a crítica de Camelutti, Filosofia e scienza del diritto (Riv. Proc. Civ., 1931, p. 38). Aos estudos lembrados na 1.* edição deste livro, acrescen­ taríamos Francesco Camelutti, Teoria gen erale d el diritto, 3. ed., Roma, 1951; Emilio Betti, Teoria gen eralle delia interpretazione, Milão, 1955 e Norberto Bobbio, Teo­ ria d elia scien za g iu rid ic a , Turim, 1950; W. Sauer, J u ristisch e M ethodenleh re,

Stuttgart, 1940; Bruno Leoni, IIproblem a d elia scienza giuridica, Turim, 1945; L. Legaz y Lacambra, In trodu ción a la ciên cia d e l d erech o , Barcelona, 1943; A. Hemandez-Gill, M etodologia d el derecho, Madri, 1945; J. Stone, The province an d function oflaw , Cambridge, Massachusetts, 1950; Virgilio Giorgianni, N eopositivism o e scienza d e l diritto, Roma, 1946; V. E. Orlando, D iritto p u bblico generale, Milão, 1940; Felice Battaglia, N uovi scritti d i teoria d ello S tato, Milão, 1955; e Georges Burdeau, M éthode d e la Science po litiq u e. Paris, 1959. Cf., também, M. Reale, O direito com o experiência, cit., onde se indica mais recente bibliografia sobre proble­ mas epistemológicos. Sobre a minha posição na esfera da Teoria do Conhecimento,

vide Miguel Reale, Experiência e cultura, São Paulo, 1978.

19. Mazzoni, V ordin am en to corporativo, Pádua, 1934, p. 119-21. Como se vê, tais conceitos ultrapassam os limites da teoria corporativista.

d o ju r íd ic o que se quer abandonar por um outro m é to d o tam bém

ju r íd ic o .

A mudança está no espírito, nos pressupostos, não na natureza do m étodo que é sempre jurídica.

11. Há bem pouco tempo, na C iência do Direito, tanto priva­

do com o público, predominou o m étodo técnico-jurídico orientado no sentido de excluir ou eliminar da Jurisprudência todo e qualquer elem ento de ordem ética ou política. Pretendeu-se construir silogisti- cam ente todo o ed ifício do Direito, aplicando-se na interpretação das normas constitucionais a m esm a técnica consagrada por uma falsa tradição romanista até então dominante em matéria de Direito Privado20.

D e um lado, o exem plo fascinante das ciências matemáticas, e, do outro, a preocupação diutum a pelas garantias individuais, que pareciam de todo incom patíveis com um sistem a de direito positivo flexível às exigências de uma interpretação político-social, tudo con­ tribuía ao predom ínio do jurism o puro, do Direito pelo Direito.

Isto em teoria. N a prática, salvo um ou outro jurista extremado, nunca houve um a aplicação rigorosa dos princípios m etodológicos, e o recurso à C iência Política e à Ética ou ao Direito Natural sempre se fazia nos m om entos em que a norma devia ser ilum inada por den­ tro, p elo conteúdo político-social e pela análise dos acontecim entos históricos.

N o entanto, a falta de um reconhecim ento explícito da n ecessi­ dade de aplicar o m étodo jurídico à luz de critérios políticos e sociais conduziu não poucos tratadistas ao dom ínio das puras abstrações, abrindo cam inho à escola de Hans Kelsen, o qual, diga-se de passa­

20. Sobre a influência do Direito Privado na Dogmática do Direito Público

vide Giacomo Perticone, Teoria d el diritto e dello Stato, 1937, p. 191 e s. e 225 e s. V. também as observações de Bonaudi, em seus P rin cipii d i diritto pu bblico,

Turim, 1936, ns. 21 e s. e 33 e s., relativamente às peculiaridades do Direito Público e do seu método. Cf. Mortati, Istituzioni d i diritto pu bblico, Pádua, 1967, t. 1; Balladore Pallieri, D ottrina dello Stato, Pádua, 1964; Passerin D ’Entreves,

La dottrin a d ello Stato, in E lem enti d i a n alisi e in terpretazione, Turim, 1962; Dino Pasini, Vita e fo rm a nella realtà d e l diritto, Varese, 1964, p. 205 e s.

gem , apesar de seu pretenso objetivism o científico, deixa transparecer claramente as suas predileções políticas...

