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A DOUTRINA DA SOBERANIA DO ESTADO

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 189-192)

135. O s juristas contem porâneos — especialm ente depois dos

estudos de Gerber, Laband etc. — apreciando a questão de um ponto

de vista estritamente técnico-jurídico, afirmam a e s ta ta lid a d e d a s o ­

b e ra n ia .

Em verdade, com o os próprios teóricos da soberania nacional o reconhecem , o povo só é capaz de manifestar legalm ente a sua von­ tade na m edida e enquanto se organiza em Estado, isto é, enquanto é elem ento constitutivo ou, com o preferem outros, órgão do Estado. Ora, dizer que a soberania legal é do povo ou da Nação juridicam en­ te organizada é dizer, pura e sim plesm ente, que a soberania é do Estado, ou então, do Estado capaz de determinar por si m esm o a esfera de exercício de seu poder de dar ordens incondicionadas.

40. Paulo de Lacerda, P rin cípios d e direito constitucional, cit., p. 66. Desen­ volvendo outra ordem de idéia, também Sampaio Dória contesta possa o Estado ser concebido como pessoa jurídica dotada de soberania, asseverando, dogmaticamente, que “em verdade verdadeira, o Estado não é, nem pode ser titular da soberania, pois que é a própria soberania organizada, e o titular dela é a Nação. A personalidade pública atribuída ao Estado é uma necessidade, e supõe um preconceito: o de que o Estado é o sujeito dos direitos da soberania”, op. cit., p. 127.

136. É claro que a doutrina da soberania do Estado é um a dou­

trina exata desde que seja com preendida ju r id ic a m e n te , sem esten­

der as suas conclusões com intuitos precipuamente políticos. Nada justificava, por exem plo, o sentido dado por alguns constitucionalistas

italianos que a convertiam em d o g m a , pretendendo assim abalar o

princípio da representação do povo no Estado, com o se este princí­

pio decorresse da teoria jurídica da s o b e r a n ia nacional e perdesse a

sua razão de ser com a aceitação da soberania jurídica do Estado41.

C om o tem os dito e repetido, a soberania é do Estado, su b s p e c ie

ju r is , mas é do povo, pertence à sociedade com o fato social, de sorte que não podem os poderes que nela se contêm ser exercidos com opressão do povo. Quando a opressão existe, há apenas aparência de juridicidade, há forma jurídica ilusória, que se respeita por ser força e não por ser Direito, isto é, que se respeita enquanto não haja força capaz de se opor à usurpação, restabelecendo a unidade essencial que

deve existir entre a s o b e r a n ia s o c ia l e a s o b e r a n ia ju r íd ic a , entre a

opinião pública e o Estado, entre o processo das normas e dos atos jurídicos e o desenvolvim ento e as aspirações da vida coletiva.

137. Longe, pois, de oporm os a s o b e r a n ia d a N a ç ã o à s o b e r a ­

n ia d o E s ta d o , som os de opinião que o problem a essencial da Políti­ ca não é outro senão este de fazer que a segunda seja a expressão da primeira, de sorte que o poder se exerça cada v ez m ais na forma do Direito, e que a força social se m anifeste no plano do Estado, m e­ diante a concretização da orientação política em normas jurídicas.

^ D istinguim os, por conseguinte, o problem a da titularidade da

soberania, tendo em vista o duplo m om ento de seu exercício, o s o ­

c ia l e o ju r íd ic o . S e se aprecia a soberania na totalidade de suas ex ­

pressões, ou seja, p o litic a m e n te , não há com o negar que a soberania

pertence substancialmente à Nação. D o ponto de vista estritamente

41. O caráter dogmático assumido pela doutrina da soberania do Estado no Fascismo está bem fixado no seguinte trecho da relação ministerial de Mussolini e Rocco sobre a reforma da representação política realizada pela Lei n. 1.019, pro­ mulgada em 1928: “A doutrina fascista nega o dogma da soberania popular, que é a cada dia desmentido pela realidade, e proclama, em seu lugar, o dogma da sobe­ rania do Estado...”.

