• Nenhum resultado encontrado

O ANTIFORMALISMO JURÍDICO

15. C om o já dissem os, os princípios expostos pelos mestres

italianos relativamente ao estudo e à formulação do Direito foram preparados por uma série de trabalhos notáveis realizados na A lem a­ nha e na França.

N a parte relativa à revisão dos processos de exegese, a primazia cabe à Alem anha, não só cronologicam ente, com o pelo número e pela im portância dos trabalhos. Estaria fora dos lim ites desta monografia uma apreciação da contribuição germânica aos m étodos e processos que o cultor do Direito deve seguir para penetrar no ver­ dadeiro sentido do ordenamento jurídico27.

N a França, este m ovim ento foi iniciado por dois juristas dos mais em inentes, François Gény e Saleilles, e desde logo se consti­ tuiu uma verdadeira legião de mestres que cooperou, de maneira de­ cisiva, para colocar o problema do Direito sobre novas bases, apre­ ciando as leis em função dos imperativos sociais e guiando a função dos ju izes segundo os fins essenciais ao desenvolvim ento ético e material do povo.

A lém da influência exercida pelos continuadores da obra de Saleilles e de Gény, devem os lembrar na França a extraordinária in­ fluência exercida sobre os estudos jurídicos pela ciência sociológica, especialm ente por m eio da escola de Durkheim.

Pode-se dizer que não há trabalho de relevo nas letras jurídicas francesas que não traga o marco das pesquisas realizadas pelo m es­ tre da sociologia contemporânea. A inspiração sociológica, com seus estudos sobre a consciência coletiva, a divisão do trabalho, a solida­

27. Vide o admirável estudo de Gény sobre o movimento do Freies R echt em sua obra clássica M éthode d ’interpretation et sources du droit prive' positif, 2. ed., Paris, 1932, v. 2, p. 330-403. Para uma apreciação sintética, Carlos Maximiliano,

Herm enêutica e aplicação do direito, cit., ns. 71-89. Além do citado trabalho de Gény, consulte-se, do mesmo autor, Science et téchnique en droit p r iv é positif,

Paris, v. 4; Helmut Coing, Grundzüge d er R echtsphilosophie, 2. ed., Berlim, 1969; Karl Larenz, Storia d el m etodo nella scienza giuridica, trad. it., Milão, 1966; Karl Engisch, La idea de la concreción en el derecho y en la ciência ju ríd ica actuales,

trad. de J. J. Gil Cremades, Pamplona, 1968, e Karl Olivecrona, La struttura d eli’ordinam ento giu ridico, trad. de Enrico Pattaro, Milão, 1972.

riedade, a interdependência dos grupos, contribuiu de maneira rele­ vante para arrancar o jurista do plano das abstrações e reconduzi-lo, em boa hora, para o terreno das realidades palpitantes de vida.

A o lado desses fatores, devem os lembrar ainda um outro, repre­ sentado pelo poderoso m ovim ento sindicalista, cujas doutrinas bate­ ram em cheio contra os quadros frios e as estruturas inflexíveis no direito clássico, reivindicando a existência autônoma de outros cen­ tros produtores de direito que não o Estado.

Todas essas causas puseram termo à E scola da E xegese, partin­ do os seus quadros e os seus dogm as, com o que revelando novam en­

te a s o c ia lid a d e d o D ire ito .

E por esse m otivo que os estudos jurídicos na França perderam todo o caráter formalista, adquirindo um cunho em inentem ente soci­ al. Relativam ente à posição assumida pelos citados juristas italianos, p od em os d izer que se nota entre o s m estres fran ceses m enos

p o litic id a d e e mais s o c ia lid a d e . Em alguns autores se observa m es­ m o uma com preensão mais integral do problema jurídico, com o

estudo da c u ltu r a lid a d e do Direito. E esta última tendência que se

afirma especialm ente entre os continuadores do institucionalism o de Hauriou.

A pós a queda do fascism o, também a Ciência jurídica italiana, que já entrara em contacto vivo com a experiência social, sobretudo por m eio das obras fundam entais de Santi R om ano e G iuseppe Capograssi, passou a revelar m ais atenção pela problemática socio­ lógica, que quase havia sido posta à margem m enos por influência de ideologias políticas do que com o decorrência da crítica idealista de Croce e de G entile28.

