80. O D ireito é sem pre uma concretização do ideal que tem o
hom em de com pletar-se, de elevar-se material e espiritualmente. D aí o processo incessante de renovação do sistem a jurídico positivo, ten do em vista uma adaptação cada vez m enos im perfeita às situações novas que se constituem .
A norma jurídica não resulta, pois, do fato bruto, do fato social em si, m as sim do hom em que se p õe diante deste fato e o julga, firmando um a norma de adesão ou de repulsa, segundo os princípios do justo e do injusto.
E o contacto entre os princípios do justo e as situações histórico- sociais contingentes que, por m eio de processos com plexos e sutis, rigorosamente inexplicáveis, constitui a condição do aparecimento de
12. O “justo” e o “jurídico” não coincidem no plano do Direito Positivo. A definição nominal ju s dictum e st quia e s t justum vale para todo o Direito apenas em sentido formal, entendendo-se que, como a armadura do Direito é sempre “essen cialmente acordo, proposição, ajuste”, não há forma de Direito que não realize uma certa fo rm a de ju sto . Ou por outras palavras, todo direito é ju sto na medida em que o seu “sentido vem a ser o de realizar o justo”.
certos ideais que dão lugar às “representações jurídicas”, que são a m ola propulsora do progresso do Direito, visto com o tendem a se tra
duzir em regras d e D ir e ito P o sitiv o em geral e e s ta ta l em particular.
A s representações jurídicas constituem , assim , a primeira ma nifestação do Direito Positivo. Elas são com o que regras de Direito Positivo em esboço, am algam ado com elem entos que a positividade triunfante distingue depois e separa, até culm inar sob a forma preci
sa de n o rm a ju r íd ic a .
Toda representação jurídica é dotada de uma força de expan são, tende a se impor à m assa dos espíritos, atuando com o poderosa
id é ia -fo r ç a na m edida de sua correspondência com as aspirações coletivas. Toda “representação jurídica”, por outras palavras, tende a
se tom ar norma ju r íd ic a p o s itiv a , dentro de um círculo social parti
cular, primeiro, para depois se estender aos círculos periféricos, ou ainda diretamente no círculo m ais largo representado pela integração
nacional: tende, pois, a valer universalm ente com o D ir e ito e s ta ta l.
C om o se efetua essa translação do m om ento social para o m o
m ento jurídico? C om o a r e p r e se n ta ç ã o jurídica se tom a norma ver
dadeiramente positiva? Que representa o poder nesse processo de positivação da regra jurídica? Toda regra de D ireito tem sempre com o antecedente necessário um a “representação jurídica”, ou, de m anei ra genérica, pressupõe sem pre um estado de con sciência social? Eis
aí um problema, de cuja solução depende, m a g n a p a r te , a teoria jurí
dica do Estado e do Direito.
81. Notem os, preliminarmente, que, em certos casos, uma deter
minada norma de Direito vale dentro de um círculo social particular, sem que essa eficácia indiscutivelm ente jurídica tenha assento em al
gum texto de legislação positiva: surge assim o D ir e ito co stu m eiro .
Pode acontecer que essa norma valha por m uito tem po sem que se sinta a necessidade de armá-la da coação específica do poder pú blico. Em geral, entretanto, a tendência própria às regras de D ireito é
de se tom arem regras de D ir e ito e s ta ta l, não só para terem assegura
da um a eficácia plena em virtude da tutela da força material supre
ma, com o para adquirirem u n iv e r s a lid a d e .
E sse processo de “objetivação” das normas jurídicas liga-se in tim am ente ao processo de integração social. N ão se dá integração de círculos sociais sem positivação de normas jurídicas. Para m elhor
dizer, toda integração social, que não é senão adaptação do hom em ao sistem a de uma cultura, concretiza-se e culm ina com o afirmação de positividade jurídica que tende a ser positividade jurídica estatal.
Se analisarmos o processo de integração do Estado M oderno, terem os de concluir que os círculos sociais afins inclinam -se a se integrar em uma unidade superior, e que essa integração se realiza m ediante a instauração de um novo sistem a de Direito Positivo, de clarado por uma autoridade reconhecida com o autoridade represen
tativa da unidade nacional integralizada, ou seja, declarado p e la s o
b e r a n ia d o E sta d o .
C om efeito, todas as representações jurídicas dotadas de força real e que podem até ser respeitadas e cumpridas pelo consenso es
pontâneo das com unidades, te n d e m a se in te g ra r n a u n id a d e d o s is
tem a d e D ir e ito P o s itiv o e s ta ta l, o que eqüivale dizer que tendem a estatalizar-se, porquanto — com o verem os nos capítulos seguintes — a e s ta ta lid a d e ou o b je tiv id a d e ju r íd ic a p le n a d o D ir e ito n ã o é se n ã o o g ra u m a io r d e p o s itiv id a d e ju r íd ic a re la tiv a m e n te a o u tro s o rd e n a m e n to s d e D ir e ito P o s itiv o 12,.