Por outro lado, dizer que a teoria da soberania do Estado é “fascista” é força de expressão destituída de valor jurídico.

jurídico, porém, isto é, limitada a análise da soberania com o poder de direito, é preciso convir que a soberania é do Estado. Parece-nos, aliás, que esse é, no fundo, o pensam ento da maioria dos adeptos da doutrina clássica42.

138. C lóvis Beviláqua faz uma distinção entre s o b e r a n ia p o p u ­

la r e s o b e r a n ia n a c io n a l que, sob certos aspectos, corresponde à que

estabelecem os entre a soberania P o lític a e a ju r íd ic a .

“Quando dizem os que o povo é soberano”, escreve o egrégio mestre, “querem os afirmar que, nas dem ocracias, à m assa da popu­ lação nacional e não a um grupo, uma fam ília ou uma casta, cabe assumir, por m eio de seus representantes, a direção dos negócios públicos...”

“Por soberania nacional”, prossegue ele, “entendem os a autori­ dade superior, que sintetiza, politicam ente, e segundo os preceitos do Direito, a energia coativa do agregado nacional” constituindo “pro­ priedade fundamental do Estado”43.

N ão obstante a im precisão term inológica (soberania nacional do Estado) e a ligação que se mantém entre soberania do povo e

42. Uma prova a mais a favor desta doutrina está no fato de que para ela confluem também alguns dos mais ilustres propugnadores da soberania do Estado. Basta lembrar que, segundo o Prof. Emílio Bonaudi, “não é difícil perceber como esta (a soberania popular) termine por se reduzir ao próprio conceito de soberania do Estado, porquanto é o Estado que personifica a sociedade e, pois, o povo”. Principii d i d iritto pu bblico, Turim, 1930, n. 56.

43. Clóvis Beviláqua, Conceito de Estado, loc. cit., e D ireito p ú blico interna­ cional, cit., v. 1, p. 65 e s. Cf. também a distinção feita por Esmein entre a soberania de f a to (a opinião pública) e a soberania legal, in Éléments d e droit constitutionnel,

cit., p. 167. Até os partidários da absoluta estatalidade do Direito reconhecem, como faz, por exemplo, Falchi, que “o povo é o titular verdadeiro e indispensável da soberania, da qual depende o surgimento, a duração e o declínio de todo poder”. La realtà dello Stato, Arch. Studi Corp., 1932, p. 474. Benvenuto Donati observa, na mesma ordem de idéias, que a sociedade, em certos momentos, altera a ordem político-jurídica agindo como “força nua”, que não se confunde com a violência cega e destruidora, visto como se legitima pelo fato de conter a idéia luminosa do Direito novo; vide Benvenuto Donati, Fondazione delia scienza d el diritto, 1929, p. 122. Análoga à referida afirmação de Esmein é a de James Bryce quando escre­ ve que “o problema da soberania pode ser resolvido por intermédio da distinção entre soberania 'de iure’ e soberania ‘d e fa c to ’. Studies in history and jurisprudence,

representação, é inegável que C lóvis B eviláqua soube atender a dois aspectos distintos da soberania.

139. R econhecem os a relatividade das distinções aqui propos­ tas, mas absurdo seria pretender distinções absolutas em matéria tão com plexa, cuja maior dificuldade consiste em distinguir os m últi­ plos sentidos que a paixão política e os preconceitos de escola têm dado às palavras.

C om o observamos inicialmente, o conceito de soberania deve ser

Político, ou, com o dizem geralmente, p o lític o -ju r íd ic o , mas isto não

importa em declarar desnecessárias as distinções que vim os formulan­ do. Elas se revelam de grande utilidade técnica para o estudioso não se perder no labirinto dos sistemas, cada qual orientado segundo um ân­ gulo visual diferente. O relativismo contemporâneo nos ensina a apre­ ciar o s fatos de um com plexo funcional de pontos de vista, de maneira que a realidade não se confunda com a im agem formada segundo um só índice de refração, uma só medida, um só movimento.

NATUREZA DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

No documento REALE, Miguel. Teoria do direito e do estado (páginas 189-192)

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