12. A necessidade de não desprezar os critérios políticos no

Direito e especialm ente no Direito Público foi sentida por Jellinek, que dizia não se poder abrir m ão de considerações sobre “o possível p olítico” e, m ais ainda, que “determinar o conteúdo de todas as nor­ mas jurídicas não é possível com a pura lógica; pelo contrário, preci­ samente, os conceitos fundamentais do direito público, que susten­ tam os dem ais, desprezam um tratamento puramente lógico”21.

N ão fossem as suas tendências acentuadas ao form alism o, e Jellinek teria em pregado sempre o m étodo jurídico dentro dos lim i­ tes consentidos pelas exigências incessantem ente renovadas da rea­ lidade política.

M ais achegado à moderna concepção do m étodo jurídico está, sem dúvida, V. E. Orlando com os seus em inentes continuadores. C om efeito, o constitucionalista italiano, refugindo do form alism o que no dizer de Ziegler é uma doença da Jurisprudência germânica, teve o cuidado de afirmar, depois de conceber a Política e o Direito

com o duas ordens distintas, que não é adm issível uma s e p a r a ç ã o

f o r m a l entre a primeira e o segundo, uma vez que não se pode pres­ cindir de critérios políticos para se estabelecerem os princípios ge­ rais da C iência do D ireito22.

21. Jellinek, D ottrina generale, cit., p. 68. Quanto à segunda parte desta obra, utilizamo-nos da tradução francesa de Georges Fardis, V É ta t m odem e e t son droit,

v. 2, Paris, 1913. Vide ainda Jellinek, Sistem a d ei d irittip u b b lic i subbiettivi, trad. de Vitagliano, Milão, 1932. Dos pontos básicos da doutrina jurídica de Jellinek, trata­ mos em nosso Fundam entos do direito, cit., caps. III e V.

22. V. E. Orlando, P rincipii d i d iritto costituzionale, Florença, 1889, p. 170. É também o pensamento de Degni que conclui observando que “a exegese das leis fundamentais, isto é, das que são constitutivas do organismo do Estado, não pode prescindir do elem ento político; porquanto este prevalece nelas”. Degni,

V interpretazione delia legge, 1909, p. 9, apud Carlos Maximiliano, Com entários à Constituição B rasileira, 2. ed., 1923, p. 90, nota 6 .0 ilustre constitucionalista pátrio afirma, com razão, que as regras da hermenêutica constitucional não podem ser confundidas com as que se aplicam à interpretação de leis minuciosas e de fins mais ou menos efêmeros, visto como “o código fundamental tanto provê no presente como prepara o futuro” (loc. cit.). Se assim acontece na interpretação das normas constitucionais, com mais razão se há de reconhecer a necessidade de recorrer a critérios políticos e a dados sociológicos, econômicos etc., quando da fixação dos

A crescenta Orlando que, isto não obstante, o estudo do Direito deve ser feito com m étodo jurídico, posto que “quem considera uma q u estão ju rid icam en te não p od e, no m esm o m om en to ló g ic o , considerá-la politicam ente”23.