16. N a A lem anha, terra por excelên cia do form alism o, as no­

vas diretrizes m etodológicas provêm , em linha reta, dos juristas que souberam reconhecer a existência de lacunas na legislação p o­ sitiva e travaram um a verdadeira batalha em prol da livre indaga­ ção do D ireito.

28. Vide N. Bobbio, La m éthode sociologique et les doctrines contemporaines de la philosoph ie du droit en Italie, Colóquio de Estrasburgo, nov. 1956. Mais adiante, teremos oportunidade de apreciar as contribuições notáveis de Santi Romano.

A F r e ie s R e c h ts fin d u n g , m ovim en to paralelo ao da L ib r e R ech erc h e du D r o it de Gény, levou até ao exagero a pretensão de libertar o juiz e o cientista do Direito dos quadros prefixados pela legislação, e teve com o resultado benéfico o abandono da velha dou­ trina que confundia o Direito com os C ódigos e a Ciência com a casuística.

D esnecessário é lembrar aqui os nom es dos m entores dessa re­ novação, bastando dizer que bem raros são hoje aqueles que confun­ dem o Direito com a L ei29.

R eação contra o form alism o, não tardou essa orientação a trans­ por os lim ites do razoável, dando lugar a uma concepção romântica da vida jurídica.

O que se poderia chamar “em basam ento social do Direito”, en­ quanto foi tratado por juristas com o Smend e Heller, conservou-se em um plano moderado, respeitando os dois elem entos essenciais do Direito já apontados por V olpicelli, a estrutura formal e a função normativa; mas esse equilíbrio acabou por desaparecer cada vez mais

no clim a criado pela W eltan sch au n g (visão do mundo) nacional-so-

cialista.

Em verdade, ressurgiu na Alem anha de Hitler um romantismo jurídico, agravando, de certa forma, a concepção que Savigny e Puchta tiveram da sociedade e do Direito. Segundo os m ais em inentes juris­

tas do nazism o, o centro de toda a W eltan sch au n g (cosm ovisão) filo ­

sófica nacional-socialista é o povo com o seu o b je k tiv e r G e is t (espí­

rito objetivo), de sorte que o Estado e o Direito não são m ais do que

produtos desse Espírito, ou então, aspectos da V o lk sg em ein sch a ft (co­

munidade do povo) na sua realidade histórica e dinâmica, da qual o

F ü h rer é o intérprete com o seu séquito, F ü h ru n g (condução)30.

29. Cf. Gény, M éthode, loc. cit.

30. Vide R. Bonnardi, Le droit e t V E tat dans la doctrine n ation al-socialiste,

Paris, 1936; C. Schmitt, I principii politici odiemi delia filosofia giuridica in Germania,

R iv. Int. d i Fil. d e l D iritto, 1937; e, de modo especial, Cario Lavagna, L a dottrina n azional-socialista d el diritto e dello Stato, Milão, 1938, l.a parte. Estamos de acor­ do com Groppali quando observa que a doutrina nacional-socialista do Estado, ape­ sar de seu significado especial como doutrina política , não apresenta conceitos téc­ nicos e científicos que possam ser universalmente aceitos pela Jurisprudência. A concepção do Estado como um apparat, cuja titularidade pertence pessoalmente ao

D essa identificação absoluta entre o Estado e o Povo decorre

uma am eaça à autonomia individual, pois o I n d iv id u a lg e is t é con si­

derado uma sim ples criação do G e m e in g e ist, e — e é o que m ais nos

interessa neste m om ento — resulta tam bém a im possibilidade de se distinguirem claramente os elem entos “políticos” dos “filosóficos” e “jurídicos”, com o foi bem observado por Cario Lavagna.

C om o se vê, o antiform alism o na Alem anha acabou incidindo em erro oposto ao que pretendia combater. N em faltaram juristas na Alem anha que procuraram defender a autonomia da Ciência jurídi­ ca, ameaçada pelos crentes do espírito do povo, por todos aqueles que estabelecem o primado do irracional e do espontâneo, esqueci­ dos de que o Direito não pode deixar de ter uma estrutura formal, nem dispensar os processos técnicos que lhe são próprios.

17. A reação contra o form alism o jurídico nota-se por toda par­

te, e o excesso que vim os na Alem anha tam bém encontramos na R ússia Soviética, onde a natureza do regim e político coloca os inte­ resses de classe acima das conclusões que logicam ente são exigidas pelos textos legais.

