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Burdeau, loc cit Preferimos manter no texto o que disséramos sobre o pensamento do politicólogo francês, à luz apenas de um artigo, cuja importância

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 132-135)

O PODER SEGUNDO A DOUTRINA DE GEORGES BURDEAU

18. Burdeau, loc cit Preferimos manter no texto o que disséramos sobre o pensamento do politicólogo francês, à luz apenas de um artigo, cuja importância

pusemos em realce. Com efeito, nesse estudo de 1937 já se encontram esboçadas as idéias mestras que iriam depois ser amplamente desenvolvidas em três obras ora bem conhecidas: Le p o u vo ir politiqu e et VEtat, 1943; Traité de Science p o litiq u e,

1949-1957; e M éthode de la Science politique, 1959.

Nesses trabalhos, Burdeau ainda procura uma explicação monista para a gê­ nese da regra de direito, em cujo processus ele insere o poder. Entre este e o direito estabelece-se, no entanto, um nexo de implicação, de sorte que se apresentam como momentos de uma única realidade teleologicamente orientada no sentido do bem comum. Se a “idéia de direito” determina o p o d er, este se põe como “intermediário entre a idéia de direito e do direito positivo”; sob esse prisma, “todo direito é instrumento de uma política”.

Por meio dessa correlação dinâmica entre um ideal de direito e a sua positivação histórica, graças aos recursos plásticos inerentes ao poder, processa-se a

O m onism o de Burdeau, concluím os em 1940, apreciando a doutrina até então exposta pelo mestre francês, não é mais aceitável do que o de Kelsen, e a afirmação que ele faz da necessidade do

p o d e r não nos deve induzir a erro, pois a sua concepção do p o d e r co m o q u a lid a d e d a reg ra — não obstante o seu desejo de não perder contacto com os valores sociais — corresponde à concepção kelse-

niana do poder com o sim ples expressão n o r m o ló g ic a do Direito.

O B E M C O M U M C O M O F U N D A M E N T O D A S O B E R A N IA E D O D IR E IT O

86. Estão destinadas a insucesso todas as doutrinas que pro­

curam eliminar do Direito o conceito de p o d e r , ou, então, tentam

reduzir o poder a uma c a te g o r ia ju r íd ic a p u r a .

O poder, por mais que se queira evitar esta conclusão, marca sem ­

pre um mom ento de livre escolha, de in terferên cia d e c is iv a no proces­

so de positivação do Direito em geral e de um Direito em particular.

O Direito não obedece, em seu desenvolvim ento, a um p r o c e s ­

so m e c â n ic o , no qual o poder represente o elem ento de ligação entre a idéia ou o sentim ento de Direito e a regra jurídica em todos os seus

graus de positividade, nem tam pouco se subordina a um p r o c e s s o

ló g ico , no qual o poder signifique o fio da coerência íntima do sistema.

é transferido da pessoa dos governantes a uma pessoa abstrata, o Estado”. (Traité, v. 2, p. 188.) Dessarte, o Estado confunde-se com a instituição na qual se encarna o poder, podendo ser considerado, pura e simplesmente, “o poder institucionalizado”. A ordem jurídica positiva, segundo tal modo de ver, resulta da união da “idéia de direito” com o “poder”, inexistindo hierarquia ou subordinação entre esses dois elementos, “cuja interpenetração de influências resume toda a vida do direito” (Traité, cit., v. 1, p. 343).

Fácil é perceber-se a evolução operada na teoria de Burdeau, crescendo cada vez mais no horizonte de seu pensamento a importância do poder na nomogênese jurídica, até chegar a afirmações como estas: “o político (isto é, entendamo-nos, o conteúdo ou o objeto da Ciência Política) é o fundamento de todo o social; o político é o social que atingiu a maturidade”, donde ser “a Ciência Política a ciência social por excelência) (M éth ode, cit., p. 103-5).

O monismo deixa, assim, de ser lógico-jurídico, para ser p olítico , pois toda “idéia de direito” implica o poder que a atualiza, segundo estes princípios binados: “Não há sociedade sem regra, nem regra sem poder”; “Não há sociedade sem poder, nem poder sem possibilidade de estabelecer regras” (M éth ode, cit., p. 189).

N a tese de Burdeau, por exem plo, o poder constitui um ponto de encontro, um traço de união entre as “representações jurídicas” e as regras jurídicas positivas, e isto porque se considera im plicada a intervenção do poder tanto pela norma de direito que lhe deve o seu verdadeiro significado, quanto pelo próprio ordenamento positivo do qual é condição.

