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ESTADO, DIREITO E CULTURA

4 . N ão obstante reconheçam os os grandes méritos da concep­

ção institucional, preferim os empregar o termo “culturalismo jurídi­ co ”, porque põe m ais evidência à ação criadora do hom em subordi­ nando a natureza a seus fins, partindo da própria natureza.

O culturalismo, tal com o o entendem os, é um a c o n c e p ç ã o d o

D ir e ito q u e s e in teg ra n o h isto ric ism o c o n tem p o râ n e o e a p lic a , n o estu d o d o E sta d o e d o D ireito , o s p rin c íp io s fu n d a m e n ta is d a A x io lo g ia , ou seja, d a te o ria d o s v a lo r e s em fu n ç ã o d o s g ra u s d e ev o lu ç ã o so c ia l.

A lém do mais, o institucionalism o não efetuou uma análise mais

profunda da própria razão de ser da instituição {d a id é ia d e o b r a a

r e a liz a r ) e, em linhas gerais, não reconhece que, se o direito tem um caráter institucional, é porque todo direito representa uma aprecia­ ção de fatos e de atos segundo uma tábua de valores que o hom em deseja alcançar tendo em vista o valor fundamental do justo7.

Segundo a concepção tridim ensional, o D ireito é síntese ou

integração de s e r e de d e v e r s e r , é fato e é norma, pois é o f a t o inte­

grado na n o rm a exigida p elo v a lo r a realizar.

6. Cf. Renard, La ph ilosoph ie d e Vinstitution, Paris, 1939, p. 249. Em nosso livro F undam entos do direito, escrito quando ainda não havíamos lido a obra de Renard, observamos a superioridade da posição de Delos. Folgamos em registrar aqui o atraso da crítica...

7. Sobre estes pontos, cuja análise nos conduziria além da Teoria Geral do Direito, vide Miguel Reale, F undam entos do direito, cit., cap. 8, e Filosofia do d i­ reito , 10. ed., cit., 1982, onde o culturalismo jurídico assume a feição de “tridimensionalidade específica”. Cf., outrossim, Miguel Reale, Teoria tridimensional do direito, 2. ed., São Paulo, 1979.

D e acordo com esta doutrina, não confundim os o Estado com o conjunto de suas leis, com o sistem a geral das normas, nem nos co lo ­ cam os entre os que — por horror ao form alism o — descam bam para uma concepção exclusivam ente sociológica da com unidade estatal, esquecendo os elem entos próprios à Ciência Jurídica.

O Estado é uma realidade cultural, isto é, uma realidade consti­ tuída historicam ente em virtude da própria natureza social do ho­ m em , mas isto não im plica, de forma alguma, a negação de que se deva também levar em conta a contribuição que consciente e volun­ tariamente o hom em tem trazido à organização da ordem estatal.

Afirm am os a concepção tridimensional do direito porque não nos parece possível com preender o direito sem referibilidade a um sistem a de valores, em virtude do qual se estabeleçam relações de hom em para hom em com exigibilidade bilateral de fazer ou de não fazer alguma cousa.

O D ireito é, essencialm ente, ordem das relações sociais segun­ do um sistem a de valores reconhecido com o superior aos indivíduos e aos grupos. Os valores sobre que se fundamenta o mundo jurídico

são de duas espécies: uns são p r im o r d ia is , ou melhor, conaturais ao

hom em , tal com o o v a lo r d a p e s s o a h u m a n a , que é o valor-fonte da

idéia do justo; outros são valores a d q u ir id o s por m eio da experiência

h is tó r ic a , ao p a s s o q u e o s p r im e ir o s sã o p r e s s u p o sto s d o s ordenamentos jurídicos ainda quando estes os ignoram.

É p elo grau de respeito e de garantia assegurado ao valor da pessoa que avaliam os o processo da ordem jurídica positiva.

Contra, pois, os juristas-sociólogos que fazem todos os valores jurídicos surgir espontaneam ente da vida social (Duguit) quando não

os consideram expressões de idéias existentes o b je tiv a m e n te na con s­

ciência coletiva (Durkheim e D avy), o realism o culturalista reconhe­ ce que a experiência histórica revela certos valores que a condicionam, e adquire outros variáveis, porquanto os valores que se prendem à essência da pessoa humana constituem condição da própria expe­ riência jurídica8.