13. Expondo os princípios gerais do que na Itália se chamou

“D ogm ática N ova”, vem os V incenzo Sinagra, com apoio nos citados estudos de D e Francisci, V olpicelli e M aggiore, declarar que a ne­ cessidade de um a nova D ogm ática jurídica surgiu desde o m om ento em que se abandonou a doutrina, que pretendia cindir os aspectos particulares da vida espiritual considerando-os isolados uns dos ou­ tros, desconhecendo a com plexa interdependência das atividades do espírito e destruindo a unidade da cultura e da vida. O realism o con­ temporâneo, acrescenta o mestre da Universidade de N ápoles, reco­ nhece que a apreciação dos elem en tos h istóricos e p o lític o s é

lo g ic a m e n te n e c e s s á ria para o esclarecim ento e a reconstrução do D ireito positivo. “N ão se trata, porém, de considerar politicam ente, no m esm o m om ento lógico, o que é jurídico, m as sim de reconstruir, sobre a base da apreciação da realidade social e política, uma forma­ ção social, a formação jurídica, a qual nessa realidade e por essa realidade vive”24.

conceitos fundamentais de que depende a feitura dessas normas. Cf. Carlos Maximiliano, H erm enêutica e aplicação do direito, 2. ed., Porto Alegre, 1933. Para maiores esclarecimentos sobre o problema da interpretação do Direito, cf. Miguel Reale, Estudos de filosofia e ciência do direito, São Paulo, 1978.

23. V. E. Orlando, N ote à dottrina generale d e Jellinek, cit., p. 247. Bastari­ am os nomes de Jellinek e de Orlando para se não poder condenar em bloco a escola técnico-jurídica, pois nem todos se iludiram com a possibilidade de cons­ truir a Ciência do Direito exclusivamente sobre uma base de elementos formais, considerando, como por exemplo, Bartolomei, “sem pre indébita a introm issão de critérios p o lítico s no cam po do D ireito”. Bartolomei, D iritto pu bblico e filosofia,

Nápoles, 1923, v. 1, p. 11 e s.

24. Vincenzo Sinagra, P rin cipii d el nuovo diritto costituzionale italiano, Roma, 1936, p. 20 e s. Cf. De Francisci, Per la formazione delia dottrina giuridica italiana,

Riv. d i D ir. P ubbl., 1932, 7:581, e o já citado estudo de Maggiore, na R iv. Int. di Filosofia d e l D iritto, 1926. Não pode, à vista do exposto, adquirir foros de ciência o método político-nacional que Costamagna defende, embora reconheçamos a proce­ dência do objetivo colimado, que é arrancar o Direito da pura abstração. O engano de Costamagna decorre da aceitação do relativismo cultural de Spengler, que pretende haja um Direito para cada cultura estanque. Pretender uma ciência jurídica válida só para um Estado particular eqüivale a tirar ao direito o seu caráter científico. Cf.

M aggiore diz que a fórmula “a Jurisprudência para os juristas” é uma esp écie de doutrina de M onroe aplicada ao Direito, e reconhe­ ce que o m étodo da Jurisprudência só pode ser m étodo jurídico.

Acrescenta, no entanto, que “o verdadeiro m étodo jurídico deve consentir e não impedir a contínua transformação das relações histó­ ricas e sociais em relações jurídicas, pois o Direito é um produto essencialm ente histórico, que languesce e morre quando transplan­ tado para o terreno da pura abstração. A o invés de se esfumar no vazio de uma pretensa jurisprudência pura, com o esquem atização geom étrica dos princípios do Direito, o m étodo jurídico deve descer da lógica do abstrato, sobrevivência de autêntico intelectualism o, para a lógica do concreto”. “A D ogm ática”, conclui M aggiore, “deve ser, indiscutivelm ente, um sistem a de conceitos e um quadro de catego­ rias, mas um quadro elástico e um sistem a aberto, e não fechado, de maneira que a vida concreta, com as suas em ergências e as suas ne­ cessidades, dentro dela flua e reflua, em lugar de estagnar-se”25.

14. Atitude análoga assum e o professor Alessandro Groppali, o

qual reconhece a utilidade indiscutível e o incontestável valor do método técnico-jurídico, desde que se contenha nos lim ites da re­ construção dos ordenamentos, e não se pretenda alcançar com ele um a e x p lic a ç ã o in tegral do E stad o em toda a sua c o m p lex a fenom enologia. É preciso, aliás, notar que Groppali, não esquecido da orientação sociológica de Ardigó, Vanni, C ogliolo e de quantos contribuíram ao esplendor da que se chamou E scola C ientífica do Direito, não se lim ita a reclamar atenção para o em prego de critérios políticos no estudo do Estado e do Direito, mas exige também que esse critério político, inconfundível com o critério partidário, seja fundado sobre uma larga base de pesquisas sociológicas, pregando, assim , uma volta ao estudo positivo e concreto dos fenôm enos so­ ciais sem , contudo, abandonar a armadura lógico-form al da D ogm á­

Costamagna, D iritto p u b b lico fa sc ista , Roma, 1934, p. 5 e s. No culturalismo pluralista de Spengler não há lugar para uma ciência do Direito propriamente dita, como bem o demonstrou o ilustre Clóvis Beviláqua relativamente ao Direito Roma­ no, em conferência inserta na RT, de São Paulo, v. 90.

25. Maggiore, loc. cit. No fundo é, como vimos, a posição de V. E. Orlando, cuja metodologia vai acentuando a nota experimental e realista, tal como se pode observar na série dos ensaios reunidos sob o título de D iritto pu bblico generale, cit.

tica, uma vez que seria absurdo pretender que a intuição concreta e im ediata dos fenôm enos possa substituir o processo de abstração e de generalização26.

Esta posição, desde que se corrija o seu em pirism o, sem pre­ juízo de seu espírito político e de sua base histórico-sociológica po­ sitiva, é a que nos parece m ais aceitável, livrando-nos das prem issas do “idealism o atualístico” que, por influência da filosofia de Gentile, se nota na obra de M aggiore e de outros juristas, idealism o esse de cunho neo-hegeliano que fez a Jurisprudência italiana olvidar aquele realism o que, m esm o sob forma positivista, tinha sido condição de suas m elhores afirm ações. É, em verdade, nos quadros sólidos do realism o crítico, — reconquista do pensam ento contem porâneo con­ tra as abstrações e as unilateralidades na com preensão da realidade objetiva — que o Direito deve procurar apoio e perene inspiração, o que, aliás, prevalece na atual Ciência jurídica peninsular.

Se, no entanto, devem os restituir valia às “objetividades” , de conform idade com as tendências talvez dominantes no pensam ento contemporâneo, não é dito que se deva volver ao realism o ingênuo e estático, que olvida o nexo de im plicação e de polaridade, existente entre sujeito e objeto, tal com o tem os procurado expor na que deno­

m inam os concepção o n to g n o s io ló g ic a . Pensam os ter demonstrado,

na parte geral de nossa F ilo so fia d o D ir e ito , que o conhecim ento não

se resolve numa cópia passiva do real, mas, ao contrário, só se atua­ liza na concretitude de um processo dialético em que sujeito e objeto reciprocamente se condicionam , sem que jam ais um termo se reduza ao outro (realism o crítico ou ontognosiológico).

D a m esm a forma, perde qualquer significado, no âmbito da

C iência do Direito, a antítese entre f o r m a lis ta s e su b s ta n c ia lis ta s ,

n o r m a tiv is ta s a b s tr a to s e s o c io lo g is ta s , visto com o tanto o Direito com o o Estado são unidades plurivalentes que exigem correspon­ dente pluralidade m etodológica.

26. Depois de criticar o formalismo da Reine Rechtslehre, Groppali escreve: “De utilidade indubitável e de valor incontestado é, segundo pensamos, método teórico-jurídico, na medida em que se mantenha nos limites da reconstrução jurídi­ ca, como o único método capaz de abarcar a total explicação do Estado, em toda a complexidade de sua fenomenologia...” — D ottrina dello Stato, Milão, 1939, p. 45.

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