A Jurisprudência soviética subordina-se abertamente aos obje­ tivos colim ados pelo Estado, e o princípio da igualdade perante a lei desaparece desde que estejam em jo g o interesses da classe em cujo nom e o governo é exercido.

Se na Alem anha considerações de natureza racial obrigaram os intérpretes a dar um duplo valor aos m esm os textos de lei ou a dar um sentido novo às leis antigas ainda em vigor, fenôm eno análogo se verifica na Rússia, onde o Direito adquire valor meramente instru­ m ental31.

A natureza em inentem ente político-partidária do direito sovié­ tico revela-se por m eio das m utações operadas nas concepções e teo­

Führer, é concepção que se não compreende fora do clima político especialíssimo que a inspirou. Cf. Groppali, op. cit., p. 7.

31. Vide Mirkine Guetzévitch, La theorie générale de VÉtat sovietique, Paris, 1928. John N. Hazard, Sovietic law, Columbia L aw R eview , 1936, v. 36, p. 1236. Compare-se com as considerações que faz Pontes de Miranda em O s fundam entos atu ais do direito constitucional, Rio, 1932, p. 91 e s.

rias, desde P. T. Stuchka a E. B. Pashukanis, de A . Y. V yshinsky a I.

P. Trainin, sempre em função dos grupos dominantes no P re sid iu m .

G olunskii e Strogovich são positivos ao fixarem a correlação entre o direito e o partido bolchevista, cuja vontade reflete fielmente: “O Direito socialista, escrevem eles, é a vontade do povo soviético convertida em legislação, a vontade do povo que instituiu a socieda­ de soviética sob a direção da classe trabalhadora, capitaneada pelo partido bolchevista”32.

N o m esm o trabalho, os citados juristas soviéticos, acentuando a correlação entre “normas jurídicas” e “relações sociais”, chegam a contestar a distinção entre “direito objetivo” e “direito subjetivo”, que poderia dar a falsa idéia de um direito independente das ações

humanas por ele reguladas. É ainda o desejo de concreção entre E s ­

ta d o , d ir e ito e s o c ie d a d e que os leva a afirmar peremptoriamente: “O Direito e o Estado não são fenôm enos distintos, um proce­

dente do outro, mas duas faces de um m esm o fenôm eno: a c la s s e

d o m in a n te primeiro se m anifesta no fato da criação de um aparelha- mento de coação (o Estado); e, em segundo lugar, expressa a sua vontade sob a forma de regras de conduta por ela formuladas (o D i­

reito) e que, com a ajuda de seu a p p a r a tu s estatal, com pele o povo a

obedecer”33.

18. N os Estados U nidos da Am érica do Norte, onde o dogm atis-

m o constitucional não concedia senão diminuta liberdade ao intér­

prete, também se desenrolou uma vitoriosa reação contra a m ech a n ica l

ju r is p r u d e n c e em prol da s o c io lo g ic a l ju r is p r u d e n c e . A n ew s c h o o l

de L lew ellyn, H olm es e Blandels rompeu com o form alism o estrei­ to, reconhecendo, com o observara W oodbum, que “a interpretação tem sido matéria jurídica, principalmente; a ‘construção’ tem sido,

32. Golunskii e Strogovich, Theory of the State and law, in S oviet legal philosophy, Harvard Univ. Press, 1951, p. 336. Cf. Vyshinsky, The law o f the soviet State, Nova York, 1951; Schlesinger, La teoria d el diritto nelVUnione Soviética,

trad. de Vismara, Turim, 1962; Biscaretti di Ruffia, Lineamenti generali dell’ordin. costit. soviético, R ivista trim estrale d i D ir. Pubblico, 1956, VI; e H. Kelsen, The com munist th eory o f law , Berkeley e Los Angeles, 1949, e Teoria com unista del derecho y d el E stado, cit.

largamente, matéria da política”, de maneira que não se admite mais que a lei seja todo o Direito, nem que toda a realidade caiba na lei. Dessarte, procuram-se princípios que, atendendo às exigências m úl­ tiplas da vida concreta, ponham a constituição com o “um sistem a de direito vivo”34.

Por toda parte, por conseguinte, verifica-se o m esm o fenôm eno

que, com uma expressão feliz, foi chamado de s o c ia liz a ç ã o d o D i­

reito , fato este que se observa em todos os ramos do Direito, inclusi­ ve naqueles que, com o o Direito Penal, m ais sentem necessidade da certeza legal para a garantia das liberdades individuais.

Documentos relacionados