8. Sobre a consideração de todos os valores, como fruto da civilização, como aquisição da “consciência coletiva”, vide especialmente a obra de Davy, Le droit,

5. D e conform idade com a concepção tridim ensional do Direito e do Estado, evita-se o erro do form alism o, e se com preende o verda­ deiro valor da lei e da função de governo.

O direito, consoante a lição de mestres insignes, é uma abstra­ ção, mas uma abstração que corresponde a uma realidade concreta. N este ponto, estão de acordo juristas co m o L u igi R aggi, Vitor Emanuel Orlando, J. D elos, Santi Rom ano e m uitos outros. Penso,

todavia, que se deve ir mais longe, afirmando a c o n c r e titu d e d o p r o ­

c e s s o n o rm a tiv o , do qual é p ossível abstrair o elem ento lógico-for- mal (o suporte ideal representado p elos “ju ízos norm ativos”), desde que se reconheça a sua necessária referibilidade a fatos e a valores, sem os quais o D ireito se esvazia de conteúdo e de sentido.

D elos, em um admirável ensaio sobre a teoria da instituição, observa que “as realidades jurídicas encobrem fatos sociológicos;

estes são o s u b stra c tu m , a substância interna dos fatos e das ativida­

des jurídicas”9.

Criticando o cunho sociológico que certas v ezes é acentuado por alguns institucionalistas, Volpicelli declara que não é possível

sacrificar os dois elem entos essenciais do Direito, a e stru tu ra f o r m a l

e a ju n ç ã o n o rm a tiv a .

O Direito, diz ele, “é, com certeza, organização social, mas não o próprio corpo social em sua realidade em pírica e material, porém na sua forma ideal e em sua normatividade” 10.

V idealism e et 1’experience, Paris, 1922, sobretudo p. 155 e s. Ainda mesmo que os valores todos fossem adquiridos, a Sociologia não poderia resolver o problema do Direito, pois — consoante demonstração definitiva de Del Vecchio — seria sempre necessário um conceito do ju ríd ico para distinguir e conhecer o fa to ju rí­ dico. Cf. Filosofia d el derecho, trad. de Recaséns Siches, Barcelona, 1929, v. 1.

9. J. Delos, A rchives d e ph ilosoph ie du d ro it e t d e Sociologie ju ridiqu e, 1931, 1-2, p. 145.

10. Volpicelli, Corporativism o e scienza giuridica, Florença, 1934, p. 40, comp. Luigi Raggi, D iritto am m inistrativo, v. 4, Pádua, 1935, p. 86, e V. E. Orlando, N ote à dottrina generale dello Stato d e Jellinek, trad. de Petrozziello, Milão, 1921, v. 1, p. 2 6 8 .0 insigne Orlando diz que não nega que o mundo jurídico seja um mundo de abstrações, mas que se não deve esquecer que “são abstrações que se originam de dados de fatos”. Esta parte da crítica de Orlando não é de todo procedente, pois não se conseguiu até agora provar a possibilidade da passagem do fa to à norma, sem a interferência criadora do espírito. Nós somos devedores a Kant desta verdade que

D e acordo com esses autores, o ju r íd ic o não é nada m ais do que o s o c ia l que recebeu uma fo r m a , em virtude da intervenção da auto­ ridade.

Com preende-se, dessarte, que não se deve admitir que o Estado esteja subordinado a leis rígidas, da m esm a natureza daquelas que regem os fenôm enos do mundo físico ou b iológico. Todas as tentati­ vas feitas para reduzir o D ireito a uma geom etria de normas ou a um m ecanism o de pesos e contrapesos têm falhado a seu objetivo, e só serviram para fazer esquecer o real significado ético de todas as de­ term inações jurídicas.

O culturalismo evita, por outro lado, as pretensões dos so ció lo ­ gos que procuram transformar o D ireito em um capítulo da S ociolo­

gia, pois o D ireito, se não é apenas n o rm a , tam bém não é apenas/ato

so c ia l: é, ao contrário, síntese de matéria e forma, integração do que é e do que deve ser, ou, com o escrevem os em nosso livro sobre os

Fundamentos do Direito, este é síntese de s e r e de d e v e r s e r , exigin ­

do um a com preensão unitária da realidade histórico-social, de ma­ neira que o elem ento lógico-form al seja apreciado no sistem a dos valores de uma cultura.

É claro que esta concepção do Direito im plica profundas altera­ ções de ordem m etodológica, com o vam os apreciar.

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