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PROCESSO DE POSITIVAÇÃO DO DIREITO

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 126-130)

80. O D ireito é sem pre uma concretização do ideal que tem o

hom em de com pletar-se, de elevar-se material e espiritualmente. D aí o processo incessante de renovação do sistem a jurídico positivo, ten­ do em vista uma adaptação cada vez m enos im perfeita às situações novas que se constituem .

A norma jurídica não resulta, pois, do fato bruto, do fato social em si, m as sim do hom em que se p õe diante deste fato e o julga, firmando um a norma de adesão ou de repulsa, segundo os princípios do justo e do injusto.

E o contacto entre os princípios do justo e as situações histórico- sociais contingentes que, por m eio de processos com plexos e sutis, rigorosamente inexplicáveis, constitui a condição do aparecimento de

12. O “justo” e o “jurídico” não coincidem no plano do Direito Positivo. A definição nominal ju s dictum e st quia e s t justum vale para todo o Direito apenas em sentido formal, entendendo-se que, como a armadura do Direito é sempre “essen­ cialmente acordo, proposição, ajuste”, não há forma de Direito que não realize uma certa fo rm a de ju sto . Ou por outras palavras, todo direito é ju sto na medida em que o seu “sentido vem a ser o de realizar o justo”.

certos ideais que dão lugar às “representações jurídicas”, que são a m ola propulsora do progresso do Direito, visto com o tendem a se tra­

duzir em regras d e D ir e ito P o sitiv o em geral e e s ta ta l em particular.

A s representações jurídicas constituem , assim , a primeira ma­ nifestação do Direito Positivo. Elas são com o que regras de Direito Positivo em esboço, am algam ado com elem entos que a positividade triunfante distingue depois e separa, até culm inar sob a forma preci­

sa de n o rm a ju r íd ic a .

Toda representação jurídica é dotada de uma força de expan­ são, tende a se impor à m assa dos espíritos, atuando com o poderosa

id é ia -fo r ç a na m edida de sua correspondência com as aspirações coletivas. Toda “representação jurídica”, por outras palavras, tende a

se tom ar norma ju r íd ic a p o s itiv a , dentro de um círculo social parti­

cular, primeiro, para depois se estender aos círculos periféricos, ou ainda diretamente no círculo m ais largo representado pela integração

nacional: tende, pois, a valer universalm ente com o D ir e ito e s ta ta l.

C om o se efetua essa translação do m om ento social para o m o­

m ento jurídico? C om o a r e p r e se n ta ç ã o jurídica se tom a norma ver­

dadeiramente positiva? Que representa o poder nesse processo de positivação da regra jurídica? Toda regra de D ireito tem sempre com o antecedente necessário um a “representação jurídica”, ou, de m anei­ ra genérica, pressupõe sem pre um estado de con sciência social? Eis

aí um problema, de cuja solução depende, m a g n a p a r te , a teoria jurí­

dica do Estado e do Direito.

81. Notem os, preliminarmente, que, em certos casos, uma deter­

minada norma de Direito vale dentro de um círculo social particular, sem que essa eficácia indiscutivelm ente jurídica tenha assento em al­

gum texto de legislação positiva: surge assim o D ir e ito co stu m eiro .

Pode acontecer que essa norma valha por m uito tem po sem que se sinta a necessidade de armá-la da coação específica do poder pú­ blico. Em geral, entretanto, a tendência própria às regras de D ireito é

de se tom arem regras de D ir e ito e s ta ta l, não só para terem assegura­

da um a eficácia plena em virtude da tutela da força material supre­

ma, com o para adquirirem u n iv e r s a lid a d e .

E sse processo de “objetivação” das normas jurídicas liga-se in­ tim am ente ao processo de integração social. N ão se dá integração de círculos sociais sem positivação de normas jurídicas. Para m elhor

dizer, toda integração social, que não é senão adaptação do hom em ao sistem a de uma cultura, concretiza-se e culm ina com o afirmação de positividade jurídica que tende a ser positividade jurídica estatal.

Se analisarmos o processo de integração do Estado M oderno, terem os de concluir que os círculos sociais afins inclinam -se a se integrar em uma unidade superior, e que essa integração se realiza m ediante a instauração de um novo sistem a de Direito Positivo, de­ clarado por uma autoridade reconhecida com o autoridade represen­

tativa da unidade nacional integralizada, ou seja, declarado p e la s o ­

b e r a n ia d o E sta d o .

C om efeito, todas as representações jurídicas dotadas de força real e que podem até ser respeitadas e cumpridas pelo consenso es­

pontâneo das com unidades, te n d e m a se in te g ra r n a u n id a d e d o s is ­

tem a d e D ir e ito P o s itiv o e s ta ta l, o que eqüivale dizer que tendem a estatalizar-se, porquanto — com o verem os nos capítulos seguintes a e s ta ta lid a d e ou o b je tiv id a d e ju r íd ic a p le n a d o D ir e ito n ã o é se n ã o o g ra u m a io r d e p o s itiv id a d e ju r íd ic a re la tiv a m e n te a o u tro s o rd e n a m e n to s d e D ir e ito P o s itiv o 12,.