Em verdade, todo Direito procura o poder para realizar-se com o
norma garantida e genérica. É por isso que u m a id é ia d e D ir e ito d e v e
s e r se m p re o p r e ç o d e u m a c o n q u ista le g ítim a d o p o d e r . O poder que não realiza o Direito é sintom a patológico de equilíbrio obtido por com pressão, pois só pode dar lugar a uma ordem precária e m ecâni ca, arranjada sem adesão de consciências, incapaz de refrear, por lon go tem po, as forças vivas do crescim ento orgânico.
82. Quem estuda a história do Estado nota com o o fenôm eno da
integração social progressiva ou da dilatação dos círculos sociais está
em íntima conexão com o da a firm a ç ã o p r o g r e s s iv a d o p r im a d o d e
um d a d o sis te m a d e m o d e lo s ju r íd ic o s .
O chamado Estado M odem o representa o m ais alto grau de de
senvolvim ento desse duplo processo: n e le a in te g ra ç ã o j á é n a c io
n a l, e , n o c írcu lo s o c ia l d a N a ç ã o , um D ir e ito P o s itiv o d e c id e em ú ltim a in stâ n c ia , o D ir e ito P o s itiv o c u ja e fic á c ia é g a r a n tid a p e la a u to r id a d e d o to d o n a cio n a l.
Tal estádio evolutivo da ordem jurídica positiva tende — não obstante todas as crises internacionais que só aos olhos dos m edío cres parecem definitivas — tende a integrações maiores, internacio nais e talvez m esm o supem acionais, rumo ao ideal remoto de uma integração que se confundirá com o círculo social Humanidade e se exprimirá por m eio de um só sistem a soberano de Direito.
Entretanto, ainda estam os positivam ente longe desse ideal, e
não há nada m ais perigoso para o jurista do que sacrificar o c o n c re to
d o f a t o h is tó r ic o , ainda quando provisório, p elo abstrato do ideal que a linha da evolução científica deixa apenas vislumbrar.
O que importa, porém , nesta altura, é notar que então com o agora o fenôm eno se dará com o expressão das leis gerais que aqui
com pendiam os: Todo c írc u lo s o c ia l te n d e a in te g ra r-se em c írc u lo s
m a is a m p lo s e com plexos', c a d a in te g ra ç ã o c o n s titu i-s e e s e a firm a m e d ia n te a e x c lu s iv id a d e , em ú ltim a in stâ n c ia , d e um s is te m a d e D ir e ito P ositivo', a p o s itiv a ç ã o ex c lu siva d o D ir e ito em um c írc u lo s o c ia l s ó é p o s s ív e l m e d ia n te a in te rfe rê n c ia d o p o d e r e e x ig e u m a h ie ra rq u ia d e p o d e r e s .
83. ‘T od os os interesses humanos possuem uma necessária ten
dência p sicológica a abrir o próprio cam inho e a afirmar-se”, escreve Jellinek. “M as uma cousa e outra exigem força. Por isso qualquer agregação social permanente, esteja ou não organizada, exige uma aspiração no sentido de adquirir força e conservá-la” e, “com o o E s tado é o m ais poderoso fator social de força, todos os grupos tendem a ser auxiliados ou pelo m enos reconhecidos pelo Estado” 14.
É por isso também que, considerando o Estado nacional a m ais alta expressão da integração social até hoje alcançada, dizem os que
o E s ta d o é o lu g a r g e o m é tr ic o d e p o s itiv id a d e d o D ire ito .
Se considerarm os, por outro lado, as desigualdades naturais dos hom ens, as duas ordens de forças que atuam sobre a sociedade, a disparidade de tendências e de inclinações, a m ultiplicidade de ideais não raro contrastantes, serem os obrigados a reconhecer que, se um
14. Jellinek, D ottrina generale dello Stato, cit., p. 126. O mesmo se pode dizer com relação a ordenamentos supemacionais, como o do “Mercado Comum Europeu”, que depende do consenso dos Estados nacionais.
sistem a de Direito Objetivo se im põe no círculo nacional com ex c lu sã o d e to d a e q u iv a lê n c ia , isto só se verifica em virtude da força da
unidade nacional integralizada, ou seja, em virtude da S o b e ra n ia . A
soberania é a expressão jurídica da integração nacional.
A ntes, porém, de exam inarm os estas questões, é preciso verifi car se é possível apresentar o poder com o uma sim ples intercessão
entre a norma in a b s tr a to e a n o rm a p o s itiv a , ou, em última análise,
se o Direito se realiza todo objetivam ente, sem nenhum elem ento de
s u b je tiv id a d e .