O poder, entretanto, não é um mero ponto de encontro ou de intercessão entre a idéia de Direito ou o sentimento de Direito, que uma coletividade quer ver assegurados, e a regra jurídica que efeti­ vamente assegura o respeito a essa aspiração coletiva.

Tal aconteceria se, com o pretende Duguit, o poder fo sse um instrumento passivo, um a balança fiel que pendesse para o lado da regra econôm ica ou moral correspondente à linha de m aior força indicada pela “adesão da m assa dos espíritos”.

N a realidade, porém , um a “regra de D ireito” só se tom a plena­

m ente positiva, ou seja, n o rm a ju r íd ic a d o E s ta d o, em virtude de um

processo de seleção, de verificação, por parte dos órgãos do Estado

ou, por outras palavras, em v ir tu d e d e u m a d e c is ã o orientada no sen­

tido do bem com um , o que quer dizer, no sentido do ju s to s o c ia l.

Cabe à Política do Direito examinar in c o n c r e to os m otivos

axiológicos que determinam a inclinação do p o d e r no sentido de pre­

ferir uma via normativa, com sacrifício de outras “proposições jurí­ dicas” possíveis.

B em poucos problemas são tão com plexos com o o do papel do

p o d e r na nom ogênese jurídica, a cujo estudo já dedicam os grande

parte de nosso livro O d ir e ito c o m o e x p e riê n c ia , desenvolvendo te­

mas já apreciados no capítulo X X X V I de nossa F ilo so fia d o d ire ito .

Basta lembrar aqui que o poder, seja ele estatal, isto é, definido por m eio de órgãos predeterminados, seja ele social, revelado por m eio da reiteração intencional dos usos e costum es, ou das decisões dos corpos associativos internos, corresponde sempre a um m om en­ to de opção, que nem sempre é suscetível de ser explicado em termos puramente racionais: elem entos afetivos e im previstos, quando não passionais e violentos, podem provocar a positivação de uma norma

de Direito, em conflito com a solução r a c io n a lm e n te m ais em har­

8 7 .0 bem com um é o fundamento último do Direito assim com o o é da soberania, desde que por bem com um se entenda a própria “or­ dem social justa”. A compreensão da natureza do poder tom a-se mais clara quando lembramos que o bem com um não coincide com a idéia particular que cada hom em faz de seu próprio bem. Com o nos diz Jean

Dabin, a so b e ra n ia é uma exigência do b em co m u m que não poderia se

realizar pela simples benevolência dos indivíduos e dos gm pos — e não pode dispensar uma “conjugação obrigatória dos esforços de to­ dos, sem distinções de classe, de sexo, de religião, de partido etc.”, de maneira que “o empreendimento da coisa pública reveste a forma de uma sociedade ao m esm o tempo universal e necessária” 19.

A preem inência do bem público, em sua ordem e com o sistem a de valores a realizar, constitui o fundam ento do Estado e da sobera­ nia in c o n c r e to , segundo a antiga doutrina que vê no Estado uma “sociedade perfeita”, porquanto forma “um sistem a com pleto que lhe confere plenitude de com petência”.

“A ssim sendo”, esclarece o ilustre mestre de Louvain, “a idéia do bem com um encerra, em potência, a idéia de soberania; necessa­ riamente, o grupo ou o sistem a voltado a proporcionar aos hom ens a paz e a justiça, a ordem e o sustento, deve ser admitido não som ente a impor a sua própria lei, com o também, em caso de conflito, a fazê- la prevalecer”20.

Sem a soberania não estaria assegurada a realização do bem com um ou a justiça social. Em verdade, quando o individualista põe o indivíduo no centro da vida do Direito, com o m eio e fim da ordem social, fá-lo na certeza de que a satisfação do interesse individual virá coincidir com a plena satisfação do interesse coletivo21. Já assim

19. Dabin, D octrine générale, cit., p. 51 e s. e Philosophie d e Vordre ju ridiqu e positif. Sobre a identificação que fazemos entre “justiça”, em sentido geral, e “bem comum”, vide Fundam entos do direito, cit., p. 308 e s. Sobre a noção de bem co­ mum, fora dos esquemas tomistas, vide G. Burdeau, Traité, cit., v. 1, p. 57-88.

20. Dabin, op. cit., p. 123. Sobre o “bem comum” como uma ordem de participação e de comunicabilidade, vide Bagolini, M ito, p otere e d ialogo, Bolo­ nha, 1967, de admirável acuidade.

21. Assim Stuart Mill, L' utilitarism e, trad. de Le Monnzer, p. 111: “Se me

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 132-135)

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