Em verdade, todo Direito procura o poder para realizar-se com o

norma garantida e genérica. É por isso que u m a id é ia d e D ir e ito d e v e

s e r se m p re o p r e ç o d e u m a c o n q u ista le g ítim a d o p o d e r . O poder que não realiza o Direito é sintom a patológico de equilíbrio obtido por com pressão, pois só pode dar lugar a uma ordem precária e m ecâni­ ca, arranjada sem adesão de consciências, incapaz de refrear, por lon­ go tem po, as forças vivas do crescim ento orgânico.

82. Quem estuda a história do Estado nota com o o fenôm eno da

integração social progressiva ou da dilatação dos círculos sociais está

em íntima conexão com o da a firm a ç ã o p r o g r e s s iv a d o p r im a d o d e

um d a d o sis te m a d e m o d e lo s ju r íd ic o s .

O chamado Estado M odem o representa o m ais alto grau de de­

senvolvim ento desse duplo processo: n e le a in te g ra ç ã o j á é n a c io ­

n a l, e , n o c írcu lo s o c ia l d a N a ç ã o , um D ir e ito P o s itiv o d e c id e em ú ltim a in stâ n c ia , o D ir e ito P o s itiv o c u ja e fic á c ia é g a r a n tid a p e la a u to r id a d e d o to d o n a cio n a l.

Tal estádio evolutivo da ordem jurídica positiva tende — não obstante todas as crises internacionais que só aos olhos dos m edío­ cres parecem definitivas — tende a integrações maiores, internacio­ nais e talvez m esm o supem acionais, rumo ao ideal remoto de uma integração que se confundirá com o círculo social Humanidade e se exprimirá por m eio de um só sistem a soberano de Direito.

Entretanto, ainda estam os positivam ente longe desse ideal, e

não há nada m ais perigoso para o jurista do que sacrificar o c o n c re to

d o f a t o h is tó r ic o , ainda quando provisório, p elo abstrato do ideal que a linha da evolução científica deixa apenas vislumbrar.

O que importa, porém , nesta altura, é notar que então com o agora o fenôm eno se dará com o expressão das leis gerais que aqui

com pendiam os: Todo c írc u lo s o c ia l te n d e a in te g ra r-se em c írc u lo s

m a is a m p lo s e com plexos', c a d a in te g ra ç ã o c o n s titu i-s e e s e a firm a m e d ia n te a e x c lu s iv id a d e , em ú ltim a in stâ n c ia , d e um s is te m a d e D ir e ito P ositivo', a p o s itiv a ç ã o ex c lu siva d o D ir e ito em um c írc u lo s o c ia l s ó é p o s s ív e l m e d ia n te a in te rfe rê n c ia d o p o d e r e e x ig e u m a h ie ra rq u ia d e p o d e r e s .

83. ‘T od os os interesses humanos possuem uma necessária ten­

dência p sicológica a abrir o próprio cam inho e a afirmar-se”, escreve Jellinek. “M as uma cousa e outra exigem força. Por isso qualquer agregação social permanente, esteja ou não organizada, exige uma aspiração no sentido de adquirir força e conservá-la” e, “com o o E s­ tado é o m ais poderoso fator social de força, todos os grupos tendem a ser auxiliados ou pelo m enos reconhecidos pelo Estado” 14.

É por isso também que, considerando o Estado nacional a m ais alta expressão da integração social até hoje alcançada, dizem os que

o E s ta d o é o lu g a r g e o m é tr ic o d e p o s itiv id a d e d o D ire ito .

Se considerarm os, por outro lado, as desigualdades naturais dos hom ens, as duas ordens de forças que atuam sobre a sociedade, a disparidade de tendências e de inclinações, a m ultiplicidade de ideais não raro contrastantes, serem os obrigados a reconhecer que, se um

14. Jellinek, D ottrina generale dello Stato, cit., p. 126. O mesmo se pode dizer com relação a ordenamentos supemacionais, como o do “Mercado Comum Europeu”, que depende do consenso dos Estados nacionais.

sistem a de Direito Objetivo se im põe no círculo nacional com ex c lu ­ sã o d e to d a e q u iv a lê n c ia , isto só se verifica em virtude da força da

unidade nacional integralizada, ou seja, em virtude da S o b e ra n ia . A

soberania é a expressão jurídica da integração nacional.

A ntes, porém, de exam inarm os estas questões, é preciso verifi­ car se é possível apresentar o poder com o uma sim ples intercessão

entre a norma in a b s tr a to e a n o rm a p o s itiv a , ou, em última análise,

se o Direito se realiza todo objetivam ente, sem nenhum elem ento de

s u b je tiv id a d e .

O PODER SEGUNDO A DOUTRINA

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 126